Marcelo Pretto: o fundo branco da Amazon
“Uma nova patente conseguida pela Amazon nos Estados Unidos está deixando fotógrafos irados e provocando debates sobre os limites na concessão de registros de propriedade intelectual. A companhia obteve do órgão competente nos EUA a patente para seu ‘arranjo de estúdio’ para fotografias com fundo branco”, publicou em maio, no seu site, a revista Exame. A notícia ganhou espaço não apenas nesse veículo, mas tomou as redes sociais e assombrou fotógrafos no Brasil e no mundo.
No grupo “Direito na Fotografia”, que modero no Facebook, chegaram nada menos que quinze posts a respeito do tema. A dúvida fundamental por trás de tanto barulho é a seguinte: ninguém mais poderá fotografar produtos (é disso que se trata) com fundo branco, uma vez que esse arranjo agora tem “dono”?
Conversei com Altair Hoppe, conhecido especialista em tratamento de imagem, e ele não acha que isso traga problemas para os fotógrafos. “Acredito que a Amazon quer apenas se proteger de alguns concorrentes diretos, estabelecendo uma característica exclusiva. A briga ficaria mais entre uma Apple e a Amazon do que contra pequenos estúdios”, opinou Altair.
Penso que a questão pode ser avaliada sob dois aspectos: o jurídico (a questão da patente em si) e o fotográfico (o conceito de “branco”). De acordo com o primeiro aspecto, é importante analisar que a Amazon patenteou apenas um único tipo de esquema de iluminação, que permite capturar um fundo totalmente branco em tese sem necessidade de ajustes na pós-produção.
Esse processo já foi amplamente utilizado antes da Amazon, o que enfraquece o incremento criativo da invenção. Segundo a Lei de Propriedade Industrial (artigo 8º): “É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial”.
Entende-se por “patente” um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores, autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação.
No caso do Brasil, a lei 9.279/96, em seu artigo 2°, estabelece a proteção à propriedade industrial segundo “o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país”, e mediante “concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade”.
De acordo com o texto legal, o inventor ou o detentor da patente tem o direito de impedir terceiros de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar sem o seu consentimento produto objeto de sua patente e/ou processo ou produto obtido diretamente por processo por ele patenteado.
Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente.
No caso da Amazon, o que está detalhado em sua patente é um esquema de luz que resulta num fundo branco “puro”. Altair explica que, em fotografia digital, as cores são formadas por combinações de números. O branco “da Amazon” é representado no histograma de uma câmera pelo valor 255 em todos os canais. “Tudo o que for variante desse branco não cabe na patente”, afirma o especialista em Photoshop.
Considerando que o olho humano não consegue captar diferenças sutis nos valores de cor, se o fotógrafo utilizar um valor um pouco menor (por exemplo, 254), continuará parecendo branco sem risco de violar a patente da Amazon.
E mais: qualquer outro esquema de iluminação de estúdio que o fotógrafo montar não vai ferir a Lei de Propriedade Industrial, já que o objeto patenteado é tão somente aquele depositado pela Amazon, ou seja, o esquema mostrado abaixo:
Dessa forma, o fotógrafo estará seguro e não correrá risco de ser processado por uma multinacional. De todo modo, o alarde inicialmente criado vem perdendo força, pois há rumores de que a Amazon vai retirar seu pedido de patente nos órgãos competentes. Caso isso ocorra, o “branco” voltará a ser nosso, dos fotógrafos!