Fotógrafo na passarela

Estava previsto para ser uma conversa sobre fotografia de desfiles de moda. Para saber como é a rotina de quem fica ali no “pit”, acompanhando o caminhar gracioso das meninas esguias na passarela. Falou-se disso, naturalmente, mas não apenas, pois o interlocutor não se impõe cercados quando se trata de falar de (ou fazer) fotografia. João Américo Filippi, 30 anos, de Brasília (DF), não levou consigo a lição de segmentação dos norte-americanos: o que ele parece querer é abraçar toda a fotografia, e de todas as formas. Com um detalhe: sempre com profissionalismo.

Não se ouve um “não” desse autodidata desde meados de 2008, quando o psicólogo que fazia direção de arte largou a publicidade para estudar fotografia. Alguém precisa de uma foto de arquitetura? Chama o João. Aniversário de criança? É com ele. Tudo precedido por um cuidadoso estudo de como fazer a coisa certa, sem meter os pés pelas mãos. “Isso tudo porque me apaixonei pela fotografia como um todo. Entendi o processo físico basal que a norteia e, partindo dele, não vejo barreiras nem limites. O princípio é o mesmo. O desafio é estudar, entender e superar os desafios, as especificidades de cada área da fotografia”, explica.

Esse entendimento foi conquistado na raça. Na opção pelos livros em detrimento dos workshops, nas páginas da internet e em conversa com colegas de profissão. Como a lei que vigorava era a da economia, João optou sempre pelo bom e barato. Daí a opção pela iluminação portátil dos flashes, pelas técnicas de strobist: “Comecei fazendo muita coisa em locação externa. Mas, quando entrei em estúdio, já tinha muito domínio do que estava fazendo, pois a iluminação externa oferece muito mais desafios que o estúdio controlado”, considera, justificando a preferência por trabalhar do lado de fora. Se precisa de um estúdio, aluga (“e ponho na conta do cliente”). Também não possui equipe de trabalho fixa. A sua é do tipo “nas nuvens”.

João Américo: chamou, ele está aí (foto: autorretrato)

João faz de tudo, mas tem suas preferências: publicidade, moda e retrato. “Amo pessoas. Conhecê-las, mais ainda. Conhecer como fotógrafo é fascinante! Em todas essas três áreas eu tenho que lidar muito com as pessoas, especialmente a área de portrait”. Curiosamente, o que acha mais difícil fazer são casamentos. Pela carga emocional que envolve, pela impossibilidade de perder o momento e pelas obrigações extras: “Para fazer cada foto, temos os cuidados de marketing, artístico e emocional (dos clientes), que devem ser muito bem trabalhados e exigem bem de quem quiser se destacar”, observa.

“Mas, e a fotografia de desfile?”, você pode estar se perguntando. Pode-se dizer que João dá a ela a mesma atenção que às demais áreas. Chamou, aí está ele. Mas não é um segmento forte em Brasília, embora haja bons desfiles. Em geral, quem pega a pauta são fotógrafos sociais ou de moda, contratados pelas revistas ou “sublocados” por algum outro profissional que acabou tendo que pegar um casamento. Porém, tem a sua dinâmica própria e rende um cachê extra.

O maior problema de quem fotografa a passarela é lidar com a luz disponível. Usar o flash está fora de questão, pois descaracterizaria a cena. É preciso, então, contar com a perícia do pessoal da organização, o que às vezes é uma esperança vã: “Já fotografei desfiles em que a luz na passarela apresentava muitos ‘buracos’ ou estava muito mal posicionada, gerando as sombras de ‘olhos de guaxinim’. Uma lástima!”.

Como não dá para ficar se lamentando, o jeito é procurar o melhor lugar para se fotografar. E ficar atento à movimentação das meninas (ou meninos) para acertar a foto no local mais propício. E já que o movimento faz parte da equação, o disparo também precisa ser rápido. João inclusive abre uma exceção ao Jpeg (geralmente fotografa em Raw) para obter velocidade constante por mais tempo.

“Normalmente o pit é bem disputado! Todos nos encolhemos na busca de um espaço bom. E o pior é que podemos até pegar um lugar bom pra fotografar (na reta do lado de entrada das modelos na passarela), mas muitos desfiles inovam e mudam a direção ou a forma de entrada das modelos ou disposição na/da passarela. Assim, devemos estar preparados para essas eventualidades”, lembra o fotógrafo, que costuma usar uma 70-200mm para fotografar os desfiles. Não é regra: alguns usam uma 100mm e tem até gente com lentes 300mm claras (“pra pegar a foto da modelo assim que ela pisa na passarela”). O problema da 70-200 é quando os estilistas ou produtores se aproximam do pit para cumprimentar o pessoal no final do desfile. Nessa hora, é bom ter uma grande-angular preparada para entrar em ação. Do mesmo modo, algumas vezes os fotógrafos cobrem o backstage, tirando fotos de making-of ou das pessoas que trabalham nos bastidores, onde a grande-angular (ou uma normal) funciona melhor.

Imagens de backstage também fazem parte do trabalho

“Outra dificuldade é com modelos que piscam muito, olham muito para o chão ou andam mais rápido que o normal (por nervosismo, muitas vezes). O momento da passada das modelos também deve ser observado na hora de escolher as fotos, pois na hora de fazer não dá para prestar atenção em todos esses detalhes”, acrescenta João, que precisa apresentar ao cliente uma foto com o mínimo possível de distração visual: uma sombra ruim no rosto da modelo, pessoas no fundo da foto ou uma disposição de pés esquisita são alguns exemplos de distração. Apenas o look da modelo deve “brilhar” na foto.

Segundo ele, a melhor maneira de se habilitar a esse trabalho é estudando muito. “Isso significa: assista a desfiles, veja fotos bonitas de desfiles em revistas top do mercado, procure entender o que o fotógrafo fez para obter aquela foto (mais ou menos desfoque? Desfoque pela abertura? Pela distância focal da lente? Tempo de exposição rápido?). Treinando esse espírito questionador/analítico, a inteligência visual do fotógrafo é ampliada em muito. E, assim, se torna melhor nessa arte, independentemente da área específica de atuação”.

Para finalizar, ele deixa algumas dicas que vale a pena observar:

FAÇA O SOCIAL: “Em desfiles, costumam aparecer personalidades, como governadores, ex-presidentes, jogadores etc. Dependendo do veículo para o qual você esteja trabalhando, é interessante dar uma corridinha do pit e ir fazer essa fotografia social”.

CONHEÇA O LOCAL: “No pit [o espaço destinado a fotógrafos e cinegrafistas], muitas vezes você não pega um lugar bom. Assim, você deve entender as peculiaridades do lugar que você pegou e da entrada das modelos para poder escolher a lente mais apropriada para seu objetivo. No geral, o melhor lugar no pit é na reta de entrada das modelos”.

SAIA DO COMUM: “Há espaço, sim, para se propor algo artístico, diferenciado, sem ser o ‘boneco’ básico (conforme se observa em algumas fotos). Ficam imagens bem mais interessantes e bonitas para se abrir uma matéria. Mas, antes, deve-se garantir o básico, o feijão com arroz, que são as fotos mostrando todo o look da modelo”.

Famosos são comuns nos desfiles, seja na passarela, seja nos bastidores

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