Fabio Stachi encerrou neste ano um ciclo. Desde o final de 2008, o fotógrafo paulistano formado em design frequentou prédios abandonados na companhia de modelos, elaborando um ensaio que contrapôs a atmosfera carregada e arruinada desses lugares com a beleza do corpo feminino. Batizado de Beleza do Caos, o trabalho, bastante repercutido, espera de seu criador um destino. Livro, talvez.
A ideia foi de Patricia Costa, namorada e modelo mais requisitada por Fabio, 30, que largou o design em favor da fotografia em 2010. Mas sua história com esta vem de antes: “Na adolescência eu costumava ‘roubar’ a câmera compacta de filme do meu pai e fotografava o mundo ao meu redor, involuntariamente descobrindo ângulos variados daquilo que via diariamente”, lembra o fotógrafo, que comprou sua primeira reflex em 2002.
Seus primeiros trabalhos foram com moda, produtos, shows e até alguns eventos. Mas a opção por fotografar pessoas foi se impondo, assim como o viés autoral. Amigos e a namorada foram seu campo de treino. O importante era ter o controle da situação, do conceito à pós-produção.
Assim, quando Patricia, que é psicóloga, falou de um prédio antigo no centro de São Paulo, os dois partiram na semana seguinte para o local, obtendo autorização para explorar e fotografar. Foi o início de uma paixão: “Acredito que lugares abandonados possibilitam no meu trabalho uma linguagem diferenciada, pois esses locais costumam possuir energias diferentes, talvez pelas histórias que já aconteceram ali”, acredita Fabio, que não pensou nisso como um projeto no princípio. Só depois de vários ensaios e uma reportagem para a televisão que a ideia de unidade surgiu, sob o nome Beleza do Caos.
Após centenas de imagens e dúzias de locações diferentes e inusitadas, Fabio e Patricia decidiram que bastava. “Acho que todo projeto bem elaborado precisa de começo, meio e fim, e o nosso precisava desse fim para se concretizar”, conclui o fotógrafo, satisfeito com a evolução estética observada no processo. Sua ideia é seguir a parceria com Patricia, nem tanto numa relação fotógrafo-modelo, e sim de um modo que abra espaço à colaboração artística de terceiros. Mas antes de virar a página, o artista falou sobre como foi todo o processo de execução de Beleza do Caos. Acompanhe:
Como era a escolha das locações? E quais foram os lugares mais estranhos que já fotografou? Procurando pela cidade, batendo em portas, pulando muros, pesquisando na internet, indicação de amigos etc. Depois que o trabalho começa a ficar mais conhecido, recebemos muitas indicações de lugares assim. Já fotografamos em hotéis, casas, uma unidade da antiga Febem, estações de trem, cinema, shopping center, igrejas, escola, fábricas etc. Tudo abandonado! Mas, de longe, o mais impressionante foi o manicômio na cidade de Brodowski. O clima, as histórias que cercavam o lugar, além do próprio cenário, eram de arrepiar! Tivemos a oportunidade de fotografar duas vezes lá e certamente foi inesquecível!
A modelo é sempre a sua namorada? Na maioria das vezes a modelo é minha namorada sim. Eu comecei esse projeto com ela e os gostos em comum sempre nos levaram a buscar por mais, mas já fotografei muitas outras modelos nas mesmas condições. Não é difícil encontrar pessoas com disposição para fotografar nesses ambientes.
Como é colocar uma modelo nesses lugares pouco salubres para fotografar? Na verdade, tudo se inicia com uma conversa e eu explico muito bem o conceito e apresento meu trabalho. Talvez, por preferir atrizes e performers, nunca ninguém se recusou a se sujar para posar, muito pelo contrário, sempre acabo me surpreendendo com a dedicação das pessoas nesse sentido. Não sei bem o que as motiva, mas a seriedade do trabalho cria esse laço de confiança e faz com que tudo funcione da melhor maneira possível.
Qual a estrutura que você transporta para essas locações, em termos de equipamento e de pessoal de apoio? A estrutura é sempre mínima, geralmente vamos a modelo e eu com a câmera, lentes e um rebatedor para a locação. Não utilizo luz artificial, então não há muito equipamento para transportar. Prefiro que o ensaio seja sempre mais intimista e pessoal, portanto procuro estar com o mínimo de pessoas presentes na hora do ensaio para que eu e a modelo possamos sentir melhor o clima do local e deixar as fotos seguirem naturalmente para um caminho mais realista, com uma dose certa de interpretação não exagerada, evitando poses forçadas demais.
Como você estabelece a linha do ensaio, há uma história que você procura desenrolar em cada local ou você deixa a coisa mais livre? Em quase todo ensaio eu começo a planejar a partir da locação. Estudo as imagens do lugar e depois disso começo a trabalhar o personagem, então escolho a modelo e com base no meu repertório artístico começo a trabalhar as poses pensando na interação do corpo com o cenário. Faço alguns desenhos das poses para levar no momento do ensaio e a partir daí a preparação é muito psicológica. Quando estamos na locação a coisa é totalmente diferente, a energia do lugar influencia completamente no trabalho e isso acaba levando para ideias totalmente distintas. Um exemplo disso foi o ensaio que fiz numa fábrica abandonada: chegando no lugar, havia uma imensa poça de água parada que refletia toda a estrutura abandonada do lugar, então abri mão completamente das ideias iniciais e fiz o ensaio todo ao redor da água. O resultado não poderia ter sido melhor! Procuro conhecer e passar um tempo explorando o local até começar a clicar. Uma coisa que sempre faço é manter o lugar do jeito que realmente é. Eu nunca faço alterações no ambiente, não limpo nem adiciono luz artificial. Procuro usar a luz que o lugar me dá e me ajusto completamente a ele. Acredito que aquele local está lá daquele jeito e que eu estou “invadindo” para trabalhar, portanto acho que meu dever é me adaptar a ele, e não ele a mim.
E como é o trabalho de composição, o que você busca captar em cada clique? O ensaio deve fluir como um rito de passagem. Quase como uma história (não óbvia), que possui uma ação de movimento. Sempre procuro deixar uma pergunta no ar ou falta de explicação para que o ensaio tenha um grau de interpretação por parte do espectador. Em alguns casos, uma única foto diz mais do que um ensaio inteiro. Meu objetivo é trabalhar com sentimentos que retratam os conflitos humanos. Quero que as pessoas sintam alguma coisa quando veem minhas fotos. Pode ser ódio, nojo, medo, repúdio ou qualquer outra coisa. Gosto de provocar.
E você como lida com a questão do sensual, que é bem presente, e esse contraponto com a aspereza desses locais? Eu nunca trabalho com a intenção de fazer um ensaio sensual. A consequência do ensaio pode acabar ficando sensual, mas nunca é o motivo principal de meu trabalho. Gosto de usar o corpo como forma de expressão, por isso muitas vezes acabo fazendo nus. Não busco a sensualidade. Na realidade, acaba sendo uma consequência natural. Gosto do nu porque roupas podem trazem alguma identidade para o personagem e acaba não provocando o espectador como desejo. O corpo nu é a mais pura expressão do ser humano, sem camuflagens ou máscaras. A relação do corpo em um local abandonado, a sujeira desse ambiente, mais o caos interno da pessoa ali retratada, se revelam como sentimentos inquietantes e conflituosos. Isso é o mais importante no trabalho.
Há também a questão da segurança. Já houve problemas em lugares assim? Como resolveram? E quais são as medidas que vocês tomam para evitar surpresas ou acidentes? Por segurança, procuro conhecer o local antes do dia do ensaio e conversar com pessoas que moram ou trabalham nas redondezas à procura de informações. Em alguns casos, já encontrei pessoas habitando locais abandonados por falta de moradia, e procuro sempre respeitar seu espaço, conversando com elas sobre a possibilidade de fotografar ali. Ninguém gosta de ter sua “casa“ invadida por desconhecidos, não é mesmo? Por isso, uma boa conversa antes de tudo é sempre bem vinda. Acidentes? Bem, ano passado caí em um buraco e por muito pouco não quebrei a perna. Uma calça rasgada e um pouco de sangue foi o máximo que me aconteceu até hoje.