Tem fotos de casamento que são “inescapáveis”. O fotógrafo simplesmente precisa fazê-las, sob pena de estragar o álbum do cliente. Troca de alianças, arremessos de buquê, familiares na igreja etc. Alguns registros, entretanto, são apenas clichês reproduzidos à exaustão por gerações de fotógrafos. No livro A pose perfeita, que acaba de sair no Brasil, o mexicano Roberto Valenzuela cita o “pedido de casamento” como um exemplo acabado de clichê: “A não ser que o pedido esteja realmente acontecendo, a encenação não faz qualquer sentido”, crava o autor.
Algumas fotos, porém, gravitam num hiato entre o clássico (necessário) e o clichê. O que a colocará numa categoria ou noutra é a forma como o fotógrafo resolverá a imagem. Arbitrariamente, colocamos a foto do vestido nessa condição. O clique figura em praticamente todo portfolio de fotógrafo social: a peça de vestuário central da história do casamento captada momentos antes de a noiva vestir. Considerando que o vestido cerimonial irá aparecer na quase totalidade da cobertura, faz sentido fotografá-lo pairando fantasmagoricamente em alguma arara ou vão de porta?
Conversamos com alguns profissionais que optam por fazer esse tipo de foto e perguntamos qual a sua opinião a respeito: é um registro necessário ou um clichê? Veja o que eles têm a dizer sobre isso e como interpretam esse clássico da fotografia social:
MARCUS BERTHOLD
“Não acho que vá ser a principal foto do evento, ou uma das mais importantes, mas acho importante, pelo registro histórico”, Marcus retoma a conversa. Ele usa a foto que clicou no último sábado (25) como exemplo. “A noiva fez o próprio vestido, com a ajuda da mãe. Quer coisa mais emblemática? Achei sensacional”.
Marcus também conta que primeiro tirou umas fotos da peça no salão onde a noiva e as madrinhas se aprontavam. “Mas era apertado, aí ela deu a ideia de tirar dali. Aí que eu percebi o quão leve o vestido e a estrutura que segurava ele eram – senão eu mesmo já teria tirado de lá. Aí levamos pro corredor da casa onde fica o estúdio de maquiagem e fiz algumas fotos. Tenho inclusive uma foto da noiva arrumando o vestido” (ao lado).
CAROL LOMBARDI
“A foto do vestido, apesar de clichê, é algo simbolicamente forte. É um traje especial, que inspira o misticismo do casamento. Muito trabalho, muitas provas, muitos ajustes e ansiedade até colocar o vestido pela última vez”, avalia.
Carol costuma confiar no “feeling” para fazer uma boa foto do vestido: “Gosto de levá-lo pra rua, mas nem sempre é possível. Alguns não são fotogênicos no cabide e você acaba clicando apenas uma parte. Outros precisam de movimento”.
É o caso da foto que ela nos mandou: “Era um dia lindo de sol, com um terraço incrível pra fotografar, um vestido nada fotogênico no cabide, mas que o vento fez o trabalho que precisava. Eu sabia que tinha luz de mais e que o sol acabaria com a minha foto. Então, coloquei o vestido na sombra e foi isso”.
HEVERSON HENRIQUE
Ele também procura contextualizar o clique para personalizá-lo. “Algumas eu faço com luz natural, outras com flash e LEDs”. A que nos mandou Heverson descreve da seguinte forma: “A ideia era conseguir escurecer ao máximo o local, que era cheio de distrações e cores chamativas. Então, coloquei o vestido na porta que dava acesso ao quarto, e coloquei um flash remoto atrás para destacar os detalhes. Com ela em preto e branco, a ideia era aproveitar o espaço negativo para deixar a leitura da foto bem simples”.
FLÁVIA VALSANI
Flávia fotografa desde adolescente, mas, como profissional, já faz quase uma década. Com casamentos, começou em 2010, relutantemente: “Apenas no ano seguinte cheguei à conclusão de que dentro do meu estilo e do que eu entendia por casamento existia um mercado interessante”, explica.
Com um “background” de fotografia corporativa (que ela ainda desenvolve) e projetos na área documental, Flávia cobre apenas casamentos realizados de dia. “Tenho por filosofia uma fotografia de intimidade, delicadeza. Meu interesse é muito mais nas pessoas e suas emoções do que em superproduções e cenários”. Para ela, faz mais sentido fotografar o vestido no momento em que a noiva o coloca. “Esse é o momento mais especial para mim na cobertura em si. Eu curto bastante fazer a foto do vestido quando eu tenho possibilidades gráficas, seja ele na parede como uma obra de arte ou pendurado do lado de fora da janela em uma fazenda, ou balançando ao vento em uma árvore, mas não acho que ele é essencial na documentação fotográfica. Agora, sendo absolutamente honesta, apesar de não achar fundamental, nunca deixei de fazer a foto dele à espera da sua noiva”, reconhece.
Sua foto foi tirada no apartamento da noiva, uma arquiteta. “O cuidado estético com a casa era visível e a importância de elementos das artes plásticas não podia deixar de ser levado em consideração. Para mim ficou claro que o vestido deveria fazer parte desse universo e ser exposto como uma obra de arte. Escolhi pendurá-lo ao lado de uma das obras brasileiras mais importantes da arte contemporânea, o Abaporu, da Tarsila do Amaral. Afinal, o vestido também é uma obra de arte, da estilista brasileira Gisele Dias, da A Modista”.
KEITH IMAMURA
O paranaense acha que é preciso conhecer a história do casal e olhar o vestido a partir dessa perspectiva, “não apenas como um vestido qualquer, mas a história e o momento que essa noiva irá viver com ele e só depois disso clicar. Acredito que ela irá amar ainda mais o seu vestido se você puder enxergar dessa forma, às vezes até complementando a imagem com algo importante para ela”.
A foto que Keith oferece remete a um encontro de gerações. Ele deu com o vestido da noiva pendurado ao lado do da mãe, que esta utilizou em seu próprio casamento há 30 anos. “Os vestidos ali parecia que faziam parte da decoração na parede. Não se tratava de uma foto ‘clichê’, aquilo ali era história, um valor sentimental imensurável para aquela família. Uma foto que não continha pessoas, mas continha parte da história delas, que conta e tem mais valor do que muitas fotos de rosto, por exemplo”, defende Imamura.
“Por isso que a diferença entre fotógrafos não está nos seus equipamentos e muitas vezes nem na sua técnica, pois técnica você aprende. O que faz a diferença é a maneira como você observa tudo ao seu redor. Essa é a verdadeira diferença entre todos nós. Cada um enxerga e se entrega às histórias do seus clientes de maneiras diferentes”, define.