É incrível a diversidade e a quantidade de talentos que encontramos no Brasil e que muitas vezes não têm o espaço devido. A Tati é uma fotógrafa na qual eu tenho um profundo respeito, não só pela técnica apurada, mas também por todo o feeling que ela consegue passar com cada imagem. A Tati Itat de fato consegue contar uma historia inteira dentro de um único frame e cada foto te faz refletir sempre. Enfim, eu entrevistei a Tati e gostaria de compartilhar a história dessa incrível fotógrafa.
Pedro Antônio Heinrich – Tati, quando tu começou, por que começou?
Tati Itat – Há um tempo atrás eu mesma parei pra refletir sobre quando comecei a fotografar, e me dei conta que foi quando tive meu primeiro celular com câmera em 2009. Registrava meu cotidiano enquanto trabalhava como empregada doméstica na época. Gostava de fotografar o ordinário de forma que não parecesse ser o que era. Por exemplo, eu fotografava as panelas preteadas (quando o gás acabava), viajava naqueles grafismos, como também, fotografava a espuma nos baldes antes de faxinar. Sem falar nas “fotografias mentais” que fazia ao me perder nos grafismos presentes nas calçadas ou nos azulejos dos banheiros – se é que se pode chamar isso de fotografia.
Naquele mesmo período, eu estudava Licenciatura em Artes Visuais na UFRGS, e nas horas vagas trabalhava como modelo. Ali aconteceram duas coisas interessantes: adorava observar como as cenas, a direção e a pré-produção eram conduzidas; no entanto, me perguntava sobre onde estava a Tati, pois as imagens que eu via não correspondiam a quem eu era, ou em como eu me sentia, me via.
Outra observação, sempre achei o tratamento que recebia por parte das pessoas nesse ramo muito frio. Obviamente que não se importavam com quem eu era, o que se passava comigo. Eu era apenas uma “lata bonita” ou um “cabide” e era isso. Achava isso muito vazio. Ai, no final de 2013 ganhei minha primeira câmera DSLR com o intuito de fotografar paisagens incialmente. Acabei por fotografar minhas amigas nos finais de semana. Gostava da parte de dirigi-las, mas tentava fazer isso de uma forma menos fria e que pudessem se reconhecer sendo elas na fotografia que fossem receber. Ia brincando com isso esporadicamente sem muita preocupação, nem muito questionamento sobre.
De 2014 a 2016 trabalhava, então, com pessoas em grave sofrimento psíquico em centros de atenção psicossocial através da produção de arte, experiência essa possibilitada através de um programa de Residência Integrada em Saúde Mental pela ESP/RS. Nesse período, faço uma analogia sobre a minha forma de me relacionar, enxergar o outro, como se o estivesse exercitando o ato de fotografar o outro, porém, sem a câmera, mas através da escuta atenta e do olhar sensível, colocando-me, para tanto, na mesma condição do outro num processo de empatia, o que era um grande desafio. Essa vivência considero um divisor de águas na minha vida. Ao terminar a Residência, precisava tomar um rumo. O que fazer?
Enquanto não era chamada em concursos públicos para lecionar, fui me experimentando na fotografia. Mas agora era diferente, tinha tempo para me dedicar a isso. Eu já era outra Tati também. Esse caminho foi muito angustiante por vezes, pois não me via tão satisfeita com o que fazia, me questionava sobre o que eu queria com a minha fotografia…
Pedro Antônio Heinrich – Por que escolheu fine art?
Tati Itat – A necessidade de me expressar foi batendo mais forte também. O processo de autoconhecimento ao qual me permiti de forma mais profunda em 2016, simplesmente foi um gatilho para finalmente deixar vir quase que “à tona” o que precisava sair. Nesse sentido, me vi colocando os pés timidamente no mundo da fotografia fine art, sem nem estar tão a par deste conceito.
Pedro Antônio Heinrich – O que diferencia, atualmente, a sua fotografia Fine Art da fotografia convencional?
Tati Itat – Na minha opinião, a fotografia fine art se diferencia da fotografia convencional por possibilitar criações que atendam mais aos nossos desejos e pesquisas pessoais do que dos outros (do cliente), como acontece, muitas vezes, na fotografia convencional. Não quero com isso dizer que na fotografia convencional isso não seja possível, mas suspeito de que existe uma diferenciação neste sentido.
Pedro Antônio Heinrich – Você já consegue identificar os clichês dentro desse estilo?
Tati Itat – Como é muito recente que me vi nesse mundo da fotografia fine art não sei dizer com total convicção se já existem clichês. Acabo vendo trabalhos esteticamente parecidos, mas nem por isso posso afirmar serem clichês, uma vez que as ideias a serem expressas pelos autores podem ser distintas, embora executadas visualmente de formas semelhantes.
Pedro Antônio Heinrich – O que tu diria pra alguém que gostaria de fazer Fine Art, porém não sabe or onde começar?
Tati Itat – Acredito que uma pessoa que ainda não faz fine art e tem interesse, poderia estudar, analisar sobre o que a intriga, questionar por que fazer, formas de expressar isso de maneira que tenha significado, não somente para ela, mas para outros também. Na verdade, nosso trabalho não se encerra quando encerramos uma sessão fotográfica. Tem continuidade ao possibilitarmos que outros entrem em contato e a partir de sua bagagem ampliam as possibilidades de interpretação, de outros questionamentos e observações que talvez não se tenha imaginado inicialmente.
Pedro Antônio Heinrich – Como você faz pra pensar fora da caixa?
Tati Itat – Pode parecer contraditório dizer que para pensar fora da caixa eu recomendaria olhar para dentro (de si). Se autoconhecer leva às entranhas mais obscuras, inimagináveis ou disfarçadas, camufladas, e profundas, talvez, pouco exploradas. Conhecendo a si mesmo, descobrimos o que queremos, do que estamos necessitados – o que tem lá dentro que precisa ser expresso de alguma forma? Mas de que forma? Por que? Será? Uma pergunta leva a outra, e estas nos levam a encontrar respostas próprias.
Com o tempo vamos fazendo perguntas melhor elaboradas, que consequentemente, acredito eu, vão tornando mais elaboradas (no sentido consciente) sobre a execução das imagens-expressão em si. Permite construir uma identidade própria, que tantos fotógrafos almejam tanto e tem dificuldade – essa construção acredito ser um dever. Acredito que à medida que vamos nos transformando, nosso trabalho reflete isso também, e desta forma esta “identidade” é mutável, talvez metamorfósica.
Se permitir vivenciar experiências que nos tirem da nossa zona de conforto é outra grande dica para despertar pensamentos fora da caixa, como também, trocar ideias com pessoas inquietas que estão continuamente se reinventando. Tenho um amigo com o qual gosto de trocar ideias, costumamos brincar que nossos fios desencapados se conectam e curto-circuitos ocorrem = ideias as quais não teríamos chegado se nao as tivéssemos compartilhado.
Pedro Antônio Heinrich – O que te inspira?
Tati Itat – Pinturas de retratos femininos; andar de ônibus, pois é um momento que meus pensamentos se perdem nas paisagens através da janela, quase que um interstício social; observar as formas da natureza e pensá-las em outros contextos (vivo olhando para as folhas/casca que se desprendem dos coqueiros lá de casa e imaginando serem vestidos, abrigos, uma canoa ou uma flor se aglomeradas aos montes; mergulhar no oceano das pessoas e pensar de que forma poderia junto com elas co-criar, expressar algo de sua profundeza em fotografia.
Uma das minhas maiores realizações na fotografia fine art foi encontrar pessoas que me procuram com o desejo de se verem “retratadas” nesse estilo. Esta realização está interligada a outra que é sobre uma forma de conduzir as sessões através de um “mergulho” com a pessoa que vou fotografar, onde pensamos, criamos juntas. Acredito que, por mais que eu tenha as minhas necessidades de expressão, elas podem ser semelhantes às da outra pessoa, terem algum pontinho de convergência, e então, no momento que partilhamos isso, a expressão se torna mais forte, significativa.
Como também, nesse “mergulho” anterior ao ato de fotografar, pode ser que eu descubra que as minhas necessidades, ou expectativas podem ser muito diferentes das da pessoa que vou fotografar, e aí, também tem-se um desafio, o qual é excitante.
Tenho acompanhado a Brooke Shaden que tem um trabalho profundo e que esteticamente me atrai; assim como o trabalho do francês Thierry Bansront, especialmente as fotografias inspiradas em pinturas de retratos femininos do período neoclássico, e o trabalho contemporâneo da artista inglesa Amy Judd.