O grupo de discussão Direito na Fotografia, cuja adesão já passa de 7 mil participantes, tem levantado algumas questões interessantes acerca do direito de imagem, direito de fotografar, direitos e deveres do fotógrafo.
Volta e meia, alguma questão mais espinhosa aparece, o que acaba sempre motivando o pessoal a contribuir com opiniões às vezes bastante opostas. Isso é importante para o debate, e bem-vindo sempre que o ânimo dos participantes não os faça escorregar para fora da proposta do grupo (discutir o direito na fotografia).
Exemplo de um tema bastante controverso surgiu por meio da dúvida de um dos participantes. Segundo expôs ao grupo, o fotógrafo foi contratado para realizar um ensaio com uma jovem dançarina de balé. O desejo da cliente era que as imagens tivessem uma “pegada” mais sensual. Nada de nu, no entanto. O problema – e por isso o profissional recorreu ao grupo – é que a jovem tem apenas quinze anos.
Envolver menores de idade em trabalhos fotográficos mais “provocantes” pode render uma boa dor de cabeça. Como ocorreu com a campanha para o Dia das Crianças da marca cearense de bolsas e sapatos Courofino, que usou uma criança de três em poses que foram consideradas sensuais, o que rendeu um enorme rebuliço.
A veiculação dos anúncios nas redes sociais e em banners foi seguida por uma enxurrada de críticas do pessoal do Facebook. Na segunda-feira seguinte ao dia 12 de outubro, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) recebeu 70 notificações denunciando a campanha, considerada pela coordenadora do Grupo de Pesquisa da Relação Infância, Juventude e Mídia da Universidade Federal do Ceará, Inês Vitorino, de “extremo mau gosto e desrespeitosa em relação às crianças”, e fruto de “ausência total de bom senso e de responsabilidade social”, na visão de Ana Celina Irulegui Bueno, presidente do Sindicato das Agências de Propaganda do Ceará (Sinapro-CE).
Resultado: a campanha foi retirada de circulação e a marca precisou desculpar-se com seus clientes, teve sua imagem arranhada e ainda pode sofrer sanção penal, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Também esse caso teve repercussão no grupo. Aqui o aspecto em discussão foi: qual o grau de responsabilidade do fotógrafo que fez as fotos? Seu crédito não aparece nas imagens divulgadas, mas me pareceu válido questionar se ele agiu corretamente, ao fazer as imagens solicitadas, ou teria feito melhor ao orientar seu cliente sobre as implicações dessa campanha – supondo que tivesse consciência dessas implicações.
O colega Armando Vernaglia Jr., que sabe bem como é o processo de desenvolvimento de uma campanha publicitária e por quantas mãos uma peça passa antes de ser liberada para circulação, ficou impressionado com a incapacidade da linha de produção desse trabalho em perceber o pepino que tinha em mãos. “Achei essa campanha de uma irresponsabilidade sem tamanho”, comentou Vernaglia.
Seu comentário resumiu o tom geral da conversa, porém houve quem considerasse a questão – a exemplo da própria mãe da criança envolvida – “muito barulho por nada”. Caso de Melissa Bizarro, que argumentou: “Achei um grande exagero a associação feita entre uma criança de calcinhas e a pedofilia, pois penso que, se for olhar por esse lado, crianças não devem jamais trabalhar em qualquer tipo de propaganda”.
Oziel Reichelt, porém, creio que tocou num ponto fundamental: “O problema que vejo é a pose, muito sensual para uma criança e que foi potencializada pela maquiagem exagerada. Deixaram-na adulta”. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 241-D), constitui crime: “Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso”. Considerando que a campanha tem evidente conotação sexual (ou sensual), e, portanto, a criança figura em condição constrangedora, a justiça pode julgar o caso à luz desse dispositivo legal.
O que nos traz de volta à questão da responsabilidade do fotógrafo e também ao caso do ensaio sensual exposto acima. A meu ver, houve erro na execução do trabalho. Da ideia até a finalização, passando até mesmo pelo fotógrafo. Também sou fotógrafo e a estética, a mensagem e a história de uma fotografia são responsabilidades quase que totais desse profissional.
Se formos falar de direção artística, composição fotográfica, mensagem subliminar, produção, contexto etc., não dá para ter outra reação senão a remissão ao sexo. A relação é direta e raramente haverá um adulto que não relacionará com sexualidade esse caso. O problema é que hoje em dia há profissionais que pensam em apenas apertar o botão da câmera, ora pelo cachê, ora pela simples falta de critério em seu trabalho.
Nas boas escolas de fotografia, aprendia-se “análise de imagem” e isso, infelizmente, está cada vez mais em desuso, o que causa erros de execução, como no caso citado. Produzir uma foto de uma criança ingênua ou de uma criança “sensualizada” é como apontar diferenças entre a água e o vinho. Em nada se comparam. É muito mais difícil criar uma conotação adulta numa menina do que mostrar sua pureza e ingenuidade.
No caso discutido, creio que faltou pulso firme do fotógrafo para dizer “não” ao briefing da agência e da marca contratantes. O que sugiro, agora como advogado, é: “NUNCA, mas NUNCA faça uma sessão fotográfica com menores de idade sem que haja o acompanhamento de um dos pais ou de um responsável legal. Jamais fique sozinho com um menor. Se for modelo profissional, o que é muito comum, peça para provar a emancipação. A emancipação possibilita à menor praticar alguns atos da vida civil, ou seja, contratar. Claro, ela continua menor, mas com responsabilidade de maior. É uma “ficção jurídica” prevista em lei. Mas depende de toda uma formalidade a ser praticada em cartório.
Fica um tema para reflexão: os pais muitas vezes projetam nos filhos o que queriam ser e não foram. Ou, então, veem o filho como uma fonte de renda. Para as meninas, os pais almejam que sejam a Gisele Bündchen e, para os meninos, o sonho é que se tornem o Neymar. No primeiro caso, recorrem ao book fotográfico e aos critérios de algum scouter (“olheiro”) de shopping center. No segundo, esfolam os coitados em escolinhas de futebol. Tanto agências de credibilidade discutível quanto escolinhas/peneiras de futebol igualmente obscuras faturam muito por conta dessa ansiedade. É um mercado, não uma fábrica de sonhos.
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