Marcelo Buainain: entre a foto e o vídeo

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Após um período de quase dez anos longe da fotografia – profissionalmente, ao menos – Marcelo Buainain resolveu, em 2011, revirar os arquivos. Desde então, está em processo de retrospectiva e organização, digitalizando negativos e revendo trabalhos que a memória já havia esquecido. Um esforço braçal, ele reconhece, mas prazeroso na medida em que permite refletir sobre os caminhos trilhados desde 1984, quando o sul-mato-grossense, hoje com 50 anos, decidiu desapontar os pais e não “virar doutor” – se tornando, por outro lado, um reconhecido fotógrafo documental.

A revisão serviu para recolocá-lo no circuito, digamos assim. Algumas imagens foram submetidas a concursos e contempladas, convites para expor chegaram à sua caixa de e-mails e a participação em um projeto sob os auspícios da Fujifilm do Brasil, com curadoria de Rosely Nakagawa, está em andamento. Um novo site também foi lançado, para atender ao momento especial. Sinal de que Marcelo Buainain voltou para ficar? Ele não sabe.

“Seguramente estou de volta ao mundo da fotografia, porém não sei até quando…”, admite o fotógrafo nascido em Campo Grande, ciente do poder que o vídeo exerce sobre si, ao ponto de já tê-lo “sequestrado” uma vez.

Foi para rodar documentários que Buainain abandonou a fotografia. E o fascínio permanece: “O primeiro documentário que realizei, Do lodo ao lótus, aborda a história de um presidiário que descobre Deus e a Yoga dentro de uma solitária. Impressionante a reação do público diante desse filme. Na noite da estreia, 90% dos espectadores saíram da sala chorando. Confesso que, como fotógrafo, nunca vi nenhuma fotografia de minha autoria provocar derramamento de lágrimas”, compara.

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Puri, Índia
AUTO RETRATO DO FOTOGRAFO MARCELO BUAINAIN, RUSSIA 2011
Marcelo Buainain: retomada sem prazo definido

Marcelo acredita que a aventura com o vídeo veio cumprir uma missão. A espiritualidade perpassa seus filmes e é reflexo da experiência definitiva que teve na Índia. “É um país capaz de provocar grandes mudanças. Graças à Índia, pela primeira vez entendi o significado de alma e Deus. Graças à Índia, passei a me dedicar exclusivamente à fotografia documental. Graças à Índia, resolvi voltar ao Brasil para viver no campo. Tantas coisas aconteceram em minha vida graças à Índia!”, afirma.

No início da década de 1990, Buainain foi viver na Europa. Morou em Paris e em Lisboa, atuando como fotógrafo freelancer e abastecendo publicações brasileiras e europeias com reportagens e retratos de celebridades. O Nobel de literatura José Saramago, os cineastas Wim Wender e Pedro Almodóvar, os músicos Chico Buarque e Amália Rodrigues e a atriz Irene Jacob são alguns dos “troféus” acumulados nesse período. “Porém o homem simplório, o anônimo, é o que verdadeiramente me fascina”, diz.

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Romeira em Bom Jesus da Lapa, na Bahia, retrato feito por Marcelo no início da carreira

Atualmente, ele vive em Natal (RN). Fora, portanto, do eixo Rio-SP, onde tudo o que diz respeito à cultura acontece. A opção foi pela tranquilidade, o que tem deixado de fazer sentido, em vista das dificuldades crescentes da capital potiguar. E embora observe com interesse o surgimento de grupos empenhados em dar relevância à produção fotográfica do estado, o abismo a transpor é enorme, em sua avaliação. “Para se ter uma  ideia, a cidade de Natal, uma das sedes da Copa de 2014, não tem uma única galeria de arte e tampouco um espaço privado ou público para receber uma mostra com dignidade. É cruel, porém uma realidade”.

Outra realidade que merece ressalvas do experiente fotógrafo é a da atual produção documental brasileira, cujos meios empregados para contar as histórias são dos mais variados. Há grandes fotógrafos em atividade e, por intermédio da internet, é possível estar atento à maioria dos trabalhos, concede o artista. “Entretanto, em oposição a essa incontestável excelência, vejo algumas aberrações, onde a mediocridade ganha corpo e voz. Somos vítimas de um esquema perverso, egoísta, que, ao invés de alavancar a arte, contribui para o seu retrocesso. O mais grave é que tal fato não se restringe à fotografia, mas às artes em geral e em especial ao campo dos valores humanos. Hoje, se mata por esporte!”, enfatiza Marcelo.

MARGEM DO RIO GANGES, ÍNDIA
Margem do Rio Ganges, Índia

Na condição de fotógrafo autoral, ele sabe que garimpar recursos para viabilizar os projetos é uma constante. Por isso, recebe com satisfação as nominações em concursos internacionais: “São sempre portas que se podem abrir para novas conquistas profissionais”, acredita. Os últimos êxitos nesse campo, incluindo o prêmio Martín Chambi, em 2012, foram resultado do seu processo de revisão do acervo. Marcelo não costuma fotografar especificamente para concursos, mas recorre ao arquivo em busca de alguma imagem que se enquadre no perfil da competição. Segundo ele, por mais brilhante que seja um trabalho, tem que estar em sintonia com a filosofia do concurso. “Com base nisso, tenho alertado os colegas fotógrafos sobre a necessidade de rever os seus arquivos, dando a eles a mesma importância que geralmente atribuímos ao ato de fotografar”, aconselha.

JOSÉ SARAMAGO, PRÊMIO NOBEL
O escritor José Saramago, prêmio Nobel de literatura
Lisbon, Portugal
Lisboa, Portugal
Paris, France
Paris, França
Istambul, Turkey
Istambul, Turquia
Índia
Índia

 

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3 Comentários

  1. Sou irmão do Marcelo, fã n. 2, como me classifico, disputando o espaço com a companheira Patrícia (a n. 1 é a mãe). É sempre um orgulho ver o trabalho do Marcelo reconhecido; talento nunca lhe faltou, e ainda bem que tampouco lhe faltou coragem para contrariar o destino e o script familiar, que lhe destinava o consultório do pai médico, para pegar a estrada e fotografar sua maneira de ver o mundo. Buainain, sobrenome árabe, significa “pai dos olhos”, simbolicamente, “aquele que vê, enxerga”. É sem dúvida o caso do Marcelo. Parabéns ao jornalista Alcides, que produziu um belo texto.

  2. Como muitos proclamam, o futuro de um bom fotógrafo é sempre o cinema. Difícil não se encantar e não passear por alguns anos pela imagem em movimento.

    Não conhecia o trabalho do Marcelo, que prazer poder ver imagens de (mais) um fotógrafo brasileiro com tanta qualidade e linguagem num olhar. Sorte a nossa que ele decidiu reorganizar um material tão belo e rico para que pudéssemos ser agraciados de tal maneira. Lembrou-me muito Mccurry, especialmente pelos países onde as imagens da matéria foram feitas e pelos personagens.

    Encantado em ler o texto do fã Nº 2 do Marcelo.