Fotografia pensante: “Isso lá é foto?”

Foto: Luiz Monforte
Imagem obtida pelo processo de kwik print, um derivado dos processos de impressão gráfica (foto: Luiz Monforte)

Luiz Monforte diz que já perdeu a conta das vezes em que respondeu a essa pergunta. Com um currículo tão extenso que fica até difícil listar, o autor do livro Fotografia Pensante (Senac, 1997) é um praticante de processos que remetem aos primórdios da fotografia, dos quais fazem parte o cianótipo, a termografia, o albúmen, pinhole e tantos outros. Apesar da fotografia hoje ser feita com base em bits e pixels e os químicos não passarem, a rigor, de uma malcheirosa recordação, a obtenção de imagens da forma como se fazia nos tempos de Niépce e Daguérre ainda é possível. Mais do que isso: ainda é cultivada.

Ela vive nestes tempos de digital sob diferentes nomes, fotografia artesanal, alternativa, expandida ou não contaminada, apesar de Monforte (doutor em arquitetura, mestre em artes e professor de fotografia, vale dizer) não gostar nada dessas nomenclaturas: “São provenientes de afetações do mundo fotográfico, que insiste em despersonalizar os procedimentos históricos”, considera.

Natural de Santos (SP), 63 anos de idade, Luiz Monforte começou seu aprendizado desses antigos processos no fim da década de 1970, quando estudou na Escola de Artes e Ciências Fotográficas do Rochester Institute of Technology, em Nova York (EUA), na condição de primeiro brasileiro a ingressar no programa de mestrado daquela instituição. Lá, robusteceu seus conhecimentos por meio das lições de artistas como Owen Butler, Andrew Davidhazy, Bruce Davidson, Jerry Uelsmann, Eva Rubenstein e Gyorgy Kepes, este um dos fundadores da Bauhaus.

Foto: Luiz Monforte
Imagem da série “Till China and Africa Meet” (impressão sobre goma arábica)

Quando voltou ao Brasil, no início dos anos 1980, fazia algo que os colegas não sabiam bem o que era: “Mas isto é fotografia?” Depois de responder a isso vezes sem conta, o professor achou que talvez fosse melhor condensar tudo o que sabia do assunto em um livro. Assim nasceu o Foto Pensante, um registro das mais diversas formas de se fazer impressão fotográfica por meios tradicionais.

O livro saiu pelo Senac, mas não teve uma segunda edição. O professor decidiu então publicá-lo integralmente em seu site. Luiz não tem dúvida de que essa série de oficinas de fotografia criativa que se vê por aí deve tributo ao seu trabalho – “o que considero altamente positivo, pois sou da linha do meu ex-professor Bruno Munari, que diz: ‘Quando a informação se difunde em práticas diversas, então o propósito de publicação de um livro se justifica’”.O mesmo pode ser dito do seu trabalho de difusão da “fotografia pensante” no Brasil. “O que aprendi ao longo desses anos em que ensinei esses processos é que os alunos que conhecem as radicais históricas de um procedimento têm mais desenvoltura e liberdade para se aproximar dos meios de tecnologia de ponta”, observa. “Nada melhor do que aprender separação de cores, por exemplo, do que uma boa prática com o processo de impressão sobre goma arábica”. O pioneiro destaca ainda o caráter singular desse meio de produção de imagens, uma vez que, sendo basicamente artesanal, não há como produzir duas cópias exatamente iguais. Mais do que produção de imagens, esses processos oferecem um meio de produção artística, de desenvolvimento de uma linguagem que tem na manufatura e no tempo de execução seus aspectos mais evidentes. “A fotografia artesanal, me parece, é como se fosse um terno feito sob medida, entende? Ninguém tem igual. Louis Vuitton percebeu essa diferença do artesanal há bom tempo e o resultado está aí, um resultado caro, muito caro, mas de um acabamento impecável, exclusivo, único”, compara.

Foto: Luiz Monforte
Impressão por meio do Marrom Van Dyck, processo similar ao cianótipo (foto: Luiz Monforte)
Foto: Wang Ku
Luiz Monforte: fotografia artesanal é como um terno sob medida (foto: Wang Ku)

Como o caminho do conhecimento abre sempre infinitas possibilidades de aprendizado, Luiz Monforte segue na trilha. Seu último trabalho, Till China and Africa Meet, acaba de ser mostrado na China, com direito a painel tombado pelo Museu Nacional chinês. Trata-se de uma coleção quase toda impressa sobre goma arábica. Um trabalho ainda em andamento, iniciado em 2007. “O que foi importante nesse processo é que ele me mostrou, ao final, que a minha fotografia poderia ficar muito mais interessante se fosse colocada em um segundo plano de importância no espaço discente do trabalho, isto é, se ocupasse um lugar menos importante no discurso visual que faço”, reflete. “Agora, tudo o que tenho que fazer é dar conta da evolução e lapidação que esse novo caminho me aponta”, diz, sabedor que a recompensa virá com o aprimoramento do trabalho: “A persistência e o diálogo constante com suas ferramentas sempre propõem novos caminhos, novos desafios, me ensina um dos meus aliados, o tempo!”

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3 Comentários

  1. Está tudo muito bonito, gosto MUITO do texto, (sabia que eu também sou jornalista?)… execeção feita para a química “malcheirosa”, (meus processos de impressão são inodoros) e do “resmungo”, que é uma inverdade. Meus alunos são a evidência disto, sou uma pessoa hiperflexível e dócil. Se eu tivesse que resmungar…ah… não sobrava um. Mafra, parabéns pelo trabalho. Luiz Monforte