O Photoshop e a mamadeira

Já pensou em usar o Photoshop para uma foto mais natural? É o que poucos sabem de um importante papel da manipulação de imagem em nossa história recente da fotografia. Os adeptos da fotografia natural acusam o Photoshop de falsear a realidade na fotografia, enganando as pessoas e criando verdadeiras revoluções nos padrões estéticos. Além de generalizada e tendenciosa, essa acusação é injusta.

Jennifer in Paradise, a primeira foto editada no Photoshop, de John Knoll.
Jennifer in Paradise, a primeira foto editada no Photoshop, de John Knoll.

Para começar, não existe a tal foto natural. Quando estamos prestes a fotografar um momento, descartamos quatro dos nossos cinco sentidos e registramos apenas a visão. Ainda sim, o registro que fazemos está longe de ser o que de fato vemos. O ato de enxergar envolve as propriedades da luz, do material que a reflete e as modificações que a própria fisiologia da visão proporciona. Se a experiência vivida por pessoas diferentes gera resultados diferentes, como queremos dizer que há uma forma natural de representa-la?

Nossa visão é tão intrincada que até hoje possui mecanismos misteriosos à neurociência. O Photoshop possui duas ferramentas muito utilizadas que reproduzem uma ação automática de nossa própria visão. Uma delas é o contraste. Quando olhamos para um gato preto num quarto escuro de paredes brancas, o olho tenta enxergar as paredes mais claras e o gato mais preto. Isso facilita encontrá-lo e segui-lo com os olhos na penumbra.  Outra ferramenta do Photoshop que o olho humano já utiliza há milênios é o HighPass. Nossa retina é capaz de detectar bordas e transições e torna-las mais nítidas em um processo parecido com o que acabamos de relatar. Se o Photoshop for condenado, também teremos que condenar nossa visão.

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Além disso, não existe foto digital sem processamento de imagem. Os sensores das câmeras apenas fornecem números relacionados á luz que incide sobre sua superfície. A imagem mesmo é uma criação do sistema da câmera que os interpreta conforme escolhas subjetivas de seu fabricante.

A manipulação está na foto analógica também. Dizem que o poder de clarear o que interessa e escurecer o que não tem importância faz do Photoshop uma ferramenta de manipulação de realidade. Então também o faz o editor do jornal quando escolhe o que vai noticiar e o fotografo quando faz seu enquadramento e recorta a realidade da forma que mais lhe agrada. Até mesmo o ato de selecionar as fotos que vão ser impressas e as que vão ser descartadas em uma prova de contato é, em si, uma forma de manipulação e edição. Seria ingênuo acreditar que o Photoshop carrega sozinho essa culpa.

Manipulações intensas para revistas de moda acabam jogando um aspecto negativo sobre o Photoshop. | Foto: Rare Digital Art
Manipulações intensas para revistas de moda acabam jogando um aspecto negativo sobre o Photoshop. | Foto: Rare Digital Art

Se tivéssemos realmente que produzir uma foto natural, talvez tivéssemos que trabalhar com as panorâmicas em 3D. Ali, pelo menos, aquele que vai ver o registro pode escolher para onde olhar, feito o que fazemos no Google Street View.

Com tudo isso, podemos então dizer que o Photoshop é tão perigoso à sociedade quanto uma mamadeira: depende de como você usa e do que você coloca nele. Que o nosso bom senso nos guie para o melhor uso dessas ferramentas que tanto trabalham a serviço da experiência estética agradável e do bem estar visual. E que saibamos escolher quando não usá-la, desde que não seja pelo pré-conceito.

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