Em busca dos porquês da composição em fotografia
Sempre fui intrigado pela “arte” da composição em fotografia. Por que algumas fotos “funcionam” e outras “não funcionam”? Quais os mistérios e segredos por trás desta “arte dentro da arte”. Busquei várias fontes. Acabei encontrando alguns porquês bem consistentes no livro “Sintaxe da Linguagem Visual” de D.A Dondis. Neste artigo, apresento as bases para a composição extraídas desta obra.
Publicado em 1973 e originalmente intitulado A Primer of Visual Literacy, o livro é um alívio para os comunicadores visuais que buscam aprender a arte da composição. O título do trabalho vem da tese da autora: “Se a invenção do tipo móvel criou o imperativo de um alfabetismo verbal universal, sem dúvida a invenção da câmera e de todas as suas formas paralelas (…) criou, por sua vez, o imperativo do alfabetismo visual universal”.
Que bela e reconfortante mensagem: composição visual pode ser ensinada e aprendida! Não são apenas os afortunados gênios que podem praticar uma boa composição. Nós podemos aprender os elementos desta montagem visual na realização de nossa arte. Mas ainda persiste uma dúvida: Sintaxe? Por que “sintaxe”?
Na trajetória de alfabetismo verbal, depois de aprender a “arte” da palavra, somos desafiados a compor frases. Frases são elementos primários capazes de transmitir enunciados. E nós, comunicadores visuais precisamos entender como se dá esta sintaxe também. Algumas fontes definem o termo sintaxe como “o conjunto das regras que determinam as diferentes possibilidades de associação das palavras da língua para a formação de enunciados”.
Desta breve definição extraímos: a) há regras que podem ser empregadas (e aprendidas!); b) os elementos são “associados”, ou seja eles coexistem dentro de uma composição e são mutuamente influenciados; c) enunciados são significados que expressam o objetivo (ou a intenção) da manifestação visual”. Esses três elementos atravessam todo o aprendizado da linguagem visual e nós vamos atrás de alguns dos “porquês”: os fundamentos sintáticos do alfabetismo visual.
1. Equilíbrio e a busca pelo eixo sentido
Equilíbrio é a mais básica influência sobre a percepção visual. De forma consciente ou não, o equilíbrio é um critério poderoso para a percepção visual: “O constructo vertical horizontal constitui a relação básica do homem com o seu ambiente”. Neste ponto ainda temos algumas possibilidades: equilíbrio estático (fig. 1) e equilíbrio dinâmico (fig. 2). O arranjo dos eixos vertical e horizontal, que delimitam o equilíbrio, é denominado eixo sentido:
Outro ponto interessante é que a necessidade de ajustamento a cada variação de peso faz surgir o contrapeso, que vamos abordar mais adiante com o termo peso visual.
2. Tensão
A falta de equilíbrio é um fator “desorientador” ou “desestabilizador”. Isso não significa que a imagem está “errada”. A percepção humana tem um impulso natural para estabelecer o eixo sentido. No caso das figuras regulares (fig. 3), é fácil imaginá-los. Mas, para figuras irregulares (fig. 4), há um esforço maior, gerando uma tensão. Esta tensão é proporcional ao afastamento do eixo sentido em relação ao centro do enquadramento (fig. 4). A tensão, ou a sua ausência, é o primeiro fator compositivo a ser considerado.
Sabe-se que, ainda que a forma seja irregular, o olho busca o eixo sentido de qualquer fato visual e a colocação de um objeto sob este eixo sentido atrairá o olho do espectador. O eixo vertical é sempre o alvo de nosso primeiro olhar, e seguindo para baixo, ele busca o eixo horizontal com o propósito de estabelecer o equilíbrio. Quanto mais o eixo sentido se afasta do centro, mais dinâmica e provocativa é a composição.
3. Nivelamento e Aguçamento
A estabilidade e a harmonia são opostas ao inesperado, ao inusitado. Esses dois polos, em psicologia, chamam-se “nivelamento” e “aguçamento”. A harmonia da figura 5 contrasta com a surpresa da figura 6. Daí que temos duas intenções opostas. Mas ainda há uma terceira possibilidade: a ambiguidade (fig. 7), que gera um desconforto relativo, dificultando o estabelecimento do eixo sentido. Esse posicionamento na situação de ambiguidade demanda energia e tempo extras para a leitura, pois não se configura o equilíbrio esperado nem a tensão.
4. Preferência pelo ângulo inferior esquerdo
O olho favorece a zona inferior esquerda de qualquer campo visual. O que explica isso são os dois padrões de busca mostrados nas figuras 8 e 9: primário e secundário.
Esses padrões acarretam que o material visual do canto inferior esquerdo gera menos tensão visual e, por conseguinte, o material no canto superior direto gera mais tensão (e atração).
Assim, as posições que contrariam o movimento instintivo do olhar e as preferências naturais geram mais tensão (ou seja, dinamismo) e os elementos nestas áreas têm maior peso visual (fig. 10):
5. Peso Visual
Peso visual é a capacidade de atração que um determinado elemento exerce dentro da composição. Este conceito advém da necessidade intrínseca de buscar equilíbrio ou demonstrar a sua falta. Recorre-se à mecânica gravitacional (daí o termo “peso”) para mostrar como desequilíbrios indesejados podem ser corrigidos pela distribuição de elementos “opostos” que compensem o desconforto inicial.
Distribuir os elementos que geram peso visual em condições de equilíbrio, desequilíbrio ou em ambiguidade depende da intenção do autor. O peso visual pode ser obtido por forma, expressão facial, cor, tom, textura e outros recursos. As correções para estabelecer um equilíbrio axial são fáceis de entender e de fazer, como a figura 11 abaixo:
Além da simetria, há outras maneiras de se chegar ao equilíbrio, usando elementos de pesos distintos e em posições distintas em relação ao eixo sentido.
6 Positivo e Negativo
A relação estrutural da mensagem visual tem forte correlação com a sequência de ver e absorver os elementos dispostos. Ainda tomando termos da linguagem verbal, temos “substantivo” e “adjetivo”: a informação principal e os modificadores.
Na figura 13, a introdução de um ponto preto (desprovido de complexidade) no quadro branco gera uma tensão visual – criando uma tensão positivo-negativo. O mesmo ocorre com a inversão dos tons. O ponto traz a tensão positiva, a tensão ativa; e o retângulo é a forma negativa.
A composição pode explorar uma clara definição do positivo e do negativo gerando assim contraste (contraste é um dos elementos mais poderosos de linguagem visual, considerado ainda um dos princípios do “design”). Quanto maior o contraste de tons ou de cores (como o uso de cores complementares saturadas), maior a tensão ou vibração da imagem. A falta de oposição positivo-negativo pode ainda criar uma sensação de equilíbrio ou ambiguidade, na qual o observador não consegue distinguir o positivo do negativo (fig. 14).
Outro aspecto que merece atenção é que objetos maiores no campo visual induzem uma sensação de proximidade, sensação mais intensa ainda quando há uma sobreposição. Por fim, elementos claros sobre fundo escuro parecem expandir-se e elementos escuros sobre fundos claros parecem contrair-se (fig. 15).
7. O uso desses elementos
Estes fundamentos sintáticos são, ao longo dos outros capítulos do livro, discutidos e empregados nas diversas estratégias de comunicação. Por trás de tudo isso, está a intenção do autor, do fotógrafo ou do editor. A intenção é o primeiro elemento de composição. Composições com ênfase em harmonia se ajustam a um tipo de mensagem.
Composições com equilíbrios dinâmicos (arranjo de diferentes pesos visuais) e composições “tensas” se ajustam a mensagens dinâmicas, cheias de energia, que evocam alegria, agitação ou drama. Observe como a fotografia é usada na publicidade de automóveis. Os automóveis clássicos aparecem em uma composição harmônica, com poucos pesos visuais dispersos, com forte ênfase no plano horizontal, trazendo a sensação de estabilidade e confiabilidade (fig. 16). No caso dos carros esportivos, a composição provoca tensão e dinamismo. Há diversos pesos visuais e elementos de aguçamento, como saturação, cor, contraste, “panning”, elementos inclinados, água no piso etc (fig. 17).
As mesmas ferramentas podem ser usadas para comunicar dois momentos de um mesmo personagem. Na “Última Ceia” de Da Vinci, Cristo aparece ao centro, em um espaço bem iluminado, mostrando estabilidade, equilíbrio e solidez (fig. 18). No quadro de Caravaggio “A flagelação de Cristo” (fig. 19), ele aparece no canto esquerdo, olhando para o sentido contrário ao sentido “natural”, evocando tensão e angústia, em um cenário sombrio construído por um uma luz “dura”, de contraste acentuado.
Um mesmo evento social pode trazer possibilidades para o arranjo dos pesos visuais. Compare as fotos abaixo (fig. 20 e fig. 21) de uma mesma ocasião e perceba como os pesos visuais foram usados para provocar a sensação desejada pelo fotógrafo.
Há uma série de técnicas e estratégicas para o bom uso desses elementos. Agora, cada vez que virmos uma foto que “funciona”, teremos como reconhecer os indícios de alguns de seus porquês.
Sobre o autor: Fabiano R Cantarino é fotógrafo de Niterói, RJ. “Busco revelar o que está evidente e o que está nas entrelinhas, ou entrepixels“. Conheça mais sobre seu trabalho em seu site e no seu perfil no Instagram.