Câmeras fotográficas e smartphones: uma parceria na fotografia digital

Que a vida não é estática todo mundo sabe, mas há certas mudanças que ocorrem sem alarde e que passam despercebidas, mesmo acontecendo debaixo do nosso nariz. Foi o que se deu depois do advento da fotografia digital, ela própria uma mudança radical no mundo da imagem, uma vez que marcou sua presença entre os profissionais e amadores por sua praticidade, já que liberta o fotógrafo da trabalheira do laboratório e das incertezas dos resultados.

Mas os primeiros contornos surgiram lá atrás, quando a americana Fairchild Imaging produziu o primeiro sensor CCD (Charge Coupled Device), por volta de década de 70, com apenas 0,01 megapixel. Com aquela descoberta, algo foi posto em movimento e essa roda não parou mais, com a Sony lançando a Mavica, em 1981, uma câmera com apenas 0,3 megapixel, e que terminaria com seu sensor adaptado a um celular. Aliás, seguindo a tendência retrô mundial, que ressuscitou a Polaroid, a Sony relançou a Mavica, em 2014, gravando a foto, ou áudio, como no passado, em discos parecidos com CDs, com três velocidades e 156MB.

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Como na época o lançamento foi um tremendo sucesso, apesar da baixa qualidade  das fotos, outras marcas rapidamente adotaram o gadget, já que o mercado vive  das novidades que apresenta, e desde então todo celular que se preza precisa ostentar uma câmera, que passou a gravar imagens cada vez melhores em foto e vídeo, graças a uma evolução constante, a ponto de levar ao surgimento de um site exclusivo para suas fotos  –  o Instagram  – com reflexos nas redes sociais, chegando a jornais, revistas e estações de TV, que usam as fotos e vídeos, remetidos pelo público.

Com isso, grandes interesses foram despertados em agências e bancos de fotos como a Getty Images, o Image Bank, o Shutterstock, o Lumens, a Fotolia e a Bloomberg, entre outros, ao perceberem que poderiam usar fotos de amadores, não tanto por suas qualidades – a maior parte delas apenas razoáveis – mas porque chegavam a eles a custo zero e em grandes quantidades.

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Foto: José Américo Mendes

Dessa forma, tudo era uma questão de peneirar os melhores. E como consequência, as tradicionais equipes de fotógrafos foram sendo dispensadas, com os bancos abrindo seus arquivos aos novos “fornecedores”. Atualmente, apenas a National Geographic (NatGeo) mantém seus fotógrafos e cinegrafistas, embora aceite fotos e vídeos produzidos fora de suas equipes.

Hoje, qualquer um pode fazer um pacote com suas melhores fotos e remetê-las ao banco, ou agência, de sua escolha. Depois de submetidas a uma rigorosa análise em que a qualidade da composição, o equilíbrio de formas, o tema que, mesmo sendo livre, deve ser original, a execução e outros fatores são considerados, caso sejam aceitas farão parte do portfolio da empresa e poderão ser “licenciadas”, já que as fotos não são vendidas.

Ser admitido em uma dessas organizações não é fácil. Há todo um código de condutas e determinações a serem seguidas. O Shutterstock, por exemplo, tem uma publicação bem detalhada e repleta de links, que levam o candidato a cada passo para sua admissão, desde a documentação necessária ao seu ingresso até sugestões quanto à parte técnica das fotografias, de suas produções, da escolha dos temas, de equipamento, etc., mas também definindo os conceitos éticos que devem ser adotados, com contratos bastante rígidos. Tudo isso está no seu Guia de Sucesso do Colaborador.

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Foto: José Américo Mendes

Quanto aos clientes, eles recebem uma licença de uso e pagam por isso, sejam jornais, revistas, agências de publicidade e quantos   precisem   de boas imagens.  Os grandes usuários criam uma conta que lhes dá direito ao uso do material sem limite. De todo esse movimento cabe ao fotógrafo um percentual pela utilização de suas imagens.

Em meio a toda essa efervescência no mercado, em que celulares e câmeras lutam por espaço e talvez até mesmo graças a ela, surgiu um novo banco –  é o Prime, um braço do 500px, uma comunidade europeia voltada para fotos, na mesma linha do Flickr, mas que se especializou no licenciamento de imagens de alta qualidade com ótimo retorno ao fotógrafo (70%, contra 30% dos demais), a ponto de provocar um desconforto no mercado. A ideia do Prime surgiu depois que dois grandes bancos propuseram comprar os arquivos do 500px. Aliás, diga-se que a benesse do Prime em pagar mais é apenas porque além de ser um banco novo, precisa manter os associados, vindos de sua matriz e atrair novos fotógrafos em busca de uma renda mais vantajosa.

O valor das fotos para licenciamento e pagamento no mercado, costuma ser tratado com discrição, mas não é raro uma imagem ser cotada por novecentos dólares   –  é bem verdade que precisa ser aquela imagem, e um fotógrafo pode receber até cinco mil dólares em um curto período

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Foto: José Américo Mendes

Isso talvez explique porque tem tanta gente apostando todas as suas fichas neste novo filão e fazendo com que o Image Bank, o mais antigo dos “stock sites”, continue a ser o preferido, tenha mais de cinquenta milhões de imagens em seus arquivos e que as ofertas recebidas alcancem a média de trinta mil fotos mensais nas mais diversas categorias.

A questão do direito autoral, que costuma ser um assunto delicado, é pacífica e a matéria consta da legislação da maioria dos países, dentre os quais o Brasil se destaca como o detentor de uma das leis mais completas sobre a matéria. No caso de um conflito maior, se a questão ocorre, por hipótese no Shutterstock, será resolvida pela lei americana, onde se situa a matriz da empresa, em obediência ao que determina o contrato firmado entre a agência e o fotógrafo.

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Foto: José Américo Mendes

Outro assunto básico é que ao fotógrafo é sempre assegurada a propriedade da foto,  sendo comercializado apenas o direito ao uso da imagem, que nunca é exclusivo, ou seja, a mesma obra pode ser cedida para mais de um cliente, desde que não tenham a mesma atividade.

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Foto: José Américo Mendes

O licenciado, ou usuário, por seu lado, se obriga a mencionar o nome do autor em uma das margens da foto, se ele retém a propriedade da obra, ou do banco, ou agência, se a empresa a comprou  (Ilus 025).

É a chamada linha de crédito, que não tem  nada a ver com a parte bancária mas,  apesar das letras miúdas, convenhamos, confere uma projeção e tanto   para o fotógrafo em seu meio…

Agora me diga: houve, ou não, uma mudança enorme, com novos conceitos, novos usos, novas atribuições e novos caminhos na era digital? Afinal, aquela câmera, que surgiu apenas como um acessório a mais, já que a finalidade do celular é a transmissão de mensagens (pelo menos, era…), e que fotografava mal, tomou corpo graças à popularização daquele pequeno telefone, seguindo o rastro dos programas das câmeras mais sofisticadas, à ponto de chamar a atenção de grandes corporações, atingindo a todos os meios de informação visual, trazendo até nós os fatos no momento em que acontecem, fazendo de cada um, um repórter?

Há inclusive usuários de DSLRs que  olham a coisa com preocupação, como se as câmeras estivessem sob ameaça. Na minha opinião, ambas as tribos vão continuar a existir. Os celulares, até por uma questão de tamanho,  terão sempre limitações frente às câmeras, soterrados que são pelos lançamentos quase diários de novas câmeras.

E é isso aí!  De concreto mesmo é que a vida está sempre aberta às mudanças, que acontecem ainda que a gente não as aceite, ou não as perceba e desta forma nos cabe apenas registrar essa parceria nas fotos digitais…

O recado: E chegamos ao fim de mais um artigo. Que tal você dar a sua opinião sobre o que foi dito? O espaço é todo seu e talvez com isso surja um bom papo, com análises, críticas e novos posicionamentos. Opine, mas por favor, faça-o aqui…

O colunista agradece.

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