Entrevista com Jorge Santos

Nascido em Varginha, uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, o fotógrafo Jorge Santos hoje é um profissional na área da fotografia noturna e natureza. Suas imagens já foram publicadas em diferentes livros e mídias nacionais, como também no exterior.

Depois de estudar arquitetura na Universidade Federal de Minas Gerais, ele teve seu primeiro contato com a fotografia através de um arquiteto com quem trabalhou no CETEC, Haroldo Nogueira. “Ele me emprestou uma Miranda, uma máquina analógica completamente manual, quando o sonho de consumo era ter uma Pentax. Aquele foi meu ingresso ao mundo da fotografia”, relembra Santos.

Em 1982, Jorge Santos viajou para a Europa onde ele morou 27 anos. Durante aquele período, ele retomou à fotografia, se aperfeiçoando até torna-se professor de fotografia noturna em algumas escolas da Espanha. Em 2009, volta ao Brasil e, desde aquele ano, ele não tem parada de ministrar workshops, cursos de extensão na Universidade e conferências.

PhotoChannel – Depois da sua longa experiência como fotógrafo e professor na Europa, quais são as diferenças que poderia estabelecer entre o tipo e estilo de fotografia espanhola com a brasileira? Existem diferenças?

Jorge Santos – Pois sim, existem com certeza. A fotografia é uma linguagem e você conta através dela tudo o que você é, o que você sente, escuta, ouve falar, ou seja, o que você é de fato. E as pessoas são “diferentes” em diferentes lugares do mundo. Devemos entender que a  fotografia é uma arte eminentemente visual, e o que os fotógrafos do seu entorno fazem, influenciam sobre o modo de perceber o mundo e o tipo de linguagem fotográfica que vai ser aplicado.

Ao chegar a Brasil, minha fotografia era muito “diferente”. Minhas imagens eram resultado de toda minha bagagem  de conhecimentos aprendidos na Espanha. Agora, 5 anos depois de minha volta ao país, posso dizer que sou um brasileiro fotografando. As diferenças entre o estilo espanhol e brasileiro é notório. Eu participava ativamente e ainda participo (não tão ativamente) de uma web espanhola dedicada a fotografia e minhas fotografias tinham bastante aceitação pelos membros desta Web. Quase pude notar como foi mudando a aceitação de meu trabalho a medida que me “abrasileirava”. Nós nos expressamos com aquilo que temos e algumas vezes é difícil assimilar trabalhos vindos de uma cultura diferente. Quando escapamos da ditadura cultural dos países mais ricos, acabamos por descobrir a enorme paleta de cores, de assuntos, de experiências que nós temos para contar.

Em resumo, apesar de ver claramente uma diferença entre a fotografia espanhola e a brasileira, seria muito difícil para mim explicar como são elas diferentes. Talvez, só conseguisse fazê-lo com umas quantas fotografias.

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– Como você percebe o mercado da fotografia de natureza?

Jorge Santos – Um mercado em processo de construção ainda. Infelizmente, não há muitos fotógrafos (em relação ao número de câmaras fotográficas, quero dizer) que abracem a fotografia de viagens e de natureza com seriedade e dedicação. Há trabalhos consistentes e inspiradores, mas o mercado de revistas e livros fotográficos ainda se recusa a pagar preços justos pelo trabalho de viajar, por exemplo, à Roraima e fotografar a montanha sagrada, o Monte Roraima. 

Sem querer diminuir de nenhuma maneira o trabalho de milhões, literalmente,de amadores por lá, sempre costumo dizer que amador é aquele que ama. Hoje em dia qualquer pessoa com uma câmara se vê como um profissional da fotografia, algumas vezes inundando as redes sociais com fotos de duvidoso valor artístico e muitas vezes estão competindo com o fotógrafo que passa a vida estudando, investe muito em equipamento, investe muito em viagens, e etc. Muitos editores não dão o devido valor ao trabalho daqueles dedicados fotógrafos.

No mundo da fotografia de natureza é onde talvez a inferência do amador seja onde mais se note, já que por exemplo, áreas como a publicidade, macrofotografia, retratos, fotografia de esportes exijam equipamentos mais sofisticados e mais conhecimentos teóricos do que a fotografia da natureza.

Por isso, acho que este mercado está em construção e cabe a nós, fotógrafos de natureza, ordena-lo, cultiva-lo, abraça-lo com todo o carinho e a dedicação que se merece e construir um mercado onde a dedicação, cuidado e a preservação da natureza, que todo aquele que se chama fotógrafo de natureza pratica, tenha o reconhecimento que merece.

PhotoChannel – Teria como compartilhar algumas dicas para realizar fotografias noturnas?

Jorge Santos – Com prazer. Vou dar duas dicas que para mim são muito importantes e não dizem respeito a esta ou aquela técnica. 

A primeira delas é pensar em não praticar a fotografia noturna sozinho. Aqui no Brasil e em todo o mundo (não pense que é só em nosso país), o perigo de se encontrar com um malfeitor existe. É muito recomendável sair em grupos. Não só em termos de segurança pessoal, mas em termos de aproveitar a experiência e o prazer que a fotografia noturna proporciona. A fotografia noturna é uma atividade que tem longos espaços de espera entre uma foto e outra. É perfeitamente possível que uma fotografia demore uma hora para ser tomada entre enquadramento, cálculos, e processo da câmara e é bem agradável ter um bom grupo de amigos para desfrutar além da beleza do cenário, de boas conversas noite adentro.

A segunda é chegar à locação das fotografias ainda no período diurno. Durante o dia você pode conhecer a locação, ver onde pode andar, por onde pode correr, o que às vezes faz falta, o que pode sair ou não na fotografia, enfim, você vai conhecer o que vai fotografar com luz. De noite, sua câmara enxerga muito mais do que você e se trata de controlar o máximo possível o processo fotográfico de dia para fazer a fotografia “boa” de noite. 

PhotoChannel – Tem alguma história para contar de uma surpresa fotografando natureza?

Jorge Santos –Bom tenho algumas divertidas. Uma me aconteceu em um deserto na Espanha. Las Bardenas Reales. É uma região desértica, ao sul da província de Navarra. O lugar era um antigo campo de tiro da Força Aérea Espanhola e é uma área militar em desuso, mas os militares ainda controlam aquele lugar. Pois bem, fomos com uma turma por lá para fotografar. E estávamos em plena atividade, usando os flashes e as lanternas no meio da noite escura, quando de repente nos vimos cercados, cercados MESMO, por soldados que nos apontavam armas gritando sobre o que estávamos fazendo naquele lugar. Meio amedrontados, dissemos que estávamos fotografando. O comandante da patrulha era um sargento, bravo, bravo mesmo, e dizia assim: Não nos enganem, que sabemos que a estas horas de noite ninguém pode fotografar. Mandou um soldado ir com um de nós a abrir o porta malas e ver o que tinha dentro. Abriu um por um o porta malas dos carros em que estávamos. Nestas alturas estávamos nervosos todos e eu estava morrendo de medo de acontecer alguma coisa ruim. O soldado que tinha aberto os porta malas retornou ao sargento e lhe diz: Meu Sargento, realmente só tem equipamento fotográfico mesmo. Só foi neste momento que o sargento se aproximou a uma das câmaras e pede pra que lhe mostrem o que estamos fotografando. Neste exato momento o homem profere uma expressão que não posso escrever aqui e diz, saindo mesmo de dentro do coração: “Nossa, mas que bonito”. E neste momento tudo se relaxou e os militares ficaram um bom tempo com a gente, perguntando como se faz isso ou como se faz aquilo… Foi sensacional! Mas tive medo por uns momentos, hehe!

A segunda, ilustrando um conselho que dei acima, se refere ao fato de que um de nós caiu em um túnel de uma mina abandonada, onde não conseguia sair pelos seu próprios meios e estivemos procurando o rapaz em questão por umas boas três horas e só pudemos encontrá-lo quando se fez de dia. Não escutávamos seus gritos porque o buraco onde havia caído estava escondido atrás de uns arbustos e ninguém imaginava que ele estaria lá. Esta é uma razão muito forte para que não saiamos sozinhos a noite a fotografar. Se há um acidente, de dia é mais fácil encontrar socorro que de noite. Não aconteceu nada a nosso amigo, só o susto, o frio e o medo.

PhotoChannel – Quais equipamento você usa?

Jorge Santos –Sou Canon. Utilizo uma câmara Canon EOS 5D Mark III. Tenho uma série de lentes ainda que a noite costumo usar a Canon EF 17-40 f4.0 L. Tripé, cabo disparador, vários flashes e varias lanternas. Houve uma época que até foguetes usei para as fotos.

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