Leandro Neves: a vida depois do ônibus certo

Insistir em fazer algo tendo em vista unicamente a questão financeira, ao custo da própria satisfação profissional, deixará você doente. Leandro Neves pode falar disso com autoridade, porque foi o que aconteceu com ele. A vida só melhorou quando esse paulista desceu do bonde errado para tomar o certo: a fotografia.

O “bonde errado” foi o curso de administração que Leandro, então bolsista do Prouni, pensando no futuro, começou na Mackenzie. Não demorou e ele estava odiando. Ao invés das aulas de estatística e contabilidade, ia assistir às de Photoshop no curso de publicidade e propaganda ou história da arte no prédio de Arquitetura. Na biblioteca, encontrou o Novo Manual de Fotografia de John Hedgecoe e começou a estudá-lo. Foi o primeiro “toque” do destino.

Leandro Neves: “O que você faz quando pega o ônibus errado?” (foto: Érika de Faria)

Assim que obteve um estágio, em 2009, Leandro comprou uma câmera compacta para praticar. Porém, nessa altura já andava deprimido. Detestava o curso, o emprego, mas estava num beco sem saída: “Eu trabalhava em uma grande empresa e me cobrava muito para terminar a faculdade, pois eu era bolsista e não queria perder aquela oportunidade, mas fiquei tão doente que fui parar em um pronto-socorro psiquiátrico. Eu já estava extremamente envolvido com a fotografia e sabia que era isso que eu queria fazer, mas não tinha coragem de seguir em frente. Meu irmão, que é psicólogo, me fez a seguinte pergunta: ‘Leandro, o que você faz quando você pega um ônibus errado?’. Respondi: ‘Desço no primeiro ponto e pego o correto!’. Nunca mais voltei para a faculdade depois desse dia”.

Depois disso, Leandro Neves, que tem hoje 30 anos e é natural de São Bernardo do Campo, embora more na capital paulista desde os dezoito, acertou o passo enveredou de vez pela fotografia. Partiu em viagem pelo mundo para aprender mais, cresceu e voltou preparado para o desafio. Atualmente, desenvolve trabalhos para o mercado editorial, de moda, faz retratos, ensaios sensuais, pós-produção e ministra workshops sobre o famoso Photoshop. Um pouco mais sobre seu trabalho, suas experiências e opiniões sobre o mercado estão na entrevista a seguir. Acompanhe:

 

Foi a partir do momento em que traçou seu novo rumo que você partiu em viagem pelo mundo? Vi que foi um itinerário longo, que incluiu Uruguai, Argentina, Londres, França e por aí… Como é que foi essa aventura, quanto durou e o que conseguiu extrair disso, especialmente no que diz respeito à sua fotografia? Eu sempre me dei o período de um ano para produzir coisas. Foi assim quando comecei a fotografar: no primeiro ano eu me preparei para pegar os trabalhos pequenos, no segundo ano, enquanto fazia os pequenos, me preparava para assumir os trabalhos de médio porte. Para me preparar para os trabalhos grandes eu resolvi passar um tempo no exterior para melhorar não só como fotógrafo, mas como pessoa também. Vendi todos os equipamentos que possuía (e que um dia acreditei que jamais teria), doei minhas roupas e livros e comprei um mochilão. Me dei um ano sabático para viajar por aí, conhecer pessoas, estudar, trabalhar com outros fotógrafos e retouchers. Me dei um tempo para me conhecer melhor.

Aprendi muita técnica, pois vivi com uma Canon G12, um flash 270EX II e um tripézinho Manfrotto que cabe no bolso. Você acaba fazendo ângulos que não faria se tivesse com uma DSLR e buscando outras formas de luz. O bacana desse processo todo é descobrir que não precisamos de muito para viver ou produzir material fotográfico. Na verdade, foi quando abri mão dos meus equipamentos é que tive como viajar e produzir material para o meu portfolio. Lembro de uma vez, do Alexandre Urch tweetando durante sua viagem que preferia ter uma 7D e conhecer a Europa do que ter uma 5D Mark II e nunca ter saído do Brasil. Eu estava nessa situação e comecei a repensar o valor que eu dava para equipamentos. Aliás, há algum tempo escrevi um artigo sobre isso [O upgrade de equipamentos é realmente necessário?, neste link]. Talvez hoje eu escreva sobre como o downgrade de equipamentos pode dar um upgrade na sua vida!

Durante esse processo, acabei conhecendo e trocando experiências com fotógrafos e retouchers em Londres e Paris. Fotografei composite de modelo e promo de música em Londres e produzi um ensaio em Paris da minha noiva que foi publicado na revista VIP de outubro. Aliás, foi durante a minha viagem que começamos a namorar, ficamos noivos e agora, no Brasil, nos mudamos definitivamente para nossa casa.

Como está seu trabalho atualmente? Em que áreas está atuando e como você tem visto o mercado? Meu foco é fotografar pessoas e divido meu trabalho em moda, publicidade e retratos. Dentro disso faço retrato para músicos, pauta de revista, composite de modelos, lookbook etc. Além disso, ministro workshops e agora está surgindo a demanda de tratamento e fusão de imagens. No momento, estou trabalhando no tratamento e fusão de imagens para a capa de trabalho e divulgação de uma banda. Nesse caso, já existe o diretor de arte e o fotógrafo, eu só entro com a manipulação digital.

Apesar da concorrência e dos novos entrantes, eu vejo com muito otimismo o cenário fotográfico atual. A sociedade como um todo está consumindo cada vez mais e isso acaba gerando mais e mais trabalho para fotógrafos, videomakers e retouchers. O fato das revistas impressas não serem mais tão fortes como antes não significa algo ruim para os fotógrafos, muito pelo contrário! Hoje nós temos diversos tipos de plataformas e podemos produzir conteúdo aqui no Brasil ou em alguma revista online de Berlim. A única reclamação que tenho a fazer é da ganância (ou dificuldade) do empresário/empreendedor/administrador brasileiro que, apesar da economia na sua melhor fase, está cada vez mais cortando custos e tentando baixar os preços de seus fornecedores. Hoje, sem dúvida meu maior desafio é adequar meu estilo de foto às necessidades de negócio e orçamento do meu cliente. Dessa forma, estou sempre tentando eliminar custos, automatizar processos e organizar fluxos de trabalhos que me permitam ser competitivo em preço e gestão sem perder a qualidade do trabalho.

Fale-nos sobre as suas fotos de nu e sensual. É um trabalho de caráter pessoal, autoral? Como você desenvolveu seu olhar e que aspectos você procura valorizar nesse tipo de ensaio? Parece-me que são basicamente feitos com luz natural, pouca produção, algo bem sutil. Como você descreve isso? As fotos de nu e sensual são o tipo de trabalho que mais amo fazer. É o momento onde eu crio um relacionamento de confiança com a modelo que exige muita troca e respeito pelo trabalho de ambos. É muito difícil descrever o próprio trabalho, pois ainda estou no processo de construção dele. Entretanto, o que eu busco nesse tipo de trabalho é a simplicidade, a luz suave, o romantismo mesclado com a sensualidade, movimentos suaves, olhar lânguido e uma busca pelo estado de pietismo.

Tudo começou com um trabalho totalmente autoral, mas que agora está tomando um rumo comercial. Nos meus composites estou seguindo esse estilo e recentemente fotografei um outro editorial para uma revista onde tive liberdade total para produzir o ensaio.

Seus trabalhos também têm uma pós-produção muito boa. Pelo que li, você é responsável por isso, tem afinidade com o Photoshop, inclusive ministra cursos a respeito. Como você vê esse lado do seu trabalho? Estou em um processo forte de estudo em tratamento e fusão de imagens para publicidade. Essa é uma luta que tenho tido há muito tempo, pois não há cursos avançados de tratamento de imagem. O que aprendi foi de forma autodidata, pesquisando em fóruns e na troca de experiências que tive com alguns retouchers no exterior.

Acredito que é muito importante para um fotógrafo conhecer sobre tratamento de imagem. Dessa forma, o trabalho de sua obra não é deixado para terceiros. Além disso, quando você conhece tratamento, você pode eliminar inúmeros gaps no seu trabalho. Estava conversando com a editora de uma revista que ainda não conseguiu fazer uma foto por não achar uma parede verde. Agora isso não é mais um problema. Faremos a foto com a parede que tivermos e depois eu mudo a cor em três minutos. Apesar da aparente facilidade, isso só será possível se a luz for muito bem feita. Não há Photoshop que recupere foto malfeita.

Tenho ministrados workshops de Photoshop para outros fotógrafos e a demanda só aumenta. Isso só mostra a importância da pós-produção, pois, no ciclo do fotógrafo, depois de comprar a melhor câmera, a melhor lente e ter estudado muito, ele sente que falta algo na sua foto e ainda não consegue fazer uma foto igual à dos fotógrafos que ele admira. É nesse momento que entra a pós-produção para ele atingir o seu objetivo. Tenho investido muito tempo e dinheiro para melhorar essa parte no meu trabalho. É algo que amo tanto fazer assim como fotografar. Acredito que até o meio de 2013 meus trabalhos estarão divididos meio a meio em fotografia e pós-produção.

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