Quando levei minha fotografia para passear
Já reparou que muitas vezes os dias da nossa vida parecem muito iguais aos dias do ano anterior e do outro ano e daquele que já passou? O trânsito é o mesmo – apesar de sempre achar que o daquele dia é o pior de todos. Vamos à farmácia e ao mercado. Fazemos compras. Andamos de bicicleta aos finais de semana. Fotografamos nossos clientes, crianças brincando com seus pais em alguns lugares diferentes e em outros cantinhos que já sabemos até o nome do senhor que vende àgua de coco. Continuamos fotografando na segunda-feira. Editamos as fotos na terça. Quarta, quinta, sexta…
E foi no meio desse monte de dias que comecei a pensar sobre a minha fotografia. Eu e ela estamos sempre de mãos dadas e gosto de levá-la para passear. Mas será que ela se sente feliz vivendo esses dias iguais? E se eu fizer uma conta rapidinha aqui e perceber que eu passo mais dias fotografando meus clientes do que vivendo as imagens da minha vida?
Nós, fotógrafos de família, sabemos que somos movidos à emoção. Precisamos dela para alcançar o que existe de mais especial em nossas fotografias. Nos conectamos com o coração de cada cliente e registramos momentos especiais e únicos. Mas quem está criando as minhas próprias emoções? E o que estou fazendo para criar a conexão entre a minha fotografia, meu eu e o mundo? E aí vem mais uma perguntinha: o que eu posso fazer para criar um dia diferente de todos aqueles que já vivi?
Posso quem sabe, olha que loucura, ir para a China e viver um trânsito diferente, fazer compras num mercadinho que vende peixe e outros bichinhos vivos e bem esquisitos. Posso também fotografar uma chinesinha fofa e até brincar com ela. Será que posso? E porque não, falar a única coisa que aprendi em mandarim para aquela senhora chinesa simpática que está todo dia sentada num banquinho oferecendo seus artesanatos? Ni hao!
Bem, foi isso que eu fiz. Viajei 16919Km para aquele mundo totalmente diferente da gente. E por que a China? Bem, porque eu queria viver uma experiência diferente daquele dia que já estava acostumada. Queria virar de ponta cabeça aquela segunda‐feira de sempre. Mas precisava ser tão longe, Vanessa? Sim. Precisava! Eu queria fugir até mesmo dos lugares comuns. Mas o que me fez mesmo pegar um avião e ficar 24 horas nele tinha um motivo bem mais singelo: levar a minha fotografia para passear. E lá fomos nós.
Fotografei sem pensar em chegar em casa e responder todos os emails. Aproveitei para conhecer lugares que antes estavam só na imaginação. Recriei essas cenas bem ali na minha frente, apenas com um click. Descobri. Redescobri. Me perdi. Me deixei perder. E me encontrei.
E foi aí que, depois de algumas fotos, percebi que essa fuga para o lado de lá do mundo não tinha sido apenas um impulso para conhecer a Muralha da China. Eu queria me conectar com as pessoas que viviam esse mundo diferente. Esse é o segredo mais conhecido da direção de fotografia: se conectar.
Vanessa, não vai me dizer que você dirigiu agora uma família chinesa? Porque você já nos contou aqui mesmo que já dirigiu uma família canadense sem dominar muito bem a língua. Não foi dessa vez, gente! 🙂
Mas eu tive a chance de aprender um pouquinho com os fotógrafos chineses. Em pouco tempo eu observei algumas coisas: eles dirigem os casais de um jeitinho diferente do meu. Eu gosto de brincar enquanto fotografo. Eles são mais diretos e pedem ações como “olhe para o lado”, “coloque sua mão aqui” (claro que eu não entendia o que eles estavam falando, mas nada como ser fotógrafo e saber observar, certo?)
Outra situação diferente: eu prefiro trabalhar com luz suave ou na sombra. Essa foto eu fiz sob um sol forte do meio-dia. E não era só esse fotógrafo que estava lá. Encontrei mais cinco. E as roupas? E as cores das roupas? Outra vez encontrei um fotógrafo fazendo as fotos de um casal à noite. Como é isso, Van? Ensaio noturno? Pois é! Tem coisas que fogem daquela expressão “nem aqui nem na China” – porque foi lá que eu vi ensaio noturno e com direito a vestido de noiva amarelo. Quando você vive experiências diferentes como essa que vivi, a fotografia muda. Porque você muda.
E o que precisamos fazer para isso acontecer? Abrir os olhos da alma para o que a gente não está acostumado. O mais curioso é que, quando eu voltei, senti que não precisava ter ido tão longe. Eu posso fotografar aquela família cheia de alegria num parque aqui em São Paulo e porque não continuar por ali depois do ensaio, me conectando com as crianças e com a luz que cai sobre elas num final de tarde.
Eu posso falar “oi” e puxar conversa com aquele senhor que vende àgua de coco. Com certeza ele tem uma história incrível para me contar. Eu ainda posso pegar um dia e levar a minha fotografia para passear pela cidade. Só eu e ela. De mãos dadas.
Enquanto isso não acontece, eu penso na China. Mais importante do que entender o que as pessoas diziam, foi entender o que as pessoas sentiam.
E você, vai pra onde se descobrir?
No final, você pode criar um filme igual a esse. E vai acabar percebendo que também deixou um pouquinho de você lá no lugar que escolheu se encontrar.