Fabio Laub tem um repertório de frases de mestres da fotografia na ponta da língua: “Se a foto não ficou boa o suficiente, é porque você não chegou perto o bastante”, essa é do Capa. “Você não fotografa com a câmera, mas com toda a sua cultura”, disse Sebastião Salgado. E mais algumas. Paulistano, 42 anos de idade, dezessete de fotografia, Fabio fotografa casamentos e, para ele, o mercado anda fazendo ouvidos moucos ao que ensinaram os gênios que o precederam. Para prejuízo do próprio mercado.
Antes do advento do digital, o sujeito que queria entrar no ramo tinha um caminho longo pela frente, que incluía um bom período de estudos, horas diante do ampliador e estágio como assistente de fotógrafos já estabelecidos. Hoje em dia, esse percurso foi drasticamente reduzido. Com o acesso a bons equipamentos facilitado, em pouco tempo o cidadão se vê apto a cobrir seu primeiro casamento. Multiplique isso por cem e teremos uma boa medida de como as coisas estão.
O resultado é uma geração de fotógrafos amparada mais no poder da câmera que em um referencial teórico e prático. “Só que ser dono de uma câmera não faz de você um fotógrafo”, essa frase é do Fabio, que lamenta o fato. Para ele, fazer foto boa com uma 5D Mark III é obrigação, porém isso não basta.
“Vejo um descuido dos fotógrafos no que diz respeito à composição e qualidade da luz. Essas coisas são básicas. Hoje em dia, é só o momento que vale, e se esquecem do básico. Bresson, Capa, esse pessoal, além da percepção do momento, se preocupava com a exposição, a qualidade da luz. Hoje, o que importa é o primeiro plano, mas se esquecem que a fotografia vai de uma margem à outra. Depois resolve no Photoshop”, ironiza Laub, que atribui essa situação um pouco à falta de percepção do cliente: como este em geral não tem um parâmetro, acaba considerando bons trabalhos que nem sempre o são.
Por outro lado, ele acredita, quem não se iludir com as facilidades e investir no conhecimento terá maiores chances de se sobressair. E, nesse aspecto, estudar os mestres é fundamental.
“O grande desafio é ser criativo sem esquecer os princípios básicos”, estabelece o paulistano. Esse raciocínio tem norteado o trabalho de Raphael Fraga. O mineiro de Belo Horizonte, 32 anos de idade, contabiliza doze anos de fotografia, metade disso como fotógrafo de casamentos. E sempre no compasso dos grandes da fotografia.
“Cartier-Bresson, Sebastião Salgado, por exemplo, e alguns outros mais contemporâneos, tipo Araquém Alcântara, com a fotografia de natureza, que me encanta também”, cita. No momento, curiosamente, Raphael tem procurado não se ater tanto a referências, pois quer consolidar a identidade do seu trabalho. Sua busca tem sido mais por fotógrafos sociais cujas práticas de marketing e relacionamento com o cliente tenham algo a oferecer. Porém, já internalizou as lições dos mestres.
“Acho que o que de mais forte tenho trazido deles é a busca de uma foto difícil, única e a emoção que uma imagem pode carregar, o impacto que provoca no leitor”, descreve.
Nelson Neto, pernambucano do Recife, 29 anos, começou a fotografar casamentos em 2008. Desde o princípio, percebeu a necessidade de construir uma formação sólida. “São sete anos de muito estudo: uns 50 livros, uns vinte cursos e uma hora todos os dias vendo referências”, enumera. No começo, sua principal fonte de inspiração vinha da própria fotografia de casamento, especialmente da “escola” mexicana. “Atualmente, tenho buscado ver cada vez menos fotos de casamento e indo encontrar referências nas artes, na fotografia documental, no fotojornalismo e em trabalhos autorais”.
Além dos nomes clássicos, como Bresson e Capa, Neto lembra da importância de sair do escopo da fotografia em si e mergulhar em outras áreas, como a pintura – no seu caso, o Renascimento e a arte barroca estão entre os períodos mais significativos.
“Não me considero um fotógrafo talentoso, mas um fotógrafo que treinou o olhar para enxergar o que os outros não veem, e por isso creio que meu resultado é fruto do repertório visual que adquiri na vida, seja pelos filmes, seja pelos livros de arte, seja pelos sites/blogues de outros fotógrafos”, avalia, numa leitura pessoal do que disse Salgado. “O que faz o meu trabalho ser meu é a minha percepção de mundo, da vida, dos valores, das experiências que tive, das tristezas que passei, das alegrias, e isso vai me permitindo valorizar cada momento de um casamento”, completa.
Exemplos assim, no entanto, tendem a cair em desuso. Essa é a percepção (pessimista) de Fabio Laub. “A tendência é cair no desleixo e a tecnologia resolver”, acredita, para em seguida perguntar: “O que aconteceu com o melhor zoom do mundo, que são suas duas pernas?”. Segundo ele, as pessoas hoje não se aproximam, o que fere a máxima de Capa – não no sentido de que alguém precise pisar numa mina para estar perto o suficiente, naturalmente. Laub condena o uso intensivo do zoom: “As lentes fixas te obrigam a andar, olhar e compor”, justifica.
Contra esse estado de coisas, Fabio tem um remédio: pegue uma câmera totalmente manual, coloque dentro um filme preto e branco, e saia a fotografar. É um exercício que ele próprio faz pelo menos uma vez por mês, com uma velha câmera sem fotômetro. “Hoje, tem muita falta de cuidado com o clique, o sujeito tira um milhão de fotos e tomara que uma saia boa. Tem que ser mais criterioso”, argumenta, citando, por fim, o fotojornalista Steve McCurry, que teve a honra de receber o último rolo de filme Kodachrome e tratou cada exposição como se fosse uma verdadeira preciosidade. “Cada foto foi extremamente pensada”.