A chance de uma selfie com animais exóticos está alimentando um boom turístico na Amazônia, mas com um custo perturbador. Puerto Alegría, uma cidade com apenas 600 famílias, fica em um local ensolarado na Amazônia chamado Três Fronteras – onde o Peru, a Colômbia e o Brasil se encontram. Todos os dias, centenas de turistas, principalmente do lado colombiano do rio, chegam de barco e clamam para segurar e tirar fotos com diversos animais selvagens cativos de várias espécies diferentes.
O movimento é uma benção econômica para Puerto Alegría. O turismo de vida selvagem é um grande negócio, representando provavelmente 20% a 40% do valor anual da indústria turística global de US$ 1,5 trilhão, de acordo com a Organização Mundial de Turismo. Porém, os grupos de conservação e bem-estar dos animais concordam que, quando uma atividade envolvendo vida selvagem cruza a linha da observação para a interação, é ruim para os animais.
O que está acontecendo em Puerto Alegría é emblemático de uma realidade maior. Nas cidades portuárias de toda a região, as pessoas locais pegam animais selvagens da floresta, mantendo-os em gaiolas e levando para turistas fotografarem e segurarem em troca de gorjetas. Uma investigação da National Geographic revela o sofrimento animal generalizado na Amazônia, alimentado por um “safári de selfies”.
“Enquanto os animais são passados entre a multidão, os obturadores das câmeras clicam, e os bastões de selfie ficam em todos os ângulos. Uma mulher segura um jacaré jovem, boquiaberta, ao lado da cabeça de sua criança. Uma adolescente conversa enquanto ela envolve uma sucuri ao redor do torso, preparando para uma selfie”, descreve Natasha Daly em artigo da National Geographic.
Em setembro de 2016, pesquisadores da World Animal Protection, organização sem fins lucrativos com sede no Reino Unido, iniciaram uma investigação de 6 meses sobre as operações de turismo animal em Puerto Alegría e Manaus. As descobertas foram documentadas em um relatório em seu site e também em um artigo publicado pelo jornal Nature Conservation.
Em ambos os lugares, os pesquisadores viram pessoas locais maltratando animais, colocando em risco sua saúde e bem-estar da vida selvagem. Eles observaram pessoas segurando cobras firmemente pelo pescoço e apertando os maxilares de jacarés fechados com tiras de borracha. Em Puerto Alegría, os investigadores viram um jacaré enjaulado em uma geladeira quebrada, um peixe-boi morrendo em uma piscina infantil e um residente atingindo um tamanduá na cara.
Os efeitos sobre bichos-preguiças são particularmente severos. Esses animais dóceis e delicados dormem até 20 horas por dia na natureza e o estresse causado pelo tratamento repetido por turistas hiperativos pode ser muito prejudicial, diz o biólogo Neil D’Cruze, chefe de política da World Animal Protection e principal autor da relatório. Monique Pool, especialista em preguiças da União Internacional para a Conservação da Natureza, diz que, quando as preguiças são manipuladas por estranhos, seu coração bate extremamente rápido, o que pode levar à morte prematura.
As leis brasileiras e colombianas são claras: é ilegal remover qualquer animal da natureza para se manter como animal de estimação e é ilegal manter um animal selvagem sem licença. No Peru, é ilegal ganhar dinheiro com um animal selvagem cativo. Mas as leis nem sempre são aplicadas, especialmente no lado peruano do rio. Mesmo Puerto Alegría mantendo animais selvagens em cativeiro, por exemplo, nunca foi alvo de uma invasão pelas autoridades da vida selvagem.
Os turistas têm uma janela muio breve nessas atividades. Eles vêm por uma hora, tiram fotos e depois vão para casa. Os animais selvagens não parecem se ferir nessas atividades, então “o sofrimento simplesmente não pode ser registrado”, afirma D’Cruze. Por isso, ele diz que não é realista esperar que os turistas possam identificar problemas de bem-estar, especialmente quando um guia turístico local está incentivando a atividade. Segundo ele, a ideia de que esta é uma chance única ajuda a suprimir as preocupações que as pessoas possam ter.
As mídias sociais, como Instagram e Facebook, adicionam outra dimensão. Renata Ilha, investigadora de Manaus com a World Animal Protection, diz que os turistas querem compartilhar fotos de suas experiências exóticas – abraçando uma preguiça ou sendo enrolado em uma sucuri.
“Você não quer apenas ser aventureiro”, diz ela. “Você quer ser aventureiro e mostrar ao mundo que você é aventureiro”.
Toda vez que as pessoas compartilham essas fotos nas mídias sociais, anunciam uma atividade que na superfície parece inofensiva à sua rede de seguidores.