A Valise Mexicana
Três caixas, 126 rolos de filmes contendo 4.500 negativos de 35mm, da Guerra Civil Espanhola perderam-se ao longo de 68 anos. Os fotógrafos Robert Capa, Gerda Taro e David ‘Chim” Seymour eram os responsáveis pelas imagens e são os protagonistas de uma das histórias mais incríveis da fotografia, que pela primeira vez esteve em exposição no Brasil, na Caixa Cultural de São Paulo
Paris foi o ponto de encontro do destino dos três fotógrafos que estavam fugindo das atrocidades e perseguições políticas que ocorriam em seus respectivos países. Foi da amizade e do amor pela fotografia que realizaram registros importantes da Guerra Civil Espanhola. Taro e Capa chegaram à Espanha em agosto de 1936, atuando como fotógrafos freelancers, o objetivo era vender os registros para a imprensa francesa. O casal trabalhava em conjunto, muitas vezes fotografando lado a lado, nos negativos é possível conferir o lado esquerdo e direito do mesmo combate. Chim preferia trabalhar fora do campo de batalha, e passou a registrar retratos de personalidades importantes, crianças e o cotidiano dos que eram afetados pela guerra.
A Guerra Civil Espanhola durou cerca de quatro anos (1936-1939) os fotógrafos estavam presentes registrando e realizando cada um, suas fotografias mais emblemáticas, como é o caso de Capa com a imagem “The Falling Soldier” em que um soldado cai após ser baleado, e fotografia de Chim de uma mãe alimentando seu filho durante um comício. Em seu estúdio em Paris, Capa organizou os negativos em três caixas e os entregou para seu assistente de laboratório Imre “Csiki” Weiss, que os colocou em uma sacola e foi para Bordeaux quando os nazistas invadiram Paris. Mas ‘Csiki’ fugiu para o México e deixou os negativos com um chileno, que os guardaria no consulado, onde foram encontrados pelo general Francisco Aguilar González, que os levou para o México e graças ao clima manteve os negativos bem preservados.
Alguns anos depois o cineasta Benjamin Tarver encontrou as maletas no meio da herança que recebeu do general. Tarver entrou em contato com Cornell Capa (1918-2008), irmão do fotógrafo, e entregou os negativos ao International Center of Photography – ICP. Cornell Capa passou grande parte de sua vida procurando esse negativos, e faleceu seis meses após os encontrá-los.
A exposição tomou dois andares da Caixa Cultural, assim como as maletas, os negativos originais não estavam lá, mas copiões foram produzidos e com certeza conferi-los de perto foi uma das coisas mais emocionantes na vida de quem já conhecia a história e era fã dos fotógrafos. Em cada frame é possível conferir as imagens boas e ruins, a procura pela posição perfeita e o ajuste de exposição. Por mais experiente que os fotógrafos fossem o estudo da fotografia era constante.
Nos negativos é possível encontrar as marcações que foram feitas para salientar a escolha dos fotógrafos em certas imagens, e é por meio desses simples detalhes que a exposição “A Valise Mexicana” torna praticamente palpável o contato do espectador com os fotógrafos. É quase que insano pensar que eles nunca viram aquelas imagens ampliadas, com o intuito final, que era a sua divulgação. Alguns negativos estão recortados e faltam frames, provavelmente eram imagens que foram vendidas para as revistas. A exposição ainda conta com grandes gavetões que contém documentos de Robert Capa, telegramas de Gerda Taro e cartas de aval das revistas para Chim.
O relacionamento de Taro e Capa apenas chegou ao fim porque a fotógrafa morreu atropelada por um tanque de guerra enquanto fotografava. Ela foi a primeira mulher fotógrafa a morrer em combate. Sua morte foi um impacto enorme na vida de Capa. Gerda faleceu antes da Guerra Civil Espanhola acabar, em 1937, com apenas 26 anos. Por isso que os retratos dela realizados por Fred Stein foram separados por Capa na maletas, assim como as imagens que ele captou de Taro dormindo. Ela ganha uma parte especial na exposição.
A saga da Valise Mexicana finalmente está completa e chegou ao fim, esses três fotógrafos nunca iriam imaginar que em algum momento as fotografias iriam perder-se no meio do caminho e resultar em uma grande história da fotografia que encanta a todos que conferem.