Subi num banquinho, estiquei os braços até o fundo do armário e peguei uma caixa. Lá dentro, a história da minha família. Lá dentro, a história que faz parte de mim.
Retirei as fotos de dentro de um saco plástico. Algumas já amareladas pelo tempo. Outras em formato estranho. Pequenas. Com bordas onduladas.
Senti o cheiro de um tempo que ficou para trás. Fotos da minha avó. Vestida de cigana pelas ruas de um Rio de Janeiro de 1940. Fui colocando foto por foto no chão, tentando achar um começo, meio e fim para cada história. Não consegui. Acho que a vida é mesmo uma bagunça de momentos que mistura aquilo que a gente sente. Uma fotografia em tempo real.
Vi fotos da minha avó já adolescente encostada num carro com alguma amiga de infância (imagino eu, na minha história). Uma foto dela chupando manga, que imagino ter pegado emprestada (para sempre) do vizinho.
Em outra foto, minha avó segurava minha mãe no colo, quando ainda era uma bebê. Respirei fundo e pensei: “Sai pra lá, lágrima!”. Fiquei pensando que naquela época elas não imaginavam o que ainda precisariam enfrentar. Minha avó perdeu dois filhos em menos de dois anos. Teve um derrame há mais de 35 anos. Mas, em uma das fotos ainda andava sem a ajuda de uma muleta.
Encontrei uma foto da minha mãe dentro de um ônibus. Com ela, mais uma história: o primeiro beijo em meu pai, em uma excursão para Campos do Jordão. O curioso é que, quando me contavam essa história, eu imaginava a minha mãe com uma blusa rosa e cabelo preso. Meu pai, com uma calça preta e camisa azul.
Que nada. Minha mãe estava com uma camiseta xadrez e cabelos bagunçados. Meu pai não sei com que roupa estava. Só dava para ver seus cabelos (quando ele ainda tinha). Quando perguntei para a minha mãe, ela confessou: meu pai não tinha muita roupa, levou apenas um short. Pensei: um short em Campos do Jordão?
Poucos minutos depois daquela foto, saiu o primeiro beijo. O ônibus fez uma curva fechada (obrigada, seu motorista!) e meu pai caiu “sem querer” no colo da minha mãe.
Mais fotos. Meu avô na praia com pose de galã. Meu pai com abdômen de tanquinho. E minha mãe sentada na areia e… caramba! Como eu pareço com a minha mãe! Eu ainda não estava ali, mas tudo bem. Já fazia parte de cada uma dessas histórias.
Agora eu já começo a aparecer nas fotos. Engatinhando, fazendo biquinho igual à vovó, brincando com os primos, chorando. E mais um bebê para completar a família, minha irmã.
O mais engraçado é que eu não me lembro de nada disso. Mas quando eu olho para essas fotografias eu sei que vivi tudo aquilo. E, acredite, pequenas fotos guardam grandes lembranças. Inspiram a gente a seguir em frente, mas sem esquecer do que já vivemos.
E pensar nas tantas vezes que pedi para a minha mãe subir no banquinho, esticar os braços até o fundo do armário e pegar os álbuns e as caixas com as nossas fotos. Cada história que estou contando aqui, ela já me contava em cada foto que achava.
Hoje eu fotografo famílias torcendo para que alguma criança um dia se encontre em cada uma dessas histórias. Daqui a alguns anos, quando ela olhar para suas fotos, vai poder descobrir e imaginar tudo o que viveu naquele dia.
E você? Já pensou como será quando uma família que você fotografou abrir o álbum de fotografias daqui a vinte, trinta, cinquenta anos?
Então, pense. E pense com carinho. Você também faz parte dessa história.