Mineiro propõe ensaio sobre beleza e culinária afro
Nestes tempos de patrulhamentos ideológicos, opiniões extremadas e racismos escancarados, propor um ensaio fotográfico evidenciando características da população afro pode conduzir o autor numa espiral de interpretações equivocadas e confusão. Samuel Reis, porém, resolveu arriscar. Fotógrafo de Montes Claros (MG), ele realizou um trabalho que intitulou simplesmente de Amanda e que, afirma, procura valorizar a beleza negra e os elementos que a rodeiam.
“É um ensaio voltado como meio de expressão, sem a pretensão de estabelecer uma visão mais crítica. Falo isso porque ele pode ser confundido com uma visão estereotipada do negro, mas, claro, não é esse o significado”, avisa o mineiro, que tem 30 anos e fotografa profissionalmente publicidade e fine art há cinco.
Casado com a também fotógrafa Lidiane Silva, Samuel desenvolveu o ensaio no início do ano. O que viabilizou sua realização foi ele ter encontrado a modelo ideal para o projeto, a cantora Amanda Souza, durante uma feira cultural realizada em Montes Claros. “No decorrer desse evento havia várias intervenções com dança, teatro e uma delas era música. Foi aí que percebi Amanda”, conta.
Através de uma amiga em comum, Samuel fez o convite. Larissa Rocha, assessora da produtora do fotógrafo, que também trabalha com audiovisual, cuidou da produção. “Discutimos o conceito juntos e realizamos as fotografias. Fizemos as imagens na parte da noite e tivemos que fazer rapidamente porque a mãe da Amanda estava desconfiada e preocupada. No final, o resultado, tanto da composição quanto da expressão, foram, no meu ponto de vista, bastante satisfatórios”, avalia o mineiro, que teve participação premiada no curta-metragem “Estrada Real, Sempre Viva” e imagens feitas com celular selecionadas para uma exposição na galeria do jornal Estado de Minas, além de trabalhos publicados em revistas daqui e do exterior.
Não é a primeira vez que Samuel tem o negro como tema. Em 2013, ele realizou um ensaio com um mestre capoeirista para a revista francesa Fubiz. Neste segundo trabalho, procurou destacar a culinária dentro do universo cultural afro-brasileiro, e sua contribuição para o que chama de “cultura do sabor”.
“Acho importante dizer que não é intenção falar que essa característica é apenas do negro ou que o negro é feito com apenas essa qualidade, não é isso, mas é uma valorização de algo que se transpôs ao tempo, que tem requinte agora, que foi dominado e popularizado para a cultura brasileira e que devemos considerar como uma riqueza cultural”, destaca.
Em relação à estética das imagens, o autor explica que há uma “influência barroca na luz e na evidência dos elementos” e um certo viés de moda na concepção, embora, ele ressalte, não possa ser considerado um ensaio de moda, visto que é a personagem o ponto central do trabalho. “Pode-se dizer que é um ensaio fine art, com uma abordagem sobre diversidade”, conceitua.
Apesar de querer se esquivar de uma apreciação mais crítica, o mineiro faz uma defesa da valorização da beleza negra, e se espanta com o fato de que não seja considerada um padrão no País. “Temos como uma das maiores riquezas a característica da diversidade cultural e racial, ainda assim o que vemos como referência de beleza é o branco quase ariano, o negro aparece raramente e muitas vezes não como referência da beleza, mas talvez do exótico. A identidade da maioria das pessoas deste país não é representada dignamente e eu fico observando isso e achando meio bizarro. Como é que ainda não aceitamos as nossas características e porque elas ainda são tão pouco representadas?”, questiona.
Talvez não seja papel de um ensaio de beleza responder a questão tão complexa, mas o fotógrafo tenciona ampliar o alcance do seu ponto de vista, dando repercussão às imagens. “Enfim, a ideia deste trabalho é uma representação autoral e penso que a publicação leva não somente o discurso da estética negra, mas uma abertura para exibição em galeria, onde o foco da beleza esteja pautado, talvez até mesmo a comercialização das ampliações”, projeta.