O clique no último instante: fotógrafo conta como fez o retrato de Neymar

No Como Fiz a Foto de hoje, trazemos essa icônica imagem feita pelo fotojornalista Anderson Rodrigues, que com um clique desvendou uma dúvida que todos tinham: Por que Neymar fazia esse “T” nas comemorações de gols? Confira o relato de Anderson, que conta como “se virou nos 30” para conseguir este registro impecável no último minuto:

“Ao revirar as fotografias que fiz ao longo dos meus 17 anos como profissional, hoje paro e reflito sobre a concorrência e dificuldade para se fazer um retrato, por exemplo, do atacante Neymar (PSG). Desde o Santos e passando pelo Barcelona, o tempo fez do jogador brasileiro uma estrela na qual sua imagem foi construída na era do marketing. Seus direitos de imagem como ídolo mundial valem, certamente, imensuráveis milhões.

Empresários, gestores de carreira e assessores de imprensa sempre criaram uma arredoma para proteger e escolher quem tem acesso ao craque.

Penso: como definiriam um fotógrafo para uma matéria ou ensaio? Talvez entregariam nas mãos de uma retratista reconhecido no mundo da arte, como Annie Leibovitz. Não estariam preocupados em negociar apenas qual veículo ou de que forma seria a produção e a qualidade da imagem, mas qual o valor comercial desta foto no futuro. Da escolha do profissional até a foto final, obviamente traçariam um planejamento de comunicação. Pensariam em tudo para transmitir seu perfil, desde a roupa (alinhada aos seus patrocinadores), passando pela locação (um espaço com algum interesse comercial), pose, expressão facial, etc. Tudo negociado e grandioso. Vale explorar todo o processo para gerar visibilidade.

Neymar | Foto: Anderson Rodrigues/2012

Volto aos meus arquivos.

Em 2012, pelo Globesporte.com, tive a oportunidade de fotografar Neymar em Santos para o centenário do clube. Fomos em quatro jornalistas, sendo dois para produção de texto e vídeo, um cinegrafista e um fotógrafo (eu, neste caso). Mesmo com uma grande marca jornalística por trás, entramos na fila. Neymar concederia cerca de 30 minutos para cada veículo que havia agendado. Dezenas esperavam do lado de fora da sala no CT Rei Pelé. Nada de privilégios. Neymar havia dado apenas três entrevistas coletivas até este dia, 12 de março. A ideia era que os jornalistas aproveitassem ao máximo este dia para coletar material para tirar Neymar das entrevistas do dia-a-dia. Afinal, o menino tinha muitos compromissos comerciais antes e após os treinos.

Já no final daquela tarde, após um breve trabalho no campo, fomos praticamente os últimos. Consegui poucas imagens com bola. Seu pai e empresário estava lá para dar apoio ao moleque. Veio em direção ao filho, que pulou nas suas costas e caminhou em direção a parte privada do Centro de Treinamento. Como de costume, usei uma Canon 7D (mais rápida do que a 5D em disparo) e uma lente 70-200mm próximo a f/2.8, comum em futebol para destacar o primeiro plano e desfocar demais jogadores e estádios vazios ou feios esteticamente.

Neymar nas costas de seu pai | Foto: Anderson Rodrigues/2012
Foto: Anderson Rodrigues/2012

Neymar estava cansado. Educado, mas sem paciência. Após alguns cliques enquanto concedia a entrevista, o tempo esgotou. Um funcionário desligou a tocha de luz à minha esquerda. Era o fim. Neymar levantou e virou para sair da sala quando perguntei:

– Neymar, só uma curiosidade: por que faz aquele ‘T’ ao comemorar seus gols?

– Ahahah… É toys (sic)!

– ‘Toy’ de brinquedo…?

– Não. É ‘noix’, é ‘toys’.

– Posso fazer uma foto? Rápido.

Enquanto seu staff chamava para ir embora, ele topou. Sem graça, um funcionário foi ligando novamente aquela luz do lado esquerdo.

Agradeci, falei que não precisava se importar. A luz era aquela. O fotojornalismo prega essas peças. Muitas vezes, como neste caso, o ajuste da câmera é rápido e não há tempo para planejar. É preciso executar. Assim que saísse da entrevista, a foto deveria ser enviada e estar no site. Naquela hora, apenas pensei em não usar uma abertura tão grande como a usada em campo. O fundo era importante para dar contexto histórico à imagem que poderia ser ligada ao centenário do clube. Atrás de Neymar havia uma parede com grafites de grandes craques do Santos. Não podia ignorá-la. Pelo contrário. Neymar fez a pose, abriu um sorriso rápido. Foi o tempo de “um clique”. Um documento histórico elaborado em segundos. Minutos depois, a matéria com a foto estava na capa do site onde ficou até o dia seguinte. Não era a pauta, virou.

A mídia à espera de Neymar | Foto: Anderson Rodrigues/2012

A história da foto teve um capítulo meses depois quando descobri que um empresário ligado ao jogador indiretamente havia “usado” a imagem para um clipe de uma dupla sertaneja. O vídeo já tinha viralizado na internet com a música e minha foto como ícone desta “ilustração”. Sem pedir autorização e pagar pelos direitos autorais. Entrei em contato com o empresário, que disse:

– Você quer que eu tire do ar? Eu tiro. Ou você quer dinheiro?

– Já imaginou se eu pegasse “sem querer” a letra desta música e usasse com minha dupla sertaneja?

Não teve papo. Procurei dois advogados e, por fim, precisaria investir tempo e dinheiro com viagens e papeladas para, quem sabe, recuperar o meu direito. Ali aprendi o que significava direito de imagem e autoral. Perdi.

Um retrato pode levar segundos, minutos, horas. O clique, de valor imensurável, depende de técnica – para muitos – ou lampejos de criatividade e ousadia no olhar de outros fotógrafos. Por isso, o fotojornalismo é fascinante e estressante. Em boa parte, você planeja, idealiza a imagem e tudo muda. Talvez pelo fato de o personagem não ser o cliente, não estar pagando pelo trabalho. O tempo é dele.

Neymar é craque por isso. Não é técnico. Foge do comum, da zona de conforto pois o adversário sabe o que pode fazer. Sempre desequilibra num desses lampejos, dribles improváveis. Eu, como fotógrafo? Um zagueiro atento, treinado, mas nunca engessado à técnica. É preciso estar antenado como um atacante, com a mente aberta e os olhos buscando o que muitos chamam de “sorte”.

 

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