Direito autoral: Quem é o autor?

Foto: Danielle Hamilton
Esta foto fui eu quem clicou, mas reputo todo o crédito à amiga e excelente fotógrafa Danielle Hamilton, especialista em newborns. Meu baby tinha 9 dias de vida e a Dani estava ministrando seu workshop no Instituto Internacional de Fotografia, em São Paulo. Levei-o durante a aula prática, com o set todo já montado. Havia quatro looks de produção, todos com luz natural. Havia também mais nove alunas que iriam fotografar o “modelinho”. A única coisa que fizemos foi configurar diafragma, obturador e ISO. O resto já estava pronto. São nove alunas e eu quem têm a “mesma foto”

“Há uma grande diferença entre tirar uma foto e fazer uma fotografia”. A frase do norte-americano Robert Heinecken (1932-2006) vem bem a propósito de uma pergunta muito importante: quem, afinal, é o autor? Antes mesmo de entrar no assunto, tomei a liberdade de editar o slogan da maior agência do mundo de assessoria a fotógrafos, a Image Rigths, para explicar como o direto autoral funciona no nosso país:

Get paid for your work. It’s your image. You shot it. You created it. You own it. Now get paid for it” (“Seja pago pelo seu trabalho. Esta é sua imagem. Você disparou. Você criou. Você é proprietário. Agora seja pago por isso”).

Comparações entre as legislações estrangeira e brasileira serão abordadas em outro momento. Fiz essa introdução apenas para dizer uma coisa importante: nem sempre quem aperta o botão disparador da câmera é o autor da fotografia.

Por isso, a frase acima foi editada: excluí o termo “you shot it” (“você disparou”).

A Lei de Direitos Autorais (LDA – 9.610/98) protege as obras intelectuais e as define como “criações do espírito” humano. O legislador quis, com essa expressão (“criações do espírito”), homenagear a pessoa humana e sua capacidade de imaginar/idealizar algo em sua mente e executar aquilo que veio do seu íntimo, de uma ideia, de uma inspiração criativa.

É importante abrirmos um parêntesis e frisarmos que a “ideia” por si só não é amparada pela lei. Mas, uma vez exteriorizada através de uma obra (seja ela música, fotografia, pintura, coreografia, livro etc.), aí sim é totalmente amparada pela lei.

Voltemos então à definição de “autor”: é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. Já coautor é a pessoa física que cria em conjunto, não sendo considerado coautor quem apenas auxilia o autor.

Ou seja, toda pessoa que participa do processo criativo é considerada autora ou coautora. E mais: quem contribui com criatividade na obra (no nosso caso, fotográfica) merece o título de coautor.

Foto: Marcelo Pretto
Este é um autorretrato meu. Porém quem clicou não fui eu. Eu idealizei a foto, pensei na luz, na estética, nas gotinhas de água voando, na expressão de nocaute etc. Ou seja, além de ter a ideia, eu mesmo a produzi. Um amigo simulou o soco e meu assistente na época apertou o botão do disparador. Ora, quem é o autor?

A LDA privilegia a “originalidade” de uma obra. No entanto, tal originalidade não deve ser entendida como novidade absoluta, mas como elemento capaz de diferenciar uma obra da outra.

Segue, portanto, uma regra: quanto mais original a obra, maior será a proteção de que gozará. E, em consequência, maior será a indenização caso haja violação da LDA (quanto à indenização, falaremos sobre isso posteriormente).

Já vimos que quem idealiza uma fotografia e promove a sua execução é o criador – e, portanto, autor. No entanto, somente a execução de uma obra não confere àquele que “põe a mão na massa” a qualidade de autor.

Explico: a falta de capacidade técnica do autor para executar a obra (fotografia, por exemplo) não o descredencia como tal. Na verdade, podemos ter um criador de obra fotográfica que não seja necessariamente fotógrafo. Como? Ora, basta chegar uma pessoa em nosso estúdio, descrever como quer determinada foto com alguma riqueza de detalhes e nos contratar para executá-la.

Pergunta: quem idealizou a foto? O processo criativo foi de quem? Dessa pessoa ou do fotógrafo? Nessa hipótese, o cliente, por falta de capacidade técnica, precisou de alguém hábil para conceber uma ideia sua. Tal ideia nasceu de seu espírito, e não do executor (fotógrafo). Se esse cliente não exteriorizasse a ideia, talvez o fotógrafo nunca a tivesse e a foto jamais existisse.

Acho que ficou bem caracterizada a figura do autor, certo? No próximo texto, vamos tratar da autoria no contexto da fotografia social. Até lá!

  • Foto: DivulgaçãoMARCELO PRETTO é fotógrafo de moda, retrato e publicidade musical, com trabalhos internacionais realizados no decorrer de sua carreira, professor de fotografia e advogado atuante em São Paulo. Especialista em direitos autorais pela FGV e consultor jurídico a colegas fotógrafos, desenvolveu o módulo “Direitos autorais, direito de imagem e direito de fotografar”, com artigos publicados em revistas sobre o tema.

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5 Comentários

  1. Em um caso prático, será impossível provar quem teve simplesmente a idéia. Já que, quem fez o disparo tem a materialidade o arquivo para provar. Será que temos um caso prático, um processo com a sentença do juiz, ou vamos viver no mundo da imaginação?
    Sucesso! A publicação é super interessante, falta a visão dos tribunais para fundamentação.
    Falta julgamento com resolução do mérito.

    1. Olá Jonildo, tudo bem? Obrigado pela participação!
      Sim, o caso é de difícil prova realmente. Mas lembrando que a Lei de Direitos Autorais não protege a ideia, somente a idealização dela, ou seja, a obra (no nosso caso a fotografia). Nesse caso a prova testemunhal seria a mais cabal, porém ainda sim fragilizada em contrapartida com os arquivos fotográficos. Realmente é difícil provar, como já dito. O advogado tem que montar um conjunto probatório convincente… Como a proposta aqui não é falarmos um “juridiquês”, optamos por não colocar jurisprudências, privilegiando assim os comentários dos leitores. Obrigado novamente!!!!!!

  2. Marcelo, tdo bem?
    Tenho acompanhado alguns casos polêmicos, inclusive com decisão desfavorável para o “fotógrafo” (coloco entre aspas pq a atitude de alguns me leva a entender que são operários com atribuições específicas para registrar um evento), que abriu precedente jurisprudencial perigoso para o crédito de autor na fotografia.
    Vou levantar um exemplo e gostaria de ouvir seu parecer:
    “Em um espetáculo de dança (poderia ser de teatro tb) onde cenário, iluminação, figurino, coreografia, etc., foram concebidos por pessoas diferentes, o fotógrafo registra os melhores e mais expressivos momentos já que tem know how para fotografia de dança, então pergunto:
    De quem é a autoria daquele imagem espetacular que além da capa do jornal, poderá ser capa de revista, ilustrar outras matérias e até mesmo ser capa do livro com imagens da carreira deste fotógrafo?
    Para dificultar ainda mais, se é para desconsiderarmos o know how do profissional para este tipo de foto, partiríamos do princípio que um segundo fotógrafo que estivesse ao lado do primeiro, faria a mesma imagem espetacular já que tudo estava perfeito por causa de todos aqueles que idealizaram o evento?
    O fotógrafo em muitas das suas fotografias, não precisa montar a luz e o cenário como no exemplo do new born e da luva de boxe, por isso, a diferença sabemos que está na escolha da objetiva, abertura, ISO, velocidade, etc. e isso poderia acontecer tb no estúdio.
    Estive num workshop com o Duran e ele montou a luz, posicionou a modelo e antes de iniciar a sessão, fiz algumas fotos. Quem é o autor da imagem?
    Antes que possa responder, vou te dar mais informações já que não está vendo a foto: A luz era para ISO 100, porém escolhi na época um TMAX 3200 para trabalhar com a iluminação do haze, defini a abertura e velocidade, o enquadramento incluindo a silhueta do Duran, parte do haze e cliquei um momento natural da modelo que aguardava ser dirigida já que o fotógrafo estava nos explicando o que era mais importante para aquela direção…
    Então, situação semelhante ao do New Born, porém, a fotografia e do Duran ou minha?
    Eu entendo algumas questões pq realmente temos muitos operários da fotografia, mas o precedente de tirar o crédito de quem selecionou o quadro, esperou o melhor momento ou se antecipou a ele, não caberia a outra pessoa mas sim ao fotógrafo.
    No máximo entendo que poderíamos ter co autores, porém, quem é o autor da fotografia?
    Vc disse que no exemplo do New Born todos fizeram a mesma img, mas se vc tivesse mudado o enquadramento tendo outro resultado daquele mesmo conceito de iluminação, cenário e pose pronta do bebê?
    Fotografia não depende de uma super e espetacular encenação, iluminação, coreografia, cenário, etc., para registrar aquele momento, porém, todos estes profissionais dependerão sim do know how do fotógrafo para que aquele trabalho excepcional seja capturado com a riqueza de detalhes (ou não) que merecia ter.
    Se o trabalho final da fotografia não dependeu de outras pessoas, pq então desconsiderar a criação ou ter a menção de co-autoria para alguns tipos de fotografia?
    Espero que possamos crescer com estes questionamentos, pq minha intenção é ter argumentos para defender o que os fotógrafos oitocentistas sempre defenderam, “não é pq usamos os mesmos equipamentos ou fazemos fotos cuja características originais de cena são semelhantes, que teremos as mesmas imagens ou resultados”.
    Agradeço antecipadamente pela sua atenção e oportunidade em participar.
    Um grande abraço e fico à disposição.
    Ricardo Akam

  3. Olá Ricardo, muito boa sua participação.
    Vamos lá!
    Quanto à produção do espetáculo, cada profissional levará os créditos por aquilo que criou. Ou seja, são os direitos conexos ou de equipe. Por exemplo: coreógrafo, iluminador, figurinista, maquiador, etc. E o fotógrafo, se não for dirigido, se criar a foto “do seu espírito” conforme texto legal, será o autor individual da obra. Caso haja alguma intervenção criativa NA FOTO, começará haver co-autoria. Eu entendo que a técnica empregada de forma isolada (ISO/velocidade/abertura) não é obra protegida, mas sim mero meio para se chegar à idealização de uma obra, isto é, apenas técnica. O que importa para a LDA é a estética da fotografia e não o meio pelo qual ela fora feita (apear de nos EUA haver um precedente recente sobre reprodução de foto com colódio, salvo engano). No exemplo dado, um show ou espetáculo, há inteira liberdade de criação por parte do fotógrafo e dentro de um “zilhão” de frames que acontece ao vivo, através da criatividade, pode criar algo seu. Diferente do colega ao lado que fotografará o mesmo espetáculo, porém com outros olhos, e por conseqüência, outra estética. No caso do Duran, o conceito é o mesmo… você teve liberdade de criar? Mudar o “ponto-de-vista” já é criar, pois dá outra conotação ao fotografado, por exemplo: de cima para baixo: regra geral subestima o sujeito, já de baixo para cima, deixa-o mais poderoso. No seu caso, se não criou, a autoria é do Duran, se criou é sua. Mas pelo que vi, você incrementou criatividade e no mínimo, seria co-autor. Espero ter ajudado. Mantenho este espaço (Photochannel) e o grupo no facebook Direito na Fotografia (com quase 11 mil membros). Somente consigo responder neste dois espaços, mas fico muito honrado pelo link e pela confiança no nosso trabalho. Espero todos no grupo mencionado!! Sucesso a todos.

  4. Olá, achei interessante este seu post.

    Atualmente tenho a ideia de desenvolver um jogo e já tenho todos os esboços dos personagens. Sendo assim, eu preciso de um desenhista para realizar o trabalho e comecei a realizar pesquisas de mercado.

    Todavia, deixei claro que eu queria ter o direito de autoria e exploração exclusiva de imagem dos personagens e da marca. Tendo em vista que tenho tudo idealizado e devidamente documentado.

    Porém, os profissionais em questão alegam que os autores são eles e não eu.

    Isto seria uma verdade? partindo do princípio que se eu não tivesse a ideia, não descrevesse todo o processo criativo, não pagasse pelo trabalho e não assumisse os riscos a existência dos personagens, itens e cenários não existiriam?.

    Todos os profissionais que consultei alegam que não podem “abrir” mão de suas criações. O principal argumento é: “E se der certo? você vai ficar rico e eu ficarei como o criador do Superman?”

    Em momento algum eu pedi para que trabalhassem de graça e me dessem de mão beijada seus esforços. Nunca pedi a eles que abrissem mão de suas idéias, apenas acho que neste caso eles são as “mãos executoras” tendo em vista que todo processo já está bem documentado e definido. Eles só precisam seguir. Afinal, se nenhum deles aceitou trabalhar sem receber na expectativa do produto obter sucesso e então racharmos os lucros, por que eu tenho que arcar agora com o trabalho deles e no futuro se der ROCK eu tenho que dividir o bolo?

    Confesso que venho lendo muito à respeito do assunto e sinceramente, acredito que nossa lei de direitos autorais tem pontos frágeis se comparadas a algumas legislações equivalentes em outros países. Sei que há quem diga o oposto, que nossa legislação é uma das melhores do mundo. Porém, tem muitas coisas que não se encaixam no contexto atual, falta uma legislação específica em muitos casos.

    Em resumo: Não quero deixar de dar os créditos aos profissionais envolvidos, tão pouco deixar de pagar por seus esforços. Todavia, quero o direito de explorar sem restrições ou pagamento de royalties por um produto que em minha opinião é de minha autoria tendo em vista que tenho tudo documentado (desde a cor do cadarço do tênis até mesmo a personalidade dos personagens). Claro, que se neste período algum artista criar um personagem e me apresentar, eu não me importo de pagar royalties ou qualquer outra coisa que seja de direito destes profissionais além é claro de dar os devidos créditos. Só o que não quero é ser explorado e repartir um bolo tendo em vista que ninguém quis assumir os riscos juntamente comigo e optou por receber por seus trabalhos prestados independente de o produto dar certo ou não.