Marcelo Bilevich: arte além do olhar

Marcelo Bilevich é um argentino que vive na Espanha e tem um expressivo trabalho fotográfico, especialmente no que diz respeito aos retratos e fotografias subaquáticas. Há duas coisas, porém, que seu impecável portfolio não entrega: Bilevich não é profissional. Realiza ensaios sob encomenda, é verdade, mas suas áreas de atuação são a computação e o design. Fotografia é tão somente uma paixão. Assim como o mergulho e o surfe, que ele começou a praticar quando garoto.

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Seu traço mais distintivo, no entanto, é a pouca acuidade visual. Marcelo tem baixa visão, condição que nem óculos nem cirurgia podem remediar, mas desde que pôs as mãos numa câmera digital, isso deixou de ser um impeditivo. Em 2012, ele ficou entre os finalistas de um concurso para diletantes da Photo e teve uma imagem – de um mergulhador praticando apneia – publicada na edição de janeiro daquele ano da prestigiada revista francesa.

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Marcelo Bilevich: “A fotografia é uma válvula de escape”

“A fotografia tem sido uma válvula de escape, e como ela tem me mantido próximo do mar, que mais posso pedir?”, pergunta Marcelo, que tem 49 anos de idade e cursou publicidade em Buenos Aires. Nascido em Mal del Plata (“o mar é como no Brasil, embora o clima seja muito mais frio”), começou a surfar aos quatorze anos, e o esporte o aproximou da fotografia: uma revista o contratou para fazer algumas fotos. Porém, fotografar com filme, tendo em vista sua baixa visão, era um exercício dispendioso, e Marcelo parou.

Ao fim do curso, com 24 anos, Bilevich decidiu escapar da profunda crise em que mergulhou a Argentina. Estabeleceu-se em Madri, na Espanha, na esperança de voltar assim que as coisas melhorassem. Porém, acabou se adaptando ao novo país e jamais retornou, senão eventualmente para rever familiares.

Dois mil e sete marcou seu reencontro com a fotografia, dessa vez sob os auspícios do digital. Praticar com base na tentativa e erro já não era um problema e Marcelo tratou de aprender por conta própria, uma vez que não havia escolas preparadas para ensinar alguém com a sua peculiaridade. Por outro lado, havia muita informação na web e foi ali que ele construiu sua base de conhecimento.

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Atualmente, embora amador, Bilevich realiza trabalhos para clientes, especialmente retratos. Como não vive disso, pode exercer sua criatividade na plenitude. “Quando alguém tem ideias muito diferentes das minhas”, explica, “simplesmente o encaminho para outros fotógrafos”. Também fotografa para exposições e tem um projeto envolvendo bailarinos. Além disso, segue fazendo imagens subaquáticas. Em abril, planeja algumas tomadas no mar das Ilhas Canárias.

Talvez pareça esquisito posar para um fotógrafo que não enxerga muito bem. Talvez, ainda, isso seja inadvertidamente entendido como um ato de caridade. Marcelo considera essas duas possibilidades, mas em geral derruba o estranhamento por meio de resultados. Segundo diz, não há qualquer subterfúgio para auxiliá-lo nisso, senão o foco automático da câmera.

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Foto publicada na revista francesa Photo

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“Eu sei para onde apontar – para focar a imagem tão bem quanto possível. Também tento manter, tanto quanto possível, as mesmas configurações da câmera. Vario pouco o ISO, velocidade do obturador e abertura”, revela, reconhecendo que a deficiência de certa forma confere maior notoriedade ao seu trabalho, em função do esforço que cada imagem exige.

Esforço, aliás, redobrado quando se trata de fotografar embaixo d’água: “Nunca disponho de assistentes que me ajudem e minha baixa visão é um obstáculo que às vezes complica tudo, mas é do que eu mais gosto”, afirma.

Ele começou a dar seus mergulhos em 2010, após comprar uma caixa estanque usada para acomodar sua Canon 5D. A primeira experiência foi na piscina do edifício de uns amigos, mas Marcelo já sabia o que devia fazer: havia lido livros a respeito. Dois anos depois, realizou sua primeira exposição sobre o tema, chamada Liquid – na verdade, um “work in progress” que ele pretende ampliar com o tempo.

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Apreciador de música brasileira e surfista ocasional, Bilevich vê similaridades entre esse esporte e a prática fotográfica: “É tudo muito rápido e você deve observar bem como se comporta a onda para poder surfá-la. Claro que na fotografia há mais planejamento, mas nem sempre tudo funciona como deve, então é preciso improvisar bastante”, compara.

Diante dessa perspectiva, ele não atribui à sua fotografia uma qualidade especial, um estilo particular: “Considero-me um fotógrafo amador que gosta de uma fotografia que deixe o espectador pensando pelo menos um momento”, define. No entanto, algumas características permeiam seu trabalho: o jogo de claros e escuros, o amplo alcance dinâmico e uma certa leveza nos retratos. “Creio que gosto de transmitir um bom estado de ânimo nos retratos que faço. Valorizo muito, como espectador, poder me sentir bem e até me divertir ao ver fotografias de outros fotógrafos. Para a dura realidade, já existe o fotojornalismo, não é?”.

Render-se à crueza da realidade realmente não é com ele: “Eu tento levar as coisas filosoficamente. Se eu não posso fazer algo por causa da minha baixa visão, antes de desistir, vou tentar muitas vezes!”, garante o obstinado Marcelo Bilevich.

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