A fotografia talvez seja a arte mais democrática de todas. Em outras áreas, aprender instrumentos e técnicas demora meses ou até anos de prática para que você seja considerado apenas um iniciante. Na fotografia, basta ter uma câmera. Veja bem, não estou dizendo aqui que basta ter uma câmera para ser fotógrafo. Não, basta ter uma câmera (e vontade) para ser um iniciante. No momento que se aperta o botão pela primeira vez com a tentativa de um olhar apurado talvez o iniciante na fotografia esteja no mesmo nível que um estudante depois de 6 meses de violão. Tive ambas as experiências, por isso faz sentido, ao menos para mim, essa comparação.
Todo esse inicio foi para falar da característica mais importante do Paraty em Foco 2016: a receptividade. O festival de fotografia se espelha à fotografia em si, trazendo o público para dentro de casa, para ouvir e viver experiências intensas dessa arte. Portas abertas para todos. De volta sob a direção de seu criador, o fotógrafo Giancarlo Mecarelli, Paraty em Foco retorna às raízes da simplicidade, do jeito que foi criado.
A atração mais tradicional, “Encontros e Entrevistas”, voltou a ser gratuita, recebendo os participantes e curiosos da cidade no conforto da Casa da Cultura. A programação impressa também, que antes precisava ser antipaticamente paga, volta à distribuição gratuita. O ex-produtor declarou a morte do festival na sua ausência. Ao que parece, a ausência de Iatã Canabrava apenas trouxe o festival à vida. Um novo ar, disponível a todos. Com pequenas atitudes, a experiência torna-se completamente diferente, abrindo a porta para todos os olhares.
“Com os grandes problemas que tivemos, tivemos que dar muita cambalhota”, brincou Mecarelli na abertura o festival, mostrando uma foto sua com um menino dando um mortal no ar. O curioso é que para quem estava lá e esteve em outras edições, pareceu o inverso: que o festival se renovou, estava melhor, reencontrou sua essência humana. Pois é muito fácil elitizar a fotografia, ou qualquer outra arte. Paraty em Foco neste ano fez o contrário, reumanizando a arte.
E o fato do festival ser realizado na fotogênica cidade de Paraty é uma característica impar; mostra o que na prática é a democratização da fotografia. Tivemos a sorte de passar por dois dias de maré alta durante o festival. Sim, sorte! Qualquer mal humorado diria que isso é péssimo, fica horrível de se deslocar, tudo molhado. É verdade, não conseguimos chegar a uma entrevista, pois as ruas viraram rios…
Mas sofremos? Não, esta é a graça. Foram os dias em que mais vi pessoas fotografando nas ruas, uns com pesadas câmeras DSLR, outros com simples celulares, todos tentando seu melhor para fotografar os espelhos d’água que a maré nos presenteava. E a fotografia, nessa hora, satisfaz qualquer um; Paraty tem a fotogenia pulsante. É como a mulher mais bonita: não importa quão desajeitado ou ruim seja o fotógrafo, a imagem ficará bonita de qualquer forma.
Sobre a programação, não quero aqui falar especificamente de alguma atração para não ser injusta com outras. Fizemos uma cobertura diária do festival que você pode conferir no iPhoto Channel.
Mas, talvez até obviamente, o ponto alto do festival foi a palestra de Gueorgui Pinkhassov, fotógrafo russo da agência Magnum, conhecido por suas cores e sombras intensas. É surreal a experiência de entrar numa casa, sentar numa cadeira e ouvir a história de vida e a construção fotográfica de um mestre. E ouvir este mestre falar com intimidade de Robert Capa e Cartie-Bresson é sentir a história da fotografia ali viva. Casa da Cultura lotada.
Na abertura da palestra de Pinkhassov, a fotojornalista Ana Carolina Fernandez, da Folha de SP, deu um breve relato sobre sua trajetória. Uma mulher forte, com um olhar intenso sobre a vida. E aqui fica minha sugestão ao Paraty em Foco: uma noite na Casa da Cultura só para a Ana, queremos mais.
Paraty em Foco é o festival humano de fotografia no Brasil. De pés no chão. Até pés descalços para atravessar as ruas de água. Esse é o segredo da fotografia, que o festival desnuda. Independente do que você fotografar, estará fotografando a experiência humana. Mesmo que esteja fotografando as estrelas: essa é a visão humana do Universo, o nosso olha da vizinhança, uma percepção única.
Por fim, agradeço à querida equipe do Paraty em e todos aqueles que encontramos na cidade, numa receptividade que sentíamos como amigos de longa data. Quer mais motivos para ir ao Paraty em Foco em 2017? Convido a ler o texto “A imersão fotográfica que precisamos”, da minha amiga e jornalista Eliza Doré, com quem dividi essa semana de aventuras e compreensão.