Kertész, um gigante na sombra
Consta que certa ocasião Henri Cartier-Bresson teria dito o seguinte, falando de si, de Robert Capa e de Brassaï: “Não importa o que tenhamos feito, Kertész fez primeiro”. Não deve ter sido essa a primeira vez que o pai do “instante decisivo” colocava na devida perspectiva o trabalho de seu colega húngaro – a quem atribuía, inclusive, a verdadeira paternidade desse tal “instante decisivo”. Mas a declaração do “Fotógrafo do Século” é bastante para situar a obra de André Kertész entre a dos maiores gênios da fotografia mundial, mesmo que este não figure entre os mais populares mestres da arte.
Talvez isso se deva ao próprio temperamento do fotógrafo, conhecido por uma invencível timidez. “Meu inglês é ruim, meu francês é ruim, meu húngaro é ruim. A fotografia é minha única linguagem”, admitiu o retraído artista, cuja obra é marcada pela simplicidade e apurado senso de composição – traços que marcariam o trabalho de artistas como o próprio Bresson.
Kertész nasceu em Budapeste, em 1894. Autodidata, começou a fotografar aos dezoito anos. Mais tarde, se alistou no exército austro-húngaro e foi combater durante a 1ª Guerra Mundial. Levou a câmera para o front, com a qual registrou principalmente cenas do cotidiano dos soldados. Deu baixa um ano depois, retornou à cidade natal, onde tentou emplacar como fotógrafo. Sem sucesso, retornou ao emprego de antes da guerra: como balconista na bolsa de valores. Mas, em 1925, resolveu arriscar: tal como os compatriotas Capa e Brassaï – este antes, aquele depois –, emigrou para Paris e passou a fazer parte dos círculos artísticos e literários da capital francesa.
O ambiente era propício para o florescimento da sua capacidade artística, e especialmente acolhedor para alguém que não necessariamente do tipo expansivo. Kertész passou a trabalhar como freelancer para diversas revistas e iniciou uma série de retratos de personalidades da época, como Mondrian, Chagall, Eisentein e outros.
O fotógrafo também encontra inspiração das ruas de Paris, estabelecendo um estilo que influenciaria as subsequentes gerações de fotojornalistas. Ao mesmo tempo, começa a flertar com o surrealismo, resultando, entre outras coisas, na sua famosa série de nus, para a qual fotografou os corpos refletidos em espelhos, resultando em imagens distorcidas.
Após uma década na França, Kertész emigra novamente, em direção a Nova York. Ele assina contrato com a agência Keystone. Porém, o artista não encontrou na cidade a mesma acolhida que teve em Paris, para onde se viu impossibilitado de retornar. Também faltou aos seus editores a elegância de Bresson em reconhecer o talento do fotógrafo. Desiludido, ele vive seus últimos dias em melancolia, entregue ao trabalho de revisar seus negativos, os quais foram doados ao Ministério da Cultura francês. Kertész ainda teve tempo de experimentar a fotografia colorida, tarefa a qual aplicou o mesmo princípio de simplicidade que norteou toda a sua obra. E morreu em Nova York, em setembro de 1985. O reconhecimento veio tardiamente, mas ainda longe da importância desse gênio da fotografia.