Fotógrafo retrata a poética do mar em série com longa exposição
Quem já sentou em silêncio para observar o mar sabe que ele envolve o olhar de uma forma indescritível, um sentimento inefável. Ao mesmo tempo forte e sereno, e o movimento das ondas parece nos ensinar coisas sábias e profundas. O fotógrafo Zé Paiva capturou esta dualidade do mar em sua nova série “A Poética do Mar”.
As fotos foram feitas entre 2015 e 2017, algumas em Jericoacoara e as outras em diversas praias catarinenses, como Canto Grande, Gamboa e Praia Mole. Zé Paiva utilizou longa exposição para criar as obras, variando entre um e trinta segundos para captar a imagem. A série foi exposta na CASACOR, Edição Florianópolis/SC, em outubro de 2017.
Leia abaixo a entrevista exclusiva com Zé Paiva para o iPhoto Channel.
iPhoto Channel – Qual a sua ligação com o mar? De onde surgiu essa admiração?
Zé Paiva – Minha ligação com o mar vem da infância. Costumávamos veranear em Torres, no Rio Grande do Sul. Certa vez eu e meus amigos decidimos que as planondas (pranchas de isopor populares entre as crianças da época) não eram suficientes. Como não tínhamos dinheiro para comprar uma prancha de surf, conseguimos quilhas de madeira e colamos nas planondas, mas não deu muito certo.
Por volta dos 17 anos fui passar um feriado com alguns amigos na praia de Atlântida e todos já surfavam e tinham suas pranchas. Um deles me emprestou uma prancha extra e disse que era só remar mar adentro. Eu acreditei e fui. Na hora de varar a rebentação tomei um caixote, ou seja, uma onda quebrou sobre mim. Na época o “laish”, aquela cordinha que segura a prancha ao tornozelo, era de um material elástico. Quando voltei a superfície só vi o bico da prancha vindo na minha direção. O saldo foi 4 pontos na testa. Aprendi a respeitar o mar, além de admirá-lo. Foi somente depois de 32 anos, para acompanhar os filhos e já morando em Floripa, que fui aprender a surfar. O surfe muda sua relação com o mar, pois você fica horas sentado na prancha dentro do mar esperando as ondas. Eu acho um ótimo momento para contemplar a imensidão do oceano.
iPhoto Channel – Como foi criada a primeira foto da série? De que forma a ideia surgiu?
Zé Paiva – Já fotografo há muitos anos com a técnica de longa exposição, mas até então meu foco eram rios, cachoeiras e lagos. No livro “Expedição Natureza Gaúcha” também havia feito fotos do vento sobre o pampa. Foi numa viagem a Jericoacoara no Ceará que comecei a fazer longas exposição do mar.
iPhoto Channel – Com a longa-exposição, a aparência característica do mar, do reflexo da água, se torna quase que uma neblina, um aspecto etéreo, enquanto as pedras se mantêm intactas. Como você sente essa transformação do mar através de sua fotografia?
Zé Paiva – A longa exposição reflete a minha postura como fotógrafo. O meu olhar é muito contemplativo. Sou praticante budista há 8 anos e faz um ano que moro numa aldeia budista em Canelinha, Santa Catarina. A meditação está presente no meu dia a dia. Minha fotografia naturalmente manifesta a contemplação exercitada na prática da meditação. A longa exposição para mim é o que mais traduz um olhar contemplativo, pois você não congela o tempo, você observa o tempo passar e assim introduz uma quarta dimensão na representação da realidade. A nitidez das pedras forma um contraponto interessante com a fluidez do mar em movimento. Quando faço esse tipo de fotografia é uma espécie de meditação. Acho interessante também esse tipo de fotografia pelo fato de que é uma imagem que só existe como fotografia. Você não consegue ver dessa forma com os olhos.
iPhoto Channel – Pode nos dar mais detalhes de como foram realizadas as fotos, por exemplo quais horários, se utilizou filtros e outros acessórios?
Zé Paiva – A grande maioria das fotografias desse ensaio foram feitas no crepúsculo ou “blue hour”. Aquele horário que antecede a aurora ou que sucede o por do sol. A maioria foi no crepúsculo matutino, algumas poucas foram no vespertino e apenas duas foram durante o dia. Gosto muito desses horários pela luz suave e também porque proporcionam tempos mais longos de exposição sem o uso de filtros. O horário antes da aurora, especialmente, me encanta, pois o dia está despertando. É quando acontece a passagem de um grande silêncio da noite no mar para os sons do dia. Este também é meu horário preferido para meditar. Normalmente uso uma objetiva grande angular, tripé e um cabo disparador. Quando necessário uso um filtro ND (neutral density).
iPhoto Channel – Caso queira contar mais alguma história ou detalhe, fique a vontade.
Zé Paiva – Quando vou fotografar antes do sol nascer geralmente chego no local quando ainda está escuro, para poder escolher o lugar ideal e esperar o dia clarear. Uso uma lanterna de cabeça (head lamp) tipo aquelas que os escaladores usam, para poder caminhar com todo o equipamento e ficar com as mão livres para poder eventualmente me apoiar. As pedras normalmente estão úmidas da maresia e do spray das ondas do mar então é necessário muito cuidado porque qualquer escorregão pode significar um tombo com risco de se machucar e danificar o equipamento. Numa das últimas fotografias que fiz para esse ensaio, ao amanhecer, no costão sul da Praia Mole, dei um escorregão bem perto do mar. Tomei um susto e nesse momento me dei conta de que se sofresse um acidente ali naquele horário e local, talvez demorasse um bom tempo até alguém me socorrer. Por sorte não aconteceu nada.
Excelente Ruca! Boas perguntas sempre ajudam o entrevistado. Gracias pela oportunidade! abraço
Eu que agradeço tua atenção :)!