Edição, a seleção natural

Há uma regra darwiniana que rege as relações da natureza: o mais apto sobrevive. Se transpuséssemos essa norma para o mundo das imagens, poderíamos supor que chegarão ao final do longo percurso iniciado na tomada de cliques até o álbum finalizado ou a parede do cliente apenas as melhores fotografias. Aquelas irretocáveis, tecnica e esteticamente.

08

Todavia, existe uma medida de subjetividade nesse cálculo que complica um pouco as coisas: definir a melhor imagem não é um processo cartesiano. Duas pessoas olham uma mesma foto e podem ter opiniões divergentes a respeito. E, no caso da fotografia comercial, há que se levar em conta o que diz o cliente.

“Editar é como ‘refotografar’ e cada editor, assim como cada fotógrafo, enxerga de uma forma”, aponta Vinicius Matos. Com base nessa última circunstância, o mineiro de Belo Horizonte elaborou uma estratégia: realizar duas edições diferentes. “Uma edição visando o cliente, onde em média escolho 10% das imagens clicadas e mostro apenas essas imagens e, nessas imagens, além das minhas prediletas, eu penso nas imagens pedidas pelo cliente, imagens e retratos posados, e nas pessoas que são importantes para ele”, explica o fotógrafo, que está há nove anos no mercado – um ano como empresário e o restante atrás da câmera. Ele também é diretor da Escola de Imagem, com sede na capital mineira e filial no Rio de Janeiro.

“O meu segundo tipo de edição é feito baseado em um álbum fine art que eu entrego ao cliente e que é 100% surpresa. Nesse álbum eu escolho as fotos: 100% preto e branco, com imagens grandes e, claro, poucas imagens, cerca de 60. Ele é a minha versão, como eu vi o casamento, desde o clique, edição e tratamento. Não há fotos posadas, normalmente eu procuro privilegiar os momentos”, completa.

Vinicius costuma “dar um tempo” antes de se entregar ao trabalho de edição, justamente para adotar uma abordagem mais racional do processo. Duas semanas é o que ele precisa para se “desligar emocionalmente” do evento: “Quando se edita logo após o evento, fica mais difícil escolher realmente as fotos boas. O fotógrafo acaba escolhendo o que o faz sentir mais emoção, e isso muitas vezes pode culminar em uma foto não tão boa, mas em um momento em que ele sentiu algo especial. Se você espera o tempo passar, esses sentimentos se amainam e a edição se torna mais imparcial”, justifica.

01
Vinicius Matos realiza duas edições: uma com as fotos que o cliente espera e outra, fine art e PB, com a sua visão do evento
Perfil-Vinicius
Vinicius Matos: “Quando se edita logo após o evento, fica mais difícil escolher realmente as fotos boas”

Mas há quem prefira privilegiar a emoção. Quando se trata de casamento, esse é um critério de peso na fotografia de Kamila Quintella e Iwata Jr. O casal de Rio Verde (GO) realiza uma média de 1200 disparos por cerimônia (600 por câmera). De 30 a 50 fotos são eliminadas na primeira triagem. Quando realiza algum ensaio, um book de gestante, por exemplo, Kamila reduz a conta a 160 fotos, das quais um máximo de doze é eliminado. “Excluo apenas aquelas que o flash não disparou ou a minha cliente piscou, um flash mal posicionado que a iluminação não ficou tão legal, bem pouca coisa mesmo”.

Como se trata de um ensaio no estúdio, onde os fotógrafos exercem absoluto controle, tudo se torna mais fácil. Se for uma sessão externa, para um book de quinze anos, a coisa muda de figura. “Geralmente são uns dois dias de ensaio. Nesse caso, tiramos em torno de 600 fotos e esse, sim, é o mais difícil de trabalhar a seleção de fotos, pois as meninas nessa idade são muito indecisas e cheias de complexos. São tiradas muitas fotos em muitas poses diferentes para que elas escolham as melhores”, diz Kamila, acrescentando que é preciso uma boa conversa depois para orientá-las em direção à melhor escolha, tendo por critérios iluminação, enquadramento, composição, postura da modelo e olhar.

Ela conta ainda que, uma vez realizado o ensaio ou evento, após passarem um pente fino, as fotos que sobreviverem a essa primeira peneira são colocadas em um site para que o cliente possa avaliar e fazer sua seleção. O tempo que terá para isso é de 30 a 90 dias. O próximo passo é o tratamento das imagens e a montagem do álbum, coisa de uma semana. Nessa etapa, alguma imagem que o cliente escolheu pode “dançar”, enquanto que outras, ignoradas por ele, mas consideradas essenciais para o álbum, entram.

“Muitas vezes, os clientes não têm um olhar mais diferenciado, preferem sempre aquelas fotos mais tradicionais, então sempre observo as fotos mais bem trabalhadas (artísticas) e incluo no álbum”, sublinha Kamila, destacando que, para bem do álbum, podem acrescentar algumas páginas, sem custo.

IWATA JR - fotos2
“Muitas vezes, os clientes não têm um olhar diferenciado”, afirma Kamila Quintella
Iwata-e-Kamila
Iwata e Kamila: sugestão funciona em 98% dos casos

Quando o cliente recebe a arte para aprovar, o casal explica o motivo da mudança. Em 98% dos casos, segundo suas contas, ela é bem aceita. “O álbum tem que ser do agrado do cliente, porém também deve estar em conformidade com as características de elegância e bom gosto, pois é isso que vai vender o nosso trabalho”, julga Kamila.

Fernanda Preto vê a questão mais ou menos da mesma forma. Conhecida principalmente pelos ensaios de nu, a fotógrafa natural de Cianorte (PR) e residente em São Paulo percebe um interesse maior dos clientes por seu fluxo de trabalho, especialmente em função do acesso que possuem a novas tecnologias, familiaridade com a fotografia digital, programas de tratamento etc. Acabam, assim, considerando-se aptos a dar pitacos no trabalho de edição. Fernanda dá uma margem para isso, mas, no final, seu olhar é que prevalece. “Quando [a cliente] contrata um fotógrafo, é porque gostou desse olhar, desse trabalho, e a edição é parte disso, não tem como desconectar”, afirma.

Fernanda realiza uma média de 600 fotos por ensaio e começa sua jornada “limando” as imagens com algum defeito. “Deletar o lixo”, como ela classifica. Dessa triagem sobrarão entre 80 e 120 fotos, que a cliente terá acesso por meio de um sistema on-line, e onde poderá dar sugestões de como gostaria de “tratar” as imagens. “Normalmente eu levo duas horas editando um material. Quando eu gosto muito do ensaio, demoro mais (rs). Depois disso, a cliente tem uma semana pra editar o material escolhido para o álbum”, acrescenta Fernanda. Depois disso, só verá o produto pronto. “Toda a diagramação e foto de capa, contracapa, sou eu quem escolho, pois isso também faz parte do trabalho. O produto final é o olhar do artista”, argumenta a paranaense.

FP_2013_007_00076_5DII
Fernanda realiza em média 600 fotos por ensaio
fernanda
Fernanda Preto: o produto é o olhar do artista

Seja como for, editar tem muito de serviço braçal. Vinicius estabeleceu uma rotina que permite acelerar bastante o trabalho (“a gente edita um casamento de 6 mil imagens em um dia e meio. Estamos treinados… he, he!”). Para turbinar o processo, ele sugere o uso de alguns bons softwares de edição. “Eu utilizo o Photo Mechanic, que carrega super-rápido as imagens em Raw e onde eu faço a minha primeira seleção. Depois disso, utilizo o Lightroom para fazer algumas correções e crops. O Photo Mechanic é super-rápido e agiliza bastante”, recomenda.

O mineiro, que apoia sua edição na tríade “luz, composição e momento” (“se eu tenho os três, perfeito, fico feliz. Se não tenho os três, eu priorizo momento (conteúdo) e luz ou momento e composição. Uma imagem só com um desses elementos normalmente é fraca”), diz que seu primeiro processo de escolha funciona por adição. “Eu não quero saber o que está ruim, mas apenas o que está bom e me interessa. Não perco tempo apagando nada. Apenas incluo, na primeira rodada de edição, as imagens que me interessam e mesmo aquelas que ainda tenho dúvida. Depois faço mais duas rodadas, já nas imagens escolhidas, tirando aquelas que eu tenho repetidas ou que não estão tão boas. Ganho muito tempo com isso. Antes, quando eu também excluía o que estava ruim, eu gastava o triplo do tempo. Essa dica vale ouro!”, garante.

 

Artigos relacionados