Professora encaminha jovens Guarani na fotografia

Costumava-se dizer que os povos originais eram receosos da fotografia. Temiam ter a alma capturada por aquela estranha caixinha preta. Se isso foi verdade algum dia, hoje muitas comunidades tradicionais têm se apropriado da fotografia como forma de documentar e compreender a sua própria realidade. Uma iniciativa nesse sentido ocorre, por exemplo, em Angra dos Reis (RJ), onde jovens Guarani Mbya veem uma perspectiva de futuro por trás do visor da câmera.

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Quem serve de mediadora nessa busca é a fotógrafa e pedagoga carioca Rita Rocha. Ela trabalha há dez anos com os índios da Aldeia Sapukai. Em 2013, foi convidada a participar do programa “Novos Talentos” do Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense (IEAR/UFF), patrocinado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação e coordenado pelo professor Dr Domingos Barros Nobre, com apoio da Prefeitura de Angra dos Reis. Ela ministra oficinas de fotografia para os alunos da EJA Guarani, núcleo de educação de jovens e adultos da Escola Municipal Professor Francisco Diniz, em Bracuí. Possui 25 alunos, cuja dedicação Rita deseja contemplar com oportunidades. Para isso, busca apoio para ampliar parcerias que beneficiem esses e os futuros alunos.

“Gostaria, por exemplo, de poder levar os trabalhos deles para um pequeno espaço do Paraty em Foco [festival de fotografia de Paraty], tão perto deles aqui em Angra onde moram, mas ainda desta vez não consegui espaço. Com certeza, seria uma importante troca de conhecimentos e aprendizados, mas tudo bem, tudo tem o seu tempo”, resigna-se.

Rita conta que em março acompanhou seu grupo numa viagem de onze dias promovida pelo programa, refazendo, no sentido inverso, a rota de povoamento dos Guarani Mbya pelo litoral brasileiro desde Misiones, na Argentina. No trajeto, visitaram nove aldeias, tiveram aulas de diferentes disciplinas e documentaram tudo por meio de fotos e vídeos.

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“Sala de aula”: alunos praticam os fundamentos da fotografia: “Deram um show”

Antes de embarcarem, Rita ensinou-lhes como usar uma Nikon D90. “Minha técnica foi soltar a câmera na mão deles, inicialmente tudo no automático e com breves informações sobre a câmera. Obviamente, os alunos deram um show na aula prática”, elogia. Depois, acrescentou regras de composição e entrou em questões mais subjetivas. “Durante minhas aulas sempre falei com eles sobre buscar o detalhe, que  fotografar uma pulseira num braço, por exemplo, sem o rosto e o braço incompleto, é também bonito. Como o Guarani Mbya é muito tradicional, acreditei que eu não conseguiria passar essa ideia, mesmo mostrando fotos belíssimas. Mas, para minha surpresa, me emocionei quando abri as fotos feitas por eles da viagem. Incrível como entenderam, como fizeram e como ficou bom o resultado”, testemunha.

Durante a viagem, os jovens foram divididos em quatro grupos e se revezaram entre as quatro câmeras disponíveis. “Dormimos dentro de dois ônibus leito enquanto ele viajava e durante o dia ficávamos nas aldeias trabalhando. Foram muitos os cliques, eu mediava e orientava com o equipamento, mas o mínimo possível, pois já estavam seguros com o que pretendiam e com muita seriedade e responsabilidade, bem dentro do espírito Guarani. No final de cada dia fazíamos uma avaliação e pensávamos juntos em novas tomadas. Eu e uma aluna Guarani (Franciane Kerexu Mirim Alves) que nomeei como minha assistente fazíamos a cobertura do trabalho deles”, explica a professora.

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Jovens foram orientados a prestar atenção aos detalhes: “Incrível como entenderam”, elogia Rita

Atualmente, o trabalho está em fase de pós-produção. Além das fotos, estão sendo editados quatro curtas e um longa-metragem, tudo patrocinado pela Capes. Entre 5 e 13 de dezembro haverá uma exposição dos trabalhos na Casa Laranjeiras, em Angra dos Reis. “Estou tentando proporcionar a eles nessa etapa a ampliação dos conhecimentos: convido e organizo com profissionais de fotografia aulas com temas especiais. A última foi sobre direito de imagem x direito de imprensa, e rapidamente se apropriaram desse conhecimento para identificar o uso indevido de suas imagens e como podem se defender”, acrescenta Rita, confiando no potencial dos seus pupilos, os quais já considera profissionais.

“Eu, na verdade, me sinto honrada, deleitada por poder desenvolver esse trabalho com esse povo tão silencioso, concentrado, educado e de alma sensível e artística. Não vamos parar, mas na verdade precisavam de oportunidades para desenvolver seus conhecimentos e praticá-los como profissionais, para de alguma forma gerar renda para seu sustento, assim como oportunidades. Eles são excelentes em edição de vídeo e fotos, além de fazerem filmes com uma mão tão firme que parece que a câmera está no tripé. Os alunos Claudio Benites Karai Papa e Isaias Vera Mirim da Silva Aquiles já são cineastas: além de fazerem ótimas filmagens, editam vídeos com excelência, inclusive estão dando aula para os outros alunos”, avaliza a fotógrafa.

Contatos: rocharita@hotmail.com.

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Rita Rocha e seus alunos da EJA Guarani Angra dos Reis

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2 Comentários

  1. Muito legal esse trabalho! É difícil um fotografo desprovido assim de vaidades.
    Parabéns Alcides, ótima noticia.