Poucas coisas são capazes de fazer com que o mundo da internet praticamente imploda. E o trabalho do fotógrafo Tom teve esse poder. Quando começou a pipocar no Twitter a fotografia de uma menina com os cabelos em trança num vestido bege. A foto por si só já é de uma enorme delicadeza, mas lembrava algo muito familiar aos internautas.
Tratava-se de uma série fotográfica baseada na série ‘Anne with an E’ da Netflix. Anne é uma criança órfã adotada por dois camponeses, a personagem muito sonhadora está sempre em uma constante evolução, assim como a menina da foto de Tom. Anne é a representação de uma minoria em nossa sociedade, não pelo seu jeito sonhador, mas pela busca de seu lugar no mundo.
A menina na fotografia de Tom é sua prima, e ela é negra, diferente de Anne que é branca e ruiva. Para algumas pessoas esse fato não fez diferença na composição da imagem, por ser baseada em uma arte de pessoas brancas, mas algumas acharam estranho. Já a Netflix Brasil, que é muito engajada em causas sociais e na internet, surtou com a fotografia. Assim como a gente.
Nós conversamos com Tom sobre a criação de sua série. Confira:
Nossa sociedade tem passado por inúmeros momentos retratados na série como o machismo, racismo e homofobia. Como você vê o papel da fotografia na transformação social, e como conecta a sua série fotográfica com esses assuntos?
A Anne, como criança, precisou saber lidar com todas essas questões na série, assim como eu tento saber lidar com todas essas questões. Eu como negro, cresci não me sentindo representado vendo pessoas brancas em papéis importantes, assim como as mulheres que cresceram tendo que saber cozinhar só por serem mulheres ou um menino que cresce sendo proibido de ver Barbie na TV, e uma menina sendo proibida de brincar de Skate.
A intenção é também colocar as “minorias” no topo. Fotografando negras ou gordas, e vendo elas serem elogiadas, sem estarem despidas. Não como um produto, como há muito tempo havia. Colocando todas elas no topo, a gente consegue fazer com que pessoas como elas, se sintam representadas, e sintam que também são capazes de se sentirem tão lindas como elas.
Qual foi a sua intenção quando realizou esse ensaio?
Eu sempre amei essa série, não pelo simples fato de ter abordado questões extremamente importantes para a sociedade no contexto geral. Mas, pelo fato de ser uma história leve, com um lugar e uma maneira de olhar pra vida leve e simples.
Eu vim pra cidade pra rever a família, e me deparei com um mato atrás de casa, e lembrei da minha prima que tem uma idade/personalidade muito similar ao da Anne.
Foi incrível fazer as pessoas entenderem que tudo é possível quando se refere a arte, e nesse caso, foi mostrar o quão próximo uma inspiração também pode chegar do original, e o quanto as pessoas são iguais independente de cor e raça. Militei todo! (risos)
Você esperava uma repercussão como essa?
Eu sempre amei a minha arte, mas sempre duvidei da onde eu poderia chegar com ela. Talvez eu imaginei que um dia eu pudesse ter algumas pessoas que pudessem ver o meu trabalho, mas eu nunca imaginei que um dia eu pudesse me perguntar se eu realmente quero isso pra mim, e no outro, simplesmente a Netflix Brasil elogia o meu trabalho.
Por muito tempo as pessoas elogiavam e reconheciam quem estava protagonizando a foto, mas em nenhum momento lembraram de quem fez ela existir. E hoje, é muito bom publicar a minha arte e saber que tem alguém ali esperando pra ver, curtir, e apoiar ele.
Você sentiu o preconceito reagindo de alguma forma?
Eu passei horas ouvindo BTS e lendo as mensagens e as reações das pessoas, e eu vi algumas mensagens de pessoas complexadas dizendo que eu quis lacrar pra chamar atenção, ou que foi estranho eu ter chamado a minha prima de preta. (louco né?) As pessoas acabam esquecendo que por mais que a minha conta seja uma conta pública onde todo mundo acessa, ainda é uma conta administrada por mim, e que eu tenho o direito de dizer o que eu acho que tem que ser expressado, e assim, deixar as coisas muito bem ditas, e sofrer consequências, se for o motivo.