Paulistano fotografa ruínas para ‘projeto sem fim’

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Um projeto fotográfico não precisa necessariamente ter conclusão – apenas etapas que vão se cumprindo para dar lugar a outras, enquanto o interesse pelo tema se renova. Isso explica um pouco o sentimento que Bernardo Borges, um paulistano com 30 anos redondos, nutre por lugares arruinados e sua decisão de tomá-los por seu “projeto sem fim”. Mas, talvez, isso seja uma explicação simplista.

“Nós somos mortais e sempre produziremos ruínas. Elas e nós continuaremos nascendo e morrendo, até um momento em que esse ciclo acabe, e a extinção da raça humana é só mais uma das leituras que essas fotos podem trazer”, propõe o autor de Abandonados SP, série que nasceu como projeto de conclusão do curso de artes visuais no Senac, foi transformado em livro e, no momento, está fugindo aos limites geográficos de São Paulo.

Borges explica que seu interesse pelo tema “sempre existiu”. Sua primeira experiência foi um ensaio numa casa abandonada, em 2010. Um ano depois, já no final do curso, uma condição funesta exigiu atenção: a doença de sua mãe. Como precisava decidir o tema do projeto final, Bernardo cogitou fotografar as sessões de quimioterapia que ela enfrentaria, mas não conseguiu ir adiante.

Enquanto se debatia com essa questão, a mãe morreu. “Foi aí que a ideia do Abandonados SP nasceu”, contrapõe o artista, que também é designer e trabalhou para algumas das revistas da Abril. “Mas esse é apenas o lado racional dos fatos, por assim dizer. Do ponto de vista dos meus sentimentos, acho que, no fundo, o projeto me ajudou nesse meu momento de luto. Foi de certa forma catártico para que eu entendesse melhor a morte e o mistérios envolvidos”, avalia.

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Bernardo Borges: projeto o ajudou a superar o luto (foto: Antônio Brasileiro)

Assim, a série começou a ser elaborada em julho de 2011. Uma pequena casa da Rua Joaquim Antunes serviu como ponto de partida. Satisfeito com o resultado da primeira sessão, Bernardo recorreu ao site São Paulo Antiga para eleger outras locações.

“Mesmo no site a quantidade de lugares era imensa. Então, o corte final foi pela importância histórica que esses locais representam para a cidade (o prédio do INSS na 9 de Julho, a fábrica de cerveja da Antarctica na Mooca, a fábrica de cimento em Perus etc.)”, explica. Em torno de quatro meses depois, o livro estava pronto. O interesse, porém, permaneceu, especialmente diante da perspectiva de estender o ensaio para outras paragens (já há fotos feitas no Paraná e no Pará): “Se tudo der certo, 2014 será sensacional”, projeta.

Fotografar em locais abandonados, caindo aos pedaços – alguns ocupados, outros sujeitos a vigilância – requer cuidados e algumas ousadias. “Alguns lugares invadi e outros, obtive autorização”, revela Bernardo. O importante, em sua opinião, é se armar de uma avaliação prévia do local.

Isso, entretanto, não antecipa a sensação que cada local irá transmitir, muito em função da história embutida em suas paredes (ou no que restou delas). O fotógrafo cita o prédio do INSS, repleto de objetos que as pessoas deixaram para trás, o que lhe trouxe tristeza. “Já na fábrica de cimento de Perus, me senti um aluno tendo aula de história. A fábrica é muito antiga e muito do cimento que vemos hoje espalhado pela cidade saiu de lá”. O que não varia, garante, é sua satisfação em explorar cada um desses lugares: “Guardo todas [as visitas] como se fossem ontem”.

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Basicamente, o ensaio pretende despertar sentimentos (“medos, angústias, curiosidades, silêncio, vazio e até [exaltar] a arquitetura – é um trabalho em homenagem à arquitetura da cidade também, por que não?’), porém outro aspecto se imiscuiu na trama, uma crítica ao mau uso do patrimônio público, pois muitos dos prédios visitados são equipamentos que poderiam estar servindo às pessoas e não às traças. Mas é uma conclusão que não encontra unanimidade na cabeça do fotógrafo, cuja paixão está justamente naquilo que esses lugares são, e não no que deveriam ser.

“Na verdade, fico meio dividido com relação à reforma desses locais, pois, ao mesmo tempo em que gostaria de vê-los sendo demolidos ou reformados a fim de [terem] melhor uso, gosto deles da maneira como estão, são a matéria-prima do meu trabalho. Sem eles o projeto não existiria”, confessa.

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