Camila Butcher, fotógrafa de família

casam 2009

A paulistana Camila Butcher é uma fotógrafa que vive no passado. Não exatamente no sentido de que não há lugar para ela nestes tempos de tecnologia digital e redes sociais. Camila está até se modernizando: no momento, ela recheia um tumblr com fotos da carreira. Mas o tempo passado é o que a sensibiliza e move o seu olhar de artista experimentada, profissional desde 1977 e referência de um segmento do qual ela já decidiu se retirar.

– Tenho fotografado poucos casamentos. O mercado está saturado, mudou muito, tudo é muito suntuoso e perdi um pouco o barato de fotografar as festas hoje em dia.

Ao invés disso, Camila prefere se concentrar no trabalho autoral, algo que ela gostaria de ter começado a fazer bem antes. Está trabalhando em um projeto sobre os profissionais que fazem a segurança nos condomínios e bairros da classe média alta paulistana. Chama-se Guardas e guaritas e será um inventário visual desses trabalhadores anônimos e suas histórias. Algo talvez na linha de August Sander, de quem ela tem admiração: – Gosto muito dessa “fotografia inventário”, simples, direta, sem modismos ou “truques”, o que considero comum na fotografia hoje em dia.

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Regina Case e estevnao, 1999

Camila também está reproduzindo algumas fotos do álbum da sua família. Esse acervo tem um valor mais que simbólico para ela. Quando pequena, gostava de manusear as fotos da família e, através delas, “ver o passado”, ainda que não fosse assim tão distante: – Eu ficava sabendo como as pessoas eram, revia lugares onde a família ia, conhecia um pouco dos meus antepassados. Além do que, a imagem fotográfica me encantava demais. Escrevendo isso para você agora, me veio bastante nítido o fato de que até hoje eu me encanto mais por fotos que já têm um certo tempo – observa.

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Camila Butcher: fotografia social se perdeu em clichês

Aos álbuns somaram-se, mais tarde, as revistas: Fatos & Fotos, Manchete, Realidade, todas de uma época em que, ela recorda, a fotorreportagem era muito valorizada e os fotógrafos participavam ativamente da pauta. A seu tempo, Camila atuou na Manchete, como freelancer, assim como para Exame e Vogue, entre outras. Mas não acha que tivesse perfil de repórter fotográfico, aquele afã de conseguir a foto:

– Lembro uma vez que saí com um jornalista do tabloide Reporter, e nossa missão era dar um “flagra” numa certa pessoa que participava de tráfico infantil. Fomos eu e o repórter, como “casal” que queria adotar um filho e a meta era, na hora que a pessoa “desse a dica”, eu sacaria minha câmera escondida na bolsa e fotografaria o flagrante. Me lembro que eu rezava para que a tal pessoa não desse nenhum motivo para o flagra, o que acabou acontecendo. Gostava do jornalismo de ensaio, contar uma história através de algumas fotos e isso acabou me levando para o álbum de fotografia, onde podia editar, escolher tamanho, sequência de fotos, coisa que sempre gostei de fazer.

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Retrato feito por Camila durante seu primeiro casamento como profissional

E é desse modo que ela se vê, como fotógrafa de família (“gosto desse título”, diz). Antes, porém, de assumir essa condição, Camila ficou sete anos (de 1977 a 1984) como fotógrafa exclusiva dos eventos da TV Globo em São Paulo. Um período rico, na sua avaliação, especialmente por ter trabalhado com “uma pessoa muito bacana”, Carlito Maia, responsável pela programação institucional da emissora:

–Havia todo ano um torneio, chamado “Futeboys”. Naquela época, 1978, não havia motoboys, mas office-boys (sem moto, a pé ou de ônibus). O torneio acontecia no meio de uma rua do centro da cidade. Os office-boys de uma determinada empresa, por exemplo da Volkswagen, jogavam com o time de outras. Era muito legal. Além disso, o Carlito me pedia geralmente muitas cópias e isso me fazia trabalhar muito em laboratório, o que me deu muita experiência e, futuramente, me ajudou muito no Photoshop. Fotografava também as festas da Globo, entrega de prêmios etc., e isso me deu experiência com flash e fotografia social, que não tinha antes.

Denise

fotocolagem_2011

Sua trajetória nesta última área começou em 1989, quando a maioria dos que hoje estão no mercado sequer pensavam em fotografia. Hoje em dia há muita gente fotografando casamentos e Camila se cansou da rotina. Prefere não comentar, mas tampouco gosta de ver no que a reportagem social redundou, fruto dessa nova relação que a tecnologia digital estabeleceu com a imagem:

– A facilidade e quantidade de fotos que as pessoas comuns ou fotógrafos podem tirar, praticamente sem custo, me parece que fizeram com que o “ritual”, isto é, a concentração, dedicação ao ser fotografado ou ao fotografar, se perdeu em clichês fotográficos como “rostos juntinhos” e “V de vitória”, que são as poses de todas as famílias, grupos de amigos etc. É como se todo mundo passasse a ser igual e a fotografia deixou de ter aquela revelação de cada indivíduo, família, lugar.

Por isso é reconfortante olhar o passado, pois nele se encontram lições que não somem como simples modismos. Lições que Camila aprendeu faz tempo e que nunca são demais repetir, para o caso de você ter perdido os últimos anos se preocupando com pirotecnias, ao invés de se ater ao essencial:

– A luz é muito importante, saber fotografar sem medo, sem flash, saber ver a luz, afinal, fotografia é o registro da luz. Enquadramento, “saber olhar pelo quadro da câmera”, se movimentar ao invés de “movimentar a zoom pra frente e pra trás”. Mas, sobretudo, precisa haver uma certa troca real entre fotógrafo e fotografado e, para mim, o olhar fotográfico tem que ser simples, e trazer alguma coisa de dentro, algo que conte um pouco, como você vê o mundo – ensina essa genuína fotógrafa de famílias.

Marilia, 1992

casam regina e estevao 1999

bouquet carlos e pila_2011

Camila

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