Frilas no casamento: relação distante do ideal

Boa parte dos fotógrafos que atuam em casamento concorda numa coisa: não dá para fazer todo o trabalho sozinho. A maioria contrata um segundo fotógrafo para, como dizem, “garantir” as fotos essenciais do álbum, enquanto procura dar um toque mais personalizado à cobertura. A situação também é comum entre as empresas do segmento, que empregam diversas equipes para alcançar uma fatia maior da demanda.

O caso é que, embora se configure num personagem importante dentro da mecânica desse setor, o fotógrafo freelancer nem sempre encontra condições ideais de trabalho. As queixas mais comuns são relativas ao uso posterior das fotos que eles mesmos fizeram: elas costumam ir para o álbum sem o devido crédito. Ocorre também de se verem “proibidos” de usar o material produzido em seu portfolio.

Wellington Tessaro viveu essa situação. “Trabalhei com uma pessoa que não autorizava de forma nenhuma eu fotografar com meu cartão para obter a posse das imagens, com diversas desculpas, como contrato com os noivos, segurança dos dados, sistemática da empresa, enfim, eram eventos muito bons, que valorizariam muito meu portfolio, mas não teve solução”, lamenta o paulistano de 31 anos, há cinco fotografando como profissional.

Wellington Tessaro: “Exploração” durou dois anos

Quando começou, Wellington também teve que se contentar com um cachê baixo. Em torno de 150 reais, para uma jornada que começava às 13 horas, com o making-of, seguindo pela cerimônia e recepção, até encerrar por volta das 2h30. Muitas vezes sem nem uma parada para lanche. “Essa exploração durou dois anos aproximadamente, mas aprendi muito, peguei uma bela experiência em casamentos, making-of de noiva, eventos sociais no geral”, contabiliza o fotógrafo, que após esse período assumiu o status de primeiro fotógrafo.

O cachê subiu, mas só um pouquinho: passou para R$ 200, com um acréscimo de 50 reais por making-of. E tinha direito às próprias fotos: “Pelo menos, para portfolio servia”. Em paralelo, fazia outros frilas como segundo fotógrafo. “Aguentei por um tempo trabalhando dessa forma, mas caí fora, porque chegou um momento que, pelo simples fato de sair do evento sem uma foto sequer, atrapalhava psicologicamente no meu rendimento”. Atualmente, Wellington trabalha por conta. Não fotografa integralmente, tem um emprego como projetista de produtos, mas espera se “estabilizar” este ano e abrir um estúdio. Frilas agora, somente para amigos, quando há algum imprevisto. Quando atua como titular, contrata dois profissionais para auxiliá-lo nas coberturas. Com responsabilidades e cachê iguais para todos, assegura.

J. Domingos usa somente fotos da decoração em seu site. “Se for conversado antes, não vejo problema”

José Domingos Guimarães Neto, ou J. Domingos, 57 anos, natural de Itaquaquecetuba (SP), tem uma experiência mais larga nessa área. São quase vinte anos atuando como freelancer em casamentos. Para ele, o fato de ver a tarefa encerrada ao fim da cerimônia, com a entrega das fotos ao contratante, é um ponto positivo. O cachê fica na faixa de R$ 300. Quanto ao uso posterior das imagens, tudo bem que o “patrão” não deixe usar, desde que isso fique combinado de antemão: “Alguns não passam as fotos para que possamos usar no nosso portfolio, porque aí depende dos noivos assinarem o uso de imagem deles, e a maioria não gosta que divulguem o material. Na minha opinião, depende de uma conversa entre os contratantes. Se tudo for conversado antes, não vejo problema”, afirma J. Domingos, que nesses casos se contenta em usar as fotos da decoração para divulgar no site.

Eder Rodrigues, que mora em Taubaté (SP), é dos que se incomodam com essa situação. “A maioria [dos contratantes] cria dificuldades, por serem ‘donos do cliente’, que aqui seria o casal de noivos. Eles acham que são donos também das fotos que eu criei, dirigi e fotografei”, reclama, dizendo que alguns apresentam contratos com cláusulas que proíbem o frila de usar as fotos em álbuns, internet ou mesmo na apresentação do portfolio. “E tem outras empresas que não fazem contrato, mas inventam vários motivos para o fotógrafo não divulgar as fotos que ele mesmo fotografou”, acrescenta o paulista de Jacareí, 28 anos de idade, fotógrafo desde 2004.

Porém, segundo o fotógrafo e advogado especializado em direitos autorais Marcelo Pretto, qualquer dispositivo de contrato com tal proibição não tem amparo legal. “A lei garante o direito autoral e ela está acima de qualquer contrato. Não existe contrato que revogue um direito constitucional”, alerta o especialista.

Eder Rodrigues: empresas “inventam” cláusulas de contrato

Marcelo explica que a Lei de Direitos Autorais (9.610/98) faculta ao autor ter seu nome atrelado a sua obra sempre que esta for publicada. “Tratam-se dos direitos morais do autor, no caso, o fotógrafo. E esses direitos são irrenunciáveis e inalienáveis, ou seja, o fotógrafo (aquele que criou a foto) não pode abrir mão desses direitos nem tampouco negociá-los [leia mais sobre isso aqui]”. O advogado, no entanto, reconhece que a prática do mercado passa ao largo do que determina o texto legal, por isso acredita que seja importante que as partes envolvidas se atualizem sobre seus direitos para que haja uma melhor relação de trabalho.

“É uma questão de tempo para que o mercado fotográfico vá regulando suas normas”, prevê. “Os congressos e as boas escolas de fotografia, assim como faculdades, tendem a manter a disciplina de direitos autorais, pois é daí que se formam profissionais com ética no mercado. Todos tendem a ganhar quando há respeito entre colegas, pois o ramo se valoriza e o cliente passa a valorizá-lo também. No final das contas, com respeito e qualidade do serviço, o cachê aumenta e o beneficiado é o próprio profissional da fotografia”, observa Marcelo.

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