Chega ao fim a disputa pelo direito sobre a “selfie da macaca”

Com base no artigo que escrevi em 2014 a respeito do tema, e agora com a publicação do artigo jornalístico publicado no UOL, e também com atualizações de minha pesquisa na legislação estrangeira, sobretudo na dos Estados Unidos, tecerei mais alguns comentários sobre o deslinde desta caso super curioso: “Selfie da Macaca, Perte II”.

Vejamos trecho da matéria acima citada:

“Nesta segunda-feira (11/09), um fotógrafo e uma organização de defesa dos animais chegaram a um acordo para encerrar uma batalha judicial envolvendo a famosa foto de um macaco chamado Naruto. O acordo foi fechado entre o fotógrafo David Slater e advogados da organização Pessoas pelo Tratamento Ético de Animais (Peta), que representavam o macaco.

Com o acordo, Slater concordou em doar 25% dos rendimentos futuros obtidos com as fotografias para instituições de caridade dedicadas à proteção de espécies do gênero Macaca na Indonésia, onde a selfie foi tirada. Ambas as partes concordaram em encerrar o litígio num tribunal de apelação”

No site Wikipedia, onde tudo começou, (veja artigo explicativo do início do caso), David Slater se contradiz, vejamos:

“I put my camera on a tripod with a very wide angle lens, settings configured such as predictive autofocus, motorwind, even a flashgun, to give me a chance of a facial close up if they were to approach again for a play”. Tradução: “Coloquei minha câmera em um tripé com uma lente super grande-angular, configurações acertadas, como autofoco preditivo, motorwind, até mesmo um flashgun, para me dar uma chance de um close no rosto se eles se aproximassem novamente para brincar”.

Ou seja, em 2014 quando começou a disputa pela autoria, o fotógrafo declarou que a macaca tinha lhe roubado a câmera e começado a fotografar por conta própria.

Mencionei este texto no primeiro artigo para demonstrar que o incremento criativo da obra fotográfica, ou seja, elemento que define a autoria, não estava sob controle do fotógrafo:

“Ora, se ela tomou-lhe o equipamento das mãos e clicou, pode ter passado tudo pela cabeça do fotógrafo naquele momento (“lá se vai a minha câmera!”, por exemplo), menos a intenção de fotografar. Sendo assim, ele jamais contribuiu criativamente. Sua única preocupação, certamente, foi reaver logo a câmera”.

“Os fatos são que eu tinha o intelecto por trás das fotos, eu coloquei tudo em questão”, disse o fotógrafo em um e-mail. “O macaco apenas apertou um botão de uma câmera configurada em um tripé – um tripé que coloquei e segurei todo o disparo”.

Outra foto mostra o fotógrafo entre os macacos | Foto: DAVID SLATER/CATERS

Sendo assim, ele deixou claro na época que não tinha controle sobre a fotografia. Mas agora, perante juízo, declara que configurou a câmera, enquadrou e a macaca fora mera apertadora de botão. Esse novo argumento trazido por ele tem o objetivo de mostrar que a ideia era dele, e tal ideia materializou-se através da fotografia. O mero “apertar o botão” não denota criatividade, necessariamente.

E como já definimos que animais não são autores, a macaca também não poderia sê-la.

No ano passado, em 2016, o US Copyright Office emitiu um compêndio atualizado de suas políticas, incluindo uma seção que estipula que registraria direitos autorais somente para obras produzidas por seres humanos. Especificou que as obras produzidas por animais, seja uma foto tirada por um macaco ou um mural pintado por um elefante, não qualificassem. Pois animais não podem ser autores registrados sob a lei de direitos autorais do Reino Unido ou dos EUA (as jurisdições invocadas nesta disputa). Se a Slater não possui os direitos autorais, a quem pertence?

A resposta está no artigo anterior, mas segue trecho:

É aqui que entra a exceção à regra da LDA: a foto fica sem proteção legal. É uma fotografia sem autor, não possui respaldo da legislação em vigor, pois não foi concebida/idealizada/criada/materializada por uma pessoa humana. Como o animal também não é o autor, temos um hiato de solução.

A selfie da macaca | Foto: DAVID SLATER/CATERS

No entanto, as partes chegaram num acordo judicial, o que, também é uma forma de se promover justiça, já que os interessados decidem o que á melhor para ambos. Por outro lado, a meu ver, acho que tanto a Peta quanto Slater saíram ganhando nesta disputa, já que usufruirão da exploração econômica de uma obra fotográfica que não são autores, nem macaco, nem fotógrafo.

Finalizando, deixo claro que admiro o trabalho do colega David Slater e que as outras fotos produzidas por ele nos dias em que estava nesta comunidade de macacos são de qualidades excelentes. Espero que a carreira dele não se ofusque por este infortúnio, tampouco que deixe de fotografar, uma vez que li relatos dele que os royalties que ganhou neste trabalho fotográfico mal deram para pagar a despesa com a viagem e está pensando em mudar de profissão.

*Conheça o livro “Direito Autoral para Fotógrafos” de Marcelo Pretto

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