Gilvan Barreto revive “comunismo tropical”

“Moscouzinho” é como ficou conhecida Jaboatão dos Guararapes, cidade de 650 mil habitantes distante 14 quilômetros de Recife (PE). Isso porque foi a primeira cidade brasileira a ter um prefeito comunista: o médico alagoano Manoel Calheiros que, em 1947, instaurou em Jaboatão uma espécie de regime socialista tropical.

Gilvan Barreto nasceu e se criou em Jaboatão. E embora tenha vivido em São Paulo e Londres e more atualmente no Rio de Janeiro, o fotógrafo se volta para a terra natal em seu livro de estreia, Moscouzinho, que saiu no início do mês pela editora Tempo d’Imagem (132 págs., 65 fotos).

O livro, um documentário que foge um pouco aos padrões do estilo, pois tem mais de poesia que de narrativa, foi motivado pela morte do pai de Gilvan, em 2010. Ao resolver homenageá-lo, o fotógrafo se viu de volta a sua cidade e ao passado.

“Todo retorno é cheio de uma esperança besta e inútil”, diz Gilvan da sua busca pelas imagens da infância, do tempo em que acompanhava os comícios de seu pai, militante de esquerda, na década de 1970, e tinha a incumbência de testar o som dos comícios, aproveitando para gritar algumas palavras de ordem no microfone.

Ao lado disso, o autor juntou relatos de moradores, fotos de família e documentos obtidos nos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), órgão da repressão durante a ditadura militar. De posse disso, Gilvan construiu seu ensaio, utilizando os muros nos arredores de onde mora, no bairro da Urca, para fixar suas criações: colagens com reproduções de cartazes da época da militância de seu pai, fotos de família de mistura com documentos do Dops, os quais o fotógrafo entregou à ação do tempo, ao passo em que ia fotografando. Ateve-se a essa rotina durante três anos, utilizando vários tipos de câmeras ao longo do trabalho.G

O resultado não entra no conceito da excelência fotográfica, mas tampouco era esse o seu objetivo. “Moscouzinho não é um livro para o embelezamento da fotografia pela fotografia. É um retrato interior impregnado de signos que nos leva ao exterior do retrato geográfico de uma pequena cidade onde um dia viveu um homem que pensava em liberdade. Esse homem teve um filho que agora está aqui olhando para o seu passado (o passado dos dois), espanando sua memória para também se libertar e seguir adiante”, conceitua Diógenes Moura, curador da Pinacoteca do Estado de São Paulo, que assina um dos textos do livro.

Moscouzinho, produzido ao feitio de um pequeno diário, se parece mais com um livro de poesias do que de fotografia. Mais ainda com um livro de memórias, cujas nuances o tempo trata sempre esmaecer, modificar, tal como o efeito da intempérie nas obras de Gilvan Barreto.

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