Menina afegã: violação de direito?
Talvez o fotógrafo do qual eu tenha maior predileção seja Steve McCurry, cujo trabalho dispensa apresentação. Vendo sua exposição no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, fiquei sem fôlego, literalmente, devido à beleza e força de sua fotografia.
Dito isso, passo para a polêmica. Uma das fotos mais famosas em todo o mundo é dele: A menina afegã. Publicada na National Geographic, a foto o fez ganhar importantes prêmios de fotojornalismo, como a Golden Medal Robert Capa, em 1984, além de projetar seu nome em nível internacional.
Bem, a pergunta que faço é: o que essa menina, Sharbat Gula, fotografada aos doze anos de idade em um campo de refugiados na fronteira com o Paquistão, ganhou com isso? Dezessete anos depois, McCurry voltou a fotografá-la, aos 29 anos, e ela ainda vivia isolada do mundo, apesar de ser conhecidíssima.
Portanto, sua vida não mudou – nem para melhor, nem para pior – com essa exposição. Ouvi falar que McCurry a “ajudou” com certa quantia. Mas a ajuda, a meu ver, soa como uma esmola, se levarmos em conta o modo como a imagem da menina elevou a reputação do fotojornalista.
Ora, não seria devido a Sharbat participar de todos os ganhos que o fotógrafo auferiu? Não seria justo participar dos louros da fama junto com McCurry? E se ela fosse norte-americana, o tratamento seria o mesmo? Não moveria, amparada por advogados, uma vultosa ação judicial contra o fotógrafo e a National Geographic? Esse caso não seria a maior violação do direito de imagem de um indivíduo já ocorrido na história da fotografia? Pena que o protagonista seja o meu fotógrafo favorito…
Qual a sua opinião a respeito?
Excelente tópico…. um outro exemplo e talvez até mais polemico seria da fotografia que rendeu um Pulitzer a Kevin Carter. Creio que isso cria um conflito ético e moral dentro da profissão fotografo, especialmente no âmbito foto jornalismo onde o fotografo lida diretamente com o dever de registrar situações reais e nem sempre agradáveis. Creio que como em qualquer profissão, temos meios e ferramentas para executar um trabalho, o que diferencia um profissional, principalmente os que lidam com a realidade nua e crua, é sua capacidade de também usar essas mesmas ferramentas não somente como um trabalho simplesmente mas também como uma ferramenta de mudanças….
Indo ao ponto do questionamento, penso que o fotografo tem como função registrar a realidade do mundo e num âmbito mais amplo da sua função “ser” um agente de mudanças quando mostra ao mundo realidades cruéis e nos faz ver realidades que muitas vezes nem temos noção.
Claro que como em qualquer profissao existem profissionais que estão interessados em apenas cumprir seu papel dentro do que é esperado, e existem aqueles que fazem além do que é esperado e buscam ser agentes de mudança.
Sim concordo que se talvez fosse um outro cidadão em outro país ou contexto essa imagem teria gerado ações de direitos de imagem…. Mas também não vejo o erro na ação do fotografo em questão que fez o seu papel e ganhou seus méritos por isso. O que dizer de um cineasta que faz um filme ou documentário sobre uma realidade e apesar de querer mostrar algo ao mundo, ele recebe um oscar e com isso vê sua carreira impulsionada e nem sempre o que foi mostrado consegue receber a mudança que precisa?!
Enfim….
Acho um absurdo como a fotografia é tratada hoje em dia, pois não se trata mais de arte, mas sim de dinheiro…
Se um fotógrafo ganhou um monte de prêmios com uma determinada foto ou não e o que ele faz com isto é totalmente secundário no meu ponto de vista.
Daqui à pouco vão querer que o Leonardo da Vinci paga direitos de imagens à Mona Lisa!!!
Bem, sem desmerecer o questionamento, apenas jogando a bola pra outro campo, acredito que o documentarista e o fotojornalista têm uma função social, muito além do agenciamento das pessoas. Seu trabalho leva ao conhecimento global vidas e situações ocultas para a maioria. Pode-se não estar ajudando diretamente ao fotografado, mas colabora para a informação e a construção de uma consciência sobre uma realidade menos visível. Então, tem sua função, tem sua importância. Se a fotografia foi bem executada, mérito do profissional. E, temo, que numa escalada de remunerações, autorizações, compensações diretas, acabemos por extinguir com esse tipo de trabalho tão fundamental. Ou eliminares sua autenticidade.
Sempre que faço foto de pessoas em seus ambientes, mesmo sendo autorizado tenho esse questionamento… Poxa será que tenho esse direito?É um soco nas consciência, mesmo!
Contudo penso nas inúmeras imagens de conflitos espalhados pelo mundo que nos fizeram saber o que está se passando naquele momento com aquelas pessoas.
Pode não acontecer nada,mas pode mudar tudo, mas a mudança não depende do fotógrafo, mas o registro.
Só voltando na questão jurídica, o que se avalia se feriu o direito à imagem (no Brasil, claro) seriam 4 tópicos, basicamente:
1) Ciência do fotografado na hora do clique.
2) Consentimento do fotografado.
3) Não ferir sua honra e dignidade.
4) Não se destinar a fins comerciais.
Os itens 1, 2 e 3, estão ok. Porém, o item 4, na minha opinião, destinou-se a fins comerciais, pois foi capa da NG. Ora, a capa agrega valor à revista. Sua venda se deve e muito pelo que está estampado, correto?
Aí, fica a questão de quanto ela recebeu, se deveria participar dos ganhos futuros, devido à proporção tomada, e quem era o detentor dos direitos patrimoniais da foto, a National Geographic ou McCurry?
Simplemente não entendo como o mercado editorial e publicitário pensa… tudo a favor deles? E os patrimônios maiores de um indivíduo: seu corpo, sua personalidade, sua honra? Ora, se alguém se apropria de nosso automóvel iremos ficar indignados, não? Mas se se apropria da imagem, aí não ficamos? Why?
Isso é fotojornalismo? Veja o link: http://photos.uol.com.br/materias/ver/75072
A imagem citada nessa discussão é leiloada até hoje!!! Alguém sabe quantas cópias essa imagem já foi enquadrada desde dezembro de 1984?
Será que neste e em outros casos similares não se extrapolou do fotojornalismo? Na Lei de Direitos Autorais tem um artigo que prevê um ganho de 5% em todas as revendas que houver de determinada foto, se esta teve ganho / valorização. Ou seja, se um fotógrafo vende uma foto por mil e depois de um tempo esta foto é revendida por 10 mil, ele participará em 5% desse ganho. Seja na primeira revenda ou em todas as outras… Alguém aqui gostaria de saber que sua foto valorizou tanto e você, autor de tal foto, não tem direito a mais nada? Citei isso somente para fazer um paralelo com o direito de imagem, que a meu ver merece (e já pé-protegido pela Constituição Federal e Código Civil) tal respeito… ou não?
“Afghan Girl” deixou de ser um produto da fotografia jornalística há muito tempo, passando a ser um objeto de arte cobiçado e sendo comercializado por um valor tão… lucrativo.
(Texto compilado de Marcelo Pretto e Kadoo Valentin / https://www.facebook.com/groups/direitonafotografia)
Falando de Pretto para Negro. Esse assunto tem muitas arestas. E sempre terá. Outros exemplos poderiam ser citados. Os contextos são muitos. As fronteiras, difusas. Está em jogo, inclusive, o modelo de sociedade que adotamos. Cujos valores de qualquer ordem foram monetizados. Há anos tenho feito uma releitura poética, digamos assim, de referenciais indígenas brasileiros e estrangeiros. Ilustrei diversos livros de autores indígenas, cada qual representante de uma etnia. Parto da iconografia tradicional sempre. O próprio autor muitas vezes reconta histórias ancestrais cujo patrimônio é coletivo. A questão dos direitos autorais, portanto, é relativa. O registro literário, escrito e ilustrado, é hoje uma tecnologia de memória para culturas que desejam resistir à extinção. Esse procedimento foi incentivado pelos mais velhos, que são os contadores oficiais. Porém, pela oralidade. Mas o que seria compensação? Que valor tem o dinheiro em determinados contextos?
A pergunta que me parece sem resposta seria: E se, de fato, o fotógrafo tem uma autorização obtida na eéoca da realização da fotografia? Isto nós não sabemos. Parece pouco provável que o fotógrafo ou a revista para a qual trabalhava tivesse obtido um “model release” devido as próprias circunstâncias do local e da situação, mas que seria prudente averiguar para um melhor entendimento do caso, seria.
Eu não concordo meu caro amigo, pois essa foi uma foto tirada com cunho jornalistico, representando um acontecimento histórico, segundo os professores que lecionaram para mim (Senac) isso não esta fora das leis. E ele não tinha como entrar em contato com a menina, ele no momento estava agindo como fotografo, e não como empresa, talvez se tem alguém que deveria arcar com essa responsabilidade, seria a Revista. Não sei se estou certo ou errado, é simplesmente minha opinião. Mas concordo que é um assunto bastante delicado…