Natureza: imagens para celebrar o silêncio

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Se tem algo que a natureza ensina é a ter paciência. Todas as coisas levam um tempo para maturar e isso diz muito a um fotógrafo que busca seu caminho. Consistência e persistência são imperativos para se obter êxito, como bem sabe Cristiano Xavier, um mineiro que foi do claustro às amplidões, dos limites de um consultório de dentista à liberdade silenciosa das belas paisagens. E daí para o mercado fine art.

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Cristiano Xavier: “As coisas não acontecem do dia para a noite” (foto: Guga Nogueira)

O começo de tudo ele considera peculiar. Formado em odontologia, com pós-graduação em prótese dental, Cristiano comprou sua primeira câmera reflex em 1998 (uma Canon EOS 5000) para documentar os casos clínicos, procedimentos cirúrgicos e verificar resultados dos tratamentos. Fotografava de segunda a sexta e tinha trabalho de sobra no consultório. Para aliviar a tensão, saía para fotografar nos fins de semana.

“A natureza sempre me fascinou e desde criança tive um contato muito intenso com as paisagens de Minas. O Cerrado e suas árvores tortuosas, os rios e veredas e, é claro, as montanhas”, diz o mineiro de Belo Horizonte, 39 anos de idade, que logo se interessou pelas possibilidades criativas da fotografia noturna, à qual ele se lançou com método de cientista: “Estudava astronomia, fazia testes e mais testes, anotando resultados, tempos de exposição, erros de reciprocidade, desenvolvia meus próprios equipamentos de suporte de flashes, procurava referências dentro e fora do Brasil”, conta.

O resultado prático foi que Cristiano desistiu da odontologia. Em 2002, partiu para os Estados Unidos, seguindo a trilha dos mestres da fotografia de natureza. Foram seis meses de aprendizado intenso: “Bebi na fonte de Ansel Adams e seus últimos assistentes. Fotografava muito e consumia uma quantidade imensa de informação. Chegava ao ponto de entrar numa livraria pela manhã e sair somente à noite. Lia tudo que me interessava, comparava os estilos dos grandes mestres, e o mais importante: desenvolvia uma referência riquíssima que me acompanha até hoje”.

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Nessa temporada norte-americana, Cristiano conheceu sua primeira “curadora”, uma idosa e exigente proprietária do laboratório onde ele revelava seus cromos. “Olhava cada slide com sua lupa Schneider que não deixava passar nem o mais fino grão”, ele lembra. Mas um dia ela se rendeu a uma imagem acima da média. Pediu para ampliar e expor numa pequena galeria do laboratório. “Acho que foi a primeira vez que vi uma obra minha pendurada na parede. Foi emocionante”, recorda.

Cristiano voltou ao Brasil e ingressou no mercado publicitário. Durante bastante tempo fez imagens principalmente para a indústria, mas agora cultiva apenas uns poucos clientes na publicidade. Seu foco atual está na fotografia científica em odontologia para publicações especializadas e no circuito fine art, através do qual pode desenvolver seu trabalho autoral.

“O segmento de obras fine art tem evoluído muito e consequentemente muitos artistas estão produzindo para essa demanda”, observa Cristiano. Para ele, é um mercado que exige um trabalho sólido e com personalidade. “Vejo muita gente produzindo de acordo com a ‘moda’ do momento, pulando de galho em galho sem uma linha consistente que o defina. As coisas não acontecem do dia para a noite, é preciso paciência, um bom trabalho e também bons contatos”, adverte o mineiro, que tem seu trabalho representado por galerias, o que o desincumbe de se preocupar com as vendas. Porém, ele entende que o público-alvo são pessoas que comungam com sua visão de mundo. “Não conheço a maioria delas, mas sei que tenho obras na França, Suíça, Espanha, Estados Unidos, Rio, São Paulo, São Luís, Angra dos Reis, Ubatuba, enfim, onde tiver alguém que se emocione com o que me emociona”.

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Esse sentimento Cristiano encontra em abundância na natureza. Assim, ele não poderia ter para com ela outra reação que não de submisso respeito, pois também sabe que ali não se pode ir chegando, sacando a câmera, dois cliques e vamos embora. Aqui entra aquela história da paciência. O mineiro tem uma palavra melhor: contemplação.

_MG_5279“Uma das coisas que mais me aproximou desse tipo de fotografia foi o silêncio, principalmente nas capturas noturnas. O silêncio desconecta meu cérebro do dia a dia e o processo de criação pra mim se faz mais efetivo”, afirma.

Atualmente, sua rotina inclui viagens em busca de diferentes paisagens e de um elemento em especial – as árvores. As mais incríveis que encontrou estão no parque Joshua Tree, no leste da Califórnia, no Salar de Uyuni, na Bolívia, e no sul do Chile – sem contar as do norte de Minas. Nas viagens, carrega sempre um amigo – ou inimigo, conforme a circunstância. Se for para vencer 9 quilômetros de subida lá na Patagônia, como ele fez numa das últimas viagens, com certeza é um inimigo. “Nessas horas, o peso do tripé é sofrido, mas para conseguir a imagem que estava nos meus planos, capturada com vários segundos ou até minutos de exposição, não há outra escolha”, resigna-se, para em seguida recomendar: “Quando for comprar um tripé, compre o melhor que seu dinheiro possa pagar e o faça uma única vez”.

Uma ocasião, ele fugiu ao roteiro e produziu um ensaio diferente. Viajando pelos Estados Unidos em 2005, resolveu parar em Nova Orleans e documentar os efeitos do furacão Katrina. Dessa vez, não havia beleza a mostrar, apenas destruição. Talvez tenha sido sua única concessão ao aspecto sublime da natureza. E bastou.

Além de uma programação extensa de oficinas pela América do Sul e Estados Unidos para o ano que vem, Cristiano deve continuar a desenvolver um projeto longo que realiza, usando filmes e grande formato. Exposições estão na pauta (“creio ser a melhor maneira de apresentação do trabalho”) e livros, mas tudo a seu tempo. “São só planos por enquanto, uma coisa de cada vez”, diz, mineiramente. Ele não esquece a lição.

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