Quem nunca, quando criança, pactuou com um amigo um grande sonho? Realizar uma grande aventura, viajar por aí? Poucos são os que nunca fizeram e mais raros ainda os que cumpriram a promessa. Porque, em algum momento da jornada rumo à vida adulta, os sonhos dão lugar a coisas mais (mais?) importantes e as amizades enfraquecem ou desaparecem em descaminhos.
Entre os casos raros está Felipe Sant’Ana Pereira, 21, estudante de publicidade e propaganda natural de Porto Alegre (RS), que atualmente vive em São Paulo. Não faz muito tempo, ele retornou de uma viagem de volta ao mundo que havia sido planejada na infância. Saiu em 2012 e ficou quase um ano e meio fora. Visitou mais de trinta países. Mas a ideia original era que não fosse sozinho.
Felipe combinou sua viagem com um amigo na infância. Com o tempo, perderam o contato. O gaúcho, porém, seguiu com o plano, abastecido por uma série de concursos culturais que ganhou ao longo de dois anos: “Ganhei uns vinte e poucos, vendi os prêmios na internet, e a grana que juntei bancou grande parte da viagem”, explica. Lá fora, se virou dando aulas de inglês.
Felipe não dá muitos detalhes sobre a história do seu amigo, pois está produzindo um livro sobre isso e não quer estragar a surpresa. Mas, quando embarcou em sua grande aventura, sem amarras que o segurassem, estabeleceu outro objetivo: entrevistar e entrevistar as crianças que encontrasse pelo caminho, numa espécie de busca pela fonte da juventude.
“Esse amigo resolveu abandonar o convívio conosco pra se isolar num lugar incomunicável, o que, a meu ver, foi um sinal de que ele era mais um que cedia à passagem do tempo e deixava ideais da infância pra trás. O choque foi o que me abriu os olhos: peraí, não bastava viajar por aí, eu precisava ir atrás da juventude em sua fonte (as crianças) e trazer pro meu amigo e pra quem quisesse ouvir a história, um pouco do que elas tinham a ensinar!”
Filho de artista plástico, com interesse por história da arte, Felipe já fotografa faz uns quatro anos. “Já usei muita DSLR, principalmente em estúdio ou sessões externas, e volta e meia empresto dos amigos. Mas ‘registrada no meu nome’ só tenho uma micro quatro terços, pequena. E não tenho um iPhone!” A câmera, no caso, uma Fuji X-100, o acompanhou na viagem.
Tão úteis quanto ela, foram os malabares que Felipe carregou consigo. Não que realmente precisasse, pois crianças são receptivas em qualquer lugar, conforme constatou. Mas serviam para quebrar o gelo. Por princípio, o viajante não forçava a barra, principalmente em função dos diferentes costumes. “Em algumas tribos animistas, no sul do Laos”, ele exemplifica, “existia aquele receio de que a câmera fosse prejudicial. Na região do Tibete também topei com esse receio, muitas vezes, quando pais corriam pra proteger suas crianças daquele objeto desconhecido (a câmera). Os pequenos, como sempre, morriam de curiosidade!”
Felipe passou alguns apuros na viagem, como quando precisou de uma cirurgia de emergência num hospital soviético, na Bulgária – o que deixou seus pais aflitos por aqui (“vi que não adiantava me enganar com a ilusão de que eu podia fazer o que bem entendesse e pronto. Todo jovem é, querendo ou não, um filho também!”, concluiu, consciencioso) – e sentiu o choque de realidades distintas e adversas: “Saber que existem 150 mil mendigos, só em Délhi, é assustador por si só. Ver essa gente toda morando às margens de rios cheios de esgoto – e com eventuais cadáveres boiando – bebendo, cozinhando e se banhando com aquela água, não é para os fracos de estômago”, adverte.
Por outro lado, o aventureiro voltou carregando grandes momentos na lembrança. E também as imagens e depoimentos das crianças do mundo, que ele compilou para o livro, escrito como uma carta ao amigo que ficou. Felipe lançou o projeto no site de financiamento coletivo Catarse. Sua meta inicial era vender 200 exemplares, mas já tem mais de 500 encomendas – e ainda dispõe de duas semanas para encerrar a campanha. Intitulado Jovem o suficiente, o livro terá 350 páginas, com fotografias em preto e branco e um caderno de fotos coloridas. As imagens são importantes, ele afirma, mas a narrativa é o grande fio condutor da obra.
Para o aventureiro, a lição que se extrai dessa experiência diz respeito ao modo como elegemos nossas prioridades. Não é o caso, acredita, de jogar tudo para cima e cair no mundo. Nem que devemos exercer resistência emburrada aos compromissos da vida adulta – afinal, é preciso pagar as contas. Ele apenas acha que nada disso pode ser maior que nossa fidelidade aos sonhos. E é por isso que Felipe se apega ao sentimento infantil: “Crianças têm sonhos abundantes e fantasiosos, e medos raros e mundanos; adultos têm medos abundantes e fantasiosos, e sonhos raros e mundanos. Cabe a nós decidir o que queremos”.