É concurso ou banco de imagens?

Foto de Alecsandra Dragoi, premiada na edição deste ano do prestigiado Sony Awards

Os concursos fotográficos estão no mercado da fotografia há décadas, no Brasil e espalhados por todo o mundo. A meu ver, é uma prática sadia, que promove a boa fotografia, o ato de fotografar e serve de incentivo para que essa arte seja disseminada cada vez mais.

A grande maioria dos concursos fotográficos é bem-intencionada, são sérios, e faço votos que haja um aumento a cada ano que se passa. Os prêmios estão cada vez mais convidativos, chegando alguns a oferecer R$ 130 mil ao primeiro colocado. Isso mostra que o mercado consumidor de fotografias no Brasil está aquecido, cuja ascensão deu-se, principalmente, pelo advento da fotografia digital.

Isso sem falar dos bancos de imagens, que estão de olho nos fotógrafos amadores, o que também possibilita a qualquer entusiasta da fotografia sair pela cidade em busca de imagens criativas, a fim de, no mínimo, ter uma renda extra.

Pois, falemos o óbvio: concurso é concurso, banco de imagem é banco de imagem! Não há como se confundir, correto? Nem sempre, pois o que (às vezes) vemos são bancos de imagens mascarados de “pseudoconcursos”.

Um exemplo desses “concursos/banco de imagem” que acabou ensejando uma repercussão considerável no mercado fotográfico e nas redes sociais foi o abaixo citado, promovido pela Globo Comunicação.

No item 12 do edital convocatório do referido concurso, há um texto enorme, confuso no seu léxico, cuja interpretação dá uma margem enorme para o fotógrafo que conhece um pouco de direitos autorais achar que há segundas intenções.

Vejamos (grifamos os temas polêmicos/dúbios):

“No ato da adesão ao Concurso e anuência ao presente Regulamento, através de sua inscrição, o Participante autoriza gratuitamente, em caráter exclusivo, irrevogável, irretratável, definitivo e universal a divulgação de seu nome, imagem e voz, bem como das fotos enviadas através do site http://g1.com.br/globonews e/ou divulgadas no Programa, bem como, autoriza à Globo o uso das fotos enviadas, em quaisquer obras audiovisuais por ela produzidas, podendo a Globo, portanto, a seu exclusivo critério, diretamente ou através de terceiros por ela autorizados, utilizar as referidas obras audiovisuais livremente, bem como seus extratos, trechos ou partes, podendo, exemplificativamente, adaptá-las para fins de produção de obras audiovisuais novas, obras audiovisuais para fins de exibição em circuito cinematográfico, obras literárias, peças teatrais e/ou peças publicitárias, utilizá-las, bem como a foto enviada e a imagem e voz do Participante para produção de matéria promocional em qualquer tipo de mídia, inclusive impressa, seja para fins de divulgação das obras audiovisuais, para a composição de qualquer produto ligado às mesmas (tais como, mas não limitados a capas de CD, DVD, Blu-Ray, “homevideo”, DAT, entre outros), assim como produção do “making of” das obras audiovisuais; fixá-las em qualquer tipo de suporte material, tais como películas cinematográficas de qualquer bitola, CD (“compact disc”), CD ROM, CD-I (“compact-disc” interativo), “homevideo”, DAT (“digital audio tape”), DVD (“digital vídeo disc”), Blu-ray e suportes de computação gráfica em geral, ou armazená-las em banco de dados, exibi-las através de projeção em tela em casa de frequência coletiva ou em locais públicos, com ou sem ingresso pago, transmiti-la via rádio e/ou televisão de qualquer espécie (televisão aberta ou televisão por assinatura, através de todas as formas de transporte de sinal existentes, exemplificativamente UHF (Ultra High Frequency), VHF (Very High Frequency), cabo, MMDS (Serviços de Distribuição Multiponto Multicanal), IPTV e satélite, bem como independentemente da modalidade de comercialização empregada, incluindo “pay tv”, “pay per view”, “near vídeo on demand” ou “vídeo on demand”, independentemente das características e atributos do sistema de distribuição, abrangendo plataformas analógicas ou digitais, com atributos de interatividade, ou não); comercializá-las ou alugá-las ao público em qualquer suporte material existente, promover ações de merchandising ou veicular propaganda, bem como desenvolver qualquer atividade de licenciamento de produtos e/ou serviços derivados das obras audiovisuais e das fotos enviadas, disseminá-las através da Internet e/ou telefonia, fixa e/ou móvel, circuito interno, ceder os direitos autorais sobre as obras audiovisuais e sobre as fotos enviadas a terceiros, para qualquer espécie de utilização, ou ainda dar-lhes qualquer outra utilização que proporcione à Globo qualquer espécie de vantagem econômica”.

Concordo que essa cláusula teria toda motivação de existir se fosse direcionada SOMENTE aos premiados/ganhadores. No entanto, vemos que logo no início do texto o organizador refere-se ao PARTICIPANTE.

Pergunto-me o porquê dessa abrangência, já que partimos do princípio de que somente interessa ao organizador a exploração econômica das fotografias selecionadas. As demais são descartadas, e por isso, não têm qualquer valor estético que as façam valer.

Nada mais justo do que o organizador ter o direito de comercializar as imagens vencedoras, pois a premiação prevista no edital é a contrapartida em favor dos ganhadores pela utilização das imagens.

Sabendo disso, o fotógrafo participante pode optar por submeter-se ao concurso ou não. O que nos importa é poder oferecer subsídios para que o colega de profissão possa interpretar a cláusula acima ou afins, e que não haja arrependimento posterior ao ver seu trabalho sendo comercializado, modificado, adaptado, explorado e ele não receber nada por isso.

 

 

MARCELO PRETTO é fotógrafo de moda, retrato e publicidade musical, com trabalhos internacionais realizados no decorrer de sua carreira, professor de fotografia e advogado atuante em São Paulo. Especialista em direitos autorais pela FGV e consultor jurídico a colegas fotógrafos, desenvolveu o módulo “Direitos autorais, direito de imagem e direito de fotografar”, com artigos publicados em revistas sobre o tema.

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