Relembre o ousado Mapplethorpe

Patti Smith, 1976

Difícil imaginar um fotógrafo que tenha causado maior barulho do que Robert Mapplethorpe, o ousado artista nova-iorquino que morreu em decorrência da Aids em 1989, aos 42 anos de idade, e deixou uma obra cercada de controvérsia. Nem tanto pela forma, e sim pelo conteúdo.

Mapplethorpe levou sua arte tão próximo da perversão que, se isso fosse fogo, teria lhe queimado os dedos. Mesmo hoje, 23 anos depois de seu trabalho ter motivado um acalorado debate sobre os limites da arte nos Estados Unidos, o County Museum of Art se cercou de cuidados para exibir a mostra XYZ, aberta mês passado em Los Angeles (EUA), em cartaz até março do ano que vem.

Tudo porque muitos de seus retratos passavam um pouco ao largo do convencional. Nascido no Queens, Mapplethorpe iniciou sua formação artística no Pratt Institute do Brooklyn. Estudou pintura, desenho e escultura, mas tinha queda pela colagem. Com o objetivo de desenvolver essa arte, adquiriu uma Polaroid, em 1970, no que seria o início da sua atração pela fotografia.

Iggy Pop, 1981

Mapplethorpe viveu um bom tempo com a roqueira Patty Smith (que escreveu sobre essa relação no livro Só Garotos, de 2010). Unidos pelo desejo de se tornarem famosos, passaram a viver no Hotel Chelsea e a fazer parte da cena artística e contracultural do período, marcada por rebeldes e transgressores.

Ambos alcançam o objetivo. Patty um pouco antes, como compositora. Robert já havia feito uma exposição de suas polaroides em 1973, na Light Gallery de Nova York, quando decide assumir o médio formato e registrar seu interessante círculo de amizades, no qual transitava Andy Warhol, Bob Dylan, Janis Joplin e outros. O interesse por seu trabalho começa a aumentar na medida em que passa a incorporar nas imagens elementos do submundo sadomasoquista e das relações homossexuais, enfoque ao mesmo tempo elogiado e repudiado pela crítica.

Segundo afirmou, em entrevista que deu no final de 1988, longe de querer chocar, ele estava apenas dando vazão à sua curiosidade por um universo que começava a explorar. “Estava em posição de fazer aquelas imagens. Senti obrigação de fazê-las”, disse. Mas o público já estava devidamente chocado. Tanto que, em 1990, um ano depois da morte do fotógrafo, a abertura de uma exposição retrospectiva no museu de arte contemporânea da cidade norte-americana de Cincinnati virou caso de polícia. Acusada de promover obscenidades com o dinheiro dos contribuintes, a direção do museu foi processada e teve que se defender nos tribunais (há um filme que conta a história, Fotos proibidas, de 2000).

Fora o aspecto controverso de sua obra, Mapplethorpe deixou sua marca e influência na fotografia contemporânea. E mesmo nesse campo, ele não é unanimidade. Photo Channel conversou com dois fotógrafos que incorporam o nu e o erotismo em suas imagens. Autumn Sonnichsen, fotógrafa da Trip e de outras revistas do gênero, o vê como alguém de outro mundo, “de outro planeta talvez”.

“Olha, quando eu estava na faculdade eu adorava ele. Gostava muito da luz simples e forte dele, me lembrava muito uma versão moderna de Eikoh Hosoe, meu fotógrafo favorito. Achei o sofrimento, o ego e o jeito que ele se manobrava no mundo da arte muito interessantes. Mas nunca quis emular ele”, explica.

Drausio Tuzzolo, que já fotografou para Playboy e Sexy, acredita que vai contra a maioria ao não creditar tanta importância assim ao famoso fotógrafo. “Tenho respeito por ele, mas não é um trabalho que me agrada ou influencia. Acho frio, a maioria das fotos não me emociona. Têm arte, porém plana, na minha opinião. Fez fotos polêmicas e irreverentes e ‘isso é ótimo para se ganhar notoriedade e fama’, principalmente nos anos 70, como é o caso dele!”, analisa.

Sobre o aspecto da controvérsia, Autumn relativiza: “Todo trabalho que envolve gente sem roupa vai chocar alguém, sempre. Acho saudável não ligar tanto para polêmica”. Eis um bom conselho.

Autorretrato, 1980

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