Guy Veloso: dez anos de penitências

Artistas costumam ser bastante inquietos. E prolíficos, saltando de um tema a outro ao longo da carreira. Não é o caso de Guy Veloso. O fotógrafo do Pará, estado cuja produção fotográfica é reconhecida nacionalmente, segue uma linha muito bem traçada em seu trabalho documental: as manifestações de fé. Especificamente, há dez anos Guy fotografa grupos de penitentes pelo Brasil. Projeta mais três anos para, enfim, “expulsar isso da minha alma”, conforme diz.

Essa busca pela fé dos outros surgiu em seu caminho de modo não intencional. Desde quando elegeu a fotografia a sua forma de expressão – e também meio de fuga à seriedade da faculdade de direito, que cursava – o paraense invariavelmente se via apontando a câmera para procissões de devotos.

A inclinação é também uma ressonância da sua personalidade, religiosa e mística. De família tradicional católica, Guy segue a doutrina kardecista e se interessa por filosofias orientais. Esteve na Índia e, em 1993, fez o famoso caminho de Santiago de Compostela, que foi o seu “momento decisivo” para se tornar fotógrafo.

A partir disso, o artista nascido em Belém, hoje aos 43 anos de idade, assumiu seu compromisso com a religião popular. Em 1998, iniciou um projeto de documentação dos romeiros do sertão nordestino, que resultou no ensaio Entre a Fé e a Febre: Retratos. Em 2012, começa a pesquisar grupos de penitentes, trabalho que desenvolve até hoje, em paralelo com outros, sobre cultos de matriz africana e sobre o místico Vale do Amanhecer, de Brasília.

Guy relacionou até aqui 131 grupos de penitentes. Descobriu, com isso, que há penitentes nas cinco regiões do Brasil. Muitos secretos, a maioria deles jamais havia sido fotografada. Todos fascinantes. Ele cita as Aves de Jesus, de Juazeiro (CE), irmandade que prega o fim do mundo e cujos membros vivem como ascetas: “Me impressionou muito”, afirma.

Admira também o fotógrafo o fato de esses grupos rezarem exclusivamente pelas almas do purgatório: “Não pedem nada pra si”. Seus rituais, alguns de autoimolação, ocorrem em dias da Semana Santa ou de Finados. Guy procura estar lá para fotografar, o que ocorre por meio de pesquisa, contatos locais e encontros com os chefes dos grupos, que vivem geralmente nas zonas rurais. Ele costuma se apresentar como pesquisador, já que termos como “jornalista” e “fotógrafo” assustam um pouco. “E eu não deixo de ser um pesquisador”. De fato: além de fotos, Guy recolhe depoimentos em vídeo, estabelece diferenças, conferindo certa “pegada” antropológica à pesquisa.

Todo o trabalho até aqui foi feito em slide, com câmera Leica e lente 35 milímetros. Houve alguma captura em preto e branco no início, mas a cor se impôs, pois ele a considera ideal para captar o aspecto misterioso, um tanto medieval, dos ritos dos penitentes. Recentemente, Veloso comprou uma câmera digital, mas pretende manter a mesma estética – grande profundidade de campo e cores saturadas.

A três anos de concluir o ciclo dos penitentes, Guy Veloso atribui seu gosto por histórias longas a uma questão de cuidado: “Não quero entregar uma coisa que eu não considere madura para as pessoas”. Algumas imagens do ensaio estiveram na 29ª Bienal de São Paulo, mas projeto concluído mesmo, só em 2015. No início do próximo ano, porém, o artista dará um tempo no tema para se dedicar a um deleite pessoal: irá ao Rio fotografar o desfile da Portela, sua escola de samba do coração. Um desvio em sua linha temática? Nem tanto, já que ele não perde de vista a raiz religiosa da festa de momo.

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