O que é o efeito bokeh?

Poucas vezes o leitor verá o termo “objetiva” ser mencionado neste artigo. O fenômeno, que lhe dá o título, é um efeito ótico bastante controvertido: o bokeh, produzido apenas em duas áreas da objetiva – nas lentes esféricas, lá na frente e no diafragma. Assim, o termo “objetiva” no sentido do conjunto corpo/lentes virá muito pouco ao texto, já que o astro do show é o Sr. Bokeh!

É interessante constatar como certas coisas, até então rejeitadas, transformam-se em preferências e se definem quase como arte. Assim as manchas luminosas e desfocadas, que teimam em aparecer em certas fotos, passaram a ter uma importância tão grande à ponto de se tornarem objeto de estudos – são os bokeh.

O nome bokeh surgiu em 1.997, criado por Mike Johnston, fotógrafo da revista Photo Technique, e acabou incorporado ao vernáculo para designar aquelas luzes fora de foco que, desde então, passaram a ser assunto de infinitos debates, onde se discute não apenas a sua estética na foto, como também se contesta a natureza do nome. Bokeh é uma palavra inglesa (pronuncia-se “bôque”) vinda do japonês, que quer dizer “mancha”, “borrão”, especificamente “uma mancha fora de foco”.

Hoje, qualquer veículo que lide com imagens, como empresas de cine, vídeo, fotos, softwares e mil outros fins, em algum momento lançou mão dos bokeh. E sua popularidade é tanta que podemos encontrar mais de um milhão de imagens no Instagram com a hastag “bokeh”. Se perguntar ao Google, você encontrará mais de três milhões de informações sobre ele.

O efeito Bokeh como motivo

Uma questão que incomoda muita gente, todavia, é o fato de que o olho humano, apesar de possuir uma excelente profundidade de campo, só consegue perceber os bokeh através do visor de uma câmera. Por isso ele é tido como o único efeito que só pode ser visto em uma imagem produzida por uma lente. Outra coisa intrigante é a importância que hoje lhe é dada, já que raramente ele é o motivo principal da foto e, talvez, justamente por isso receba tanta atenção, justamente para que não se sobreponha ao motivo principal.

Foto: José Américo Mendes
Foto: José Américo Mendes

Não se pode negar, todavia, que o bokeh como único elemento em uma foto permite experiências muito interessantes. As fotos que se seguem mostram algumas delas: na primeira ele aparece em sua  forma mais simples  –  são apenas luzes próximas, de lojas e carros,  desfocadas, com uma objetiva 50mm, em sua abertura máxima, sem flash, coisa simples de fazer.

A segunda já mostra um bokeh mais elaborado, tirando proveito de uma providencial pancada de chuva, que molhou o vidro de uma janela. Só que, para atrapalhar, desta vez as luzes estavam a mais de duzentos metros e tiveram de ser “pescadas” com uma 200mm + zoom, na abertura máxima, também sem flash. O efeito, todavia, foi bastante diferente e até surpreendente, com as gotas dágua incorporadas às luzes.

Foto: José Américo Mendes
Foto: José Américo Mendes

A terceira foi uma variação da anterior, desta vez com flash, que foi rebatido pela vidraça criando um ar abstrato, depois de várias tentativas, porque há um ponto certo para o rebatimento da luz. Cada uma das fotos teve, evidentemente, suas velocidades e ISO próprios. Observe como as circunferências estão perfeitas…

Foto: José Américo Mendes
Foto: José Américo Mendes

Considerando que hoje quase tudo pode ser feito no Photoshop, um bokeh não foge à regra. Ele pode ser fotografado sozinho e depois aplicado sobre uma foto, todavia, nada tira o encanto de um bokeh em uma foto “autêntica”…

À despeito dos prós e contra, em um ponto a concordância é unânime: o bokeh nasce: a) – como decorrência do desenho da lente; b) – pela forma como essa lente foi polida e montada; c) – pelo formato das lâminas do diafragma e; d) por sua abertura. Esse assunto tornou-se tão popular que até mesmo os fabricantes que o evitavam hoje opinam sobre a sua importância . A Schneider, tradicional fabricante de objetivas, por exemplo, é de opinião que “se uma foto eterniza coisas boas por que um bom bokeh não pode acontecer, e ser capaz de dar um belo efeito na imagem? ”

Foto: José Américo Mendes
Foto: José Américo Mendes

Todos sabem que as lâminas de um diafragma  se expandem ou diminuem, dependendo da abertura escolhida. Ora, considerando que a abertura máxima em uma objetiva forma um círculo quase perfeito, e levando-se em conta que o bokeh veio para ficar, algumas objetivas da Sigma e Sony  já apresentam seus diafragmas com lâminas arredondadas para aumentar a impressão de um círculo.

Fig5

Mesmo assim, ainda há diafragmas com cinco lâminas que produzirão, com as luzes de fundo, um pentágono brilhante que, justamente por isso, podem causar um belo efeito na foto. Dependendo, contudo, de sua noção de estética, essas manchas poderão ser lindas, ou detestáveis…

A busca pelo melhor

Quanto mais lâminas tiver o diafragma, mais circular será o bokeh, principalmente se a luz estiver em uma rota que a leve próxima ao eixo ótico da objetiva. Sabendo da importância desse efeito, a Rokinon apresentou sua objetiva XEEM, com onze lâminas, buscando arredondá-lo ao máximo. Como já vimos, a Sigma e a Sony já adotaram essa composição e recentemente a Vivitar, a Panasonic e a Fuji anunciaram, em seus próximos lançamentos, diafragmas com onze e doze lâminas. Notem que a publicidade se situa nos diafragmas e não nas objetivas. O que é isso senão um destaque para o bokeh?

Sobrevivendo ao tempo, algumas objetivas antigas possuem lâminas que, fugindo ao tradicional, formam um efeito que lembra uma estrela e que conta ainda hoje com milhares de apreciadores. Aliás, aquele que goste de experiências pode fazer uma máscara, a ser encaixada na objetiva, com desenhos simples que poderão adicionar alguns efeitos às fotos. Há na Internet uma série de vídeos mostrando como produzir diversas dessas máscaras que proporcionarão bons resultados  quando se busca um bokeh como  parte integrante de uma imagem.

Foto: José Américo Mendes
Foto: José Américo Mendes

Sem abertura

Até agora falamos em lâminas que abrem e fecham, mas há aquelas  objetivas cujos diafragmas são fixos. Essas exceções são as chamadas “lentes de espelho”, aqueles grandes canhões que chamam a atenção nos estádios. Elas possuem uma abertura fixa (por volta de f/16), valem-se de um espelho refletor, como em um telescópio e produzem alguns pontos desfocados. O resultado pode ser diversos bokeh com bordas brilhantes e o centro escuro. E como não poderia deixa de ser, sempre há aqueles que os adoram, enquanto outros os detestam…

O bokeh criado pela lente Rokinon 800mm que é uma objetiva de espelho | Foto: urixblog
O bokeh criado pela lente Rokinon 800mm que é uma objetiva de espelho | Foto: urixblog

Mesmo entre concordâncias e discordâncias, o bokeh pode ter uma, entre quatro condições, em uma foto: 1) – o motivo: é apenas ele, quando se busca uma foto abstrata, produzida com altas luzes fora de foco; 2) –  uma parte do motivo: é muito comum o bokeh preencher um canto da foto, de certa forma equilibrando o conjunto; 3) – um complemento da fotografia e 4) – um acidente fotográfico.

Foto: José Américo Mendes
Foto: José Américo Mendes

Deixando as considerações conceituai, de lado, na verdade quando a área do primeiro, ou do segundo plano está fora de foco, a luz que ela reflete é produzida no plano da imagem e dependendo do desenho das lentes, das lâminas do diafragma e da abertura em que elas foram ajustadas, isso determinará várias formas de bokeh, sempre com uma de suas duas características mais comuns:  complementam, ou perturbam a imagem.

Essas interpretações, contudo, são subjetivas. Uns acham o bokeh uma forma de complementação e até mesmo de valorização da foto, enquanto outros consideram-no como um defeito, um descuido. Com tudo isso é bom que se diga que quando alguém o considera “ótimo”, ou “péssimo”, na verdade está dando apenas uma opinião e não apresentando um fato.

Experimente com suas objetivas de forma a produzir uns bokeh, por prazer e não por acidente. Você irá sentir, talvez, que algumas lentes produzem um bokeh fraco enquanto em outras o efeito é de alta qualidade. Isso não é sinal de que a segunda objetiva seja melhor que a outra – a primeira delas simplesmente não foi projetada para um rendimento maior com altas luzes desfocadas, mas pode surpreender em outras aberturas. Há algumas objetivas famosas e disputadas pelo seu rendimento “normal”, mas que são bastante criticadas por seus bokeh fracos. De outro lado, temos objetivas que não são nem um pouco famosas, mas que produzem bokeh sensacionais!

Foto: José Américo Mendes
Foto: José Américo Mendes

A profundidade de campo/aberrações óticas

Até aqui não há mistério: a diminuição da profundidade de campo (diafragma aberto) produzirá maiores áreas desfocadas na imagem, enquanto um aumento na profundidade de campo (diafragma fechado) definirá maiores áreas em foco na imagem. Assim, como é sabido, a troca de aberturas altera a profundidade de campo, modificando a posição das lâminas do diafragma e mudando as características do bokeh.

Essas formas desiguais dos bokeh são determinadas, de início, pelas aberrações nas lentes. E vale dizer que aberração ótica é tudo aquilo, por mais infinitesimal que seja, que a tão buscada “lente perfeita” não teria.  Assim, por exemplo, as aberrações nas lentes esféricas são o efeito causado pela  luz ao atravessar a lente em diferentes distancias, desde sua borda até seu centro ótico e são refratadas numa potência maior do que a luz que chega ao sensor, pelo eixo. Se a lente foi desenhada corretamente,  a luz que entra por ela não causará problemas ao longo do eixo ótico, já que converge para o mesmo ponto (abaixo, imagem da esquerda), mantendo o equilíbrio com as altas luzes ao fundo, na produção dos bokeh.

Fig8

Já com uma lente que tenha pouca profundidade de campo não haverá a uniformidade anterior e estará instalado o chamado círculo de confusão (acima, imagem da direita), que é a dispersão luminosa pelo disco da lente. Caso a profundidade de campo não esteja corrigida, isso causará uma perda de foco na direção do centro: é o fenômeno Gaussiano de distribuição luminosa, mas que aqui é provocado por aberrações e não por bloqueio de luz.

Assim, a responsabilidade da profundidade de campo cresce bastante, porque se ela estiver super ou subdimensionada, esse desequilíbrio por certo vai influenciar o bokeh. Os projetistas buscam, incansavelmente, combater as aberrações óticas, de modo a criar a “lente perfeita”e lembram os alquimistas, na Idade Média, buscando o soro da juventude. E uma forma de remover essas aberrações é justamente trabalhar a lente esférica.

Já se sabe, por exemplo, que os elementos esféricos podem também influir no rendimento das áreas desfocadas, isso porque as luzes multicoloridas que atravessam a lente o fazem em diversos comprimentos de onda. Essas ondas podem apresentar diferentes velocidades e nesse caminho cada cor é refratada em um ângulo levemente diferente na foto, especialmente ao longo das extremidades, onde a luz recebeu sua maior inclinação junto ao eixo ótico.

As vinhetas e o astigmatismo

Considerando-se a atenção que tem sido dada ao bokeh foram desenhadas lâminas capazes de criar um bokeh bem feito, procurando-se um equilíbrio entre a beleza natural e beleza trabalhada. Ao mesmo tempo buscou-se minimizar a vinheta, que é uma aberração astigmática e cromática, ao mesmo tempo em que se procurava otimizar o balanço na distribuição no bokeh.

Você já deve ter ouvido seu oculista falar em “astigmatismo”, e talvez você o tenha, mas o que sabe sobre ele? Basicamente é um defeito na lente (do seu olho e da objetiva), que afeta a capacidade de fazer um foco perfeito, começando em diversos níveis, diversos ângulos e diversos graus. Isso porque uma lente pode produzir imagens mais puras em algumas aberturas do que em outras. No ser humano a coisa é semelhante, mas, como não podia deixar de ser, é um pouco mais complicada…

Cada fabricante trabalha suas lentes de forma particular. Todos, logicamente, buscando o mesmo resultado: uma imagem melhor, com a melhoria do bokeh. Note que já não se busca eliminá-lo, mas torna-lo mais perfeito! Assim a Nikon tem o seu DC “Defocus Control”; a Sony adota o STF “Smooth Trans Focus” e a Fujifilm usa o APD “Apodization Filter”. Nas marcas independentes temos o “Focusing  System”, da Sigma.

A lente Sony 135mm e o mecanismo de Smooth Trans Focus Lens
A lente Sony 135mm e o mecanismo de Smooth Trans Focus Lens

Todas as montadoras se concentraram até aqui no ajuste fino das lentes esféricas para um trabalho mais efetivo da luz nos diversos planos da foto, e assim como os pneus são testados nas pistas, as lentes depois de projetadas, criadas, montadas e testadas em laboratório também vão para a rua, porque é importante a diversidade de cenários que possam provocar a maior variedade possível de bokeh.

“Por mais real que possa parecer uma simulação, nada substitui a realidade”, diz um engenheiro da Olympus.

E você? Prestou atenção naquela sugestão lá atrás? Vá ao oculista, conheça suas objetivas, aprenda a explorar as suas (delas) possibilidades e, por que não, as fraquezas (suas)? Para terminar, mantenha suas lentes limpas, elas por certo agradecerão… E capriche no bokeh.

O chamado “círculo de confusão” é utilizado no cálculo da profundidade de campo e da distância hiperfocal e diz respeito à área de nitidez e desfoque aceitável em uma imagem.

** O efeito Gaussiano é aquele em que parte da imagem fica desfocada. Em fotografia, o mais comum  é usar o desfoque  para criar um efeito de profundidade, conferindo importância ao plano que ficou em foco. O termo Gaussiano vem da Física e do chamado Feixe de Gauss.

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