Notas sobre o Sistema de Zonas (Pt. 1)

O controle da quantidade de luz a ser admitida através da lente fotográfica para atingir o filme ou sensor digital é um dos requisitos mais fundamentais da fotografia. No caso da fotografia de paisagem, Ansel Adams, um de seus maiores ícones, foi um mestre nesse assunto tendo, inclusive, desenvolvido uma técnica que se tornou bastante popular para decidir a exposição de uma cena: o Sistema de Zonas.

No início dos anos 1940, Ansel Adams ensinava na Art Center School de Los Angeles e, em cooperação com Fred Archer, também fotógrafo e instrutor nessa escola, desenvolveu uma técnica para otimizar a exposição e revelação de chapas de filme preto e branco. Foi na década de 1930 que os fotômetros se tornaram amplamente difundidos e disponíveis para os fotógrafos, então uma técnica para combinar seu uso com a obtenção de negativos bem expostos e, posteriormente, bem revelados em papel fotográfico, fazia bastante sentido, especialmente na fotografia de paisagem, bastante rigorosa com os padrões de captura e apresentação das imagens.

Ansel Adams via o processo fotográfico como sendo constituído, basicamente, de três passos:

1)     A visualização da imagem, quando o fotógrafo deveria antecipar mentalmente a imagem desejada, tanto do ponto de vista da composição como das necessidades técnicas para sua execução, especialmente a exposição da cena no negativo e o controle da profundidade de campo;

2)     Execução da exposição, quando o fotógrafo deveria decidir que regiões da cena deveriam ser privilegiadas para exposição na chapa de filme, visando aumentar a probabilidade de obter negativos bem expostos;

3)     A revelação do negativo, quando o fotógrafo deveria tomar decisões sobre os parâmetros técnicos de revelação do negativo de modo a obter, posteriormente, impressões em papel com controle preciso dos tons de cada região da cena fotografada, tal como visualizada mentalmente.

Ansel Adams, comparando fotografia com música, costumava chamar o negativo de partitura (score) e a fotografia impressa de execução (performance). Assim, o Sistema de Zonas visava produzir as melhores partituras (negativos) para que a exibição da obra (fotografia impressa) atingisse o melhor nível técnico possível, a partir da pré-visualização cuidadosa da imagem pretendida.

A aplicação do Sistema de Zonas dependia do suporte fotográfico usado na captura da imagem, a saber, o filme preto e branco, com características de contraste bem conhecidas. A ideia básica do método consistia em dividir o intervalo tonal, desde o preto até o branco mais puros, em onze zonas (0 até 10), sendo a Zona 0 aquela apresentando o valor de preto mais profundo que o papel fotográfico poderia produzir, e a Zona 10 correspondendo ao valor de branco mais claro possível, no caso aquele do próprio papel (ver Figura 1). Assim, nas palavras de Ansel Adams, as áreas do assunto fotografado com valores diferentes de luminância seriam relacionadas a essas zonas de exposição e, a seguir, com os valores de cinza na impressão final.

Figura 1: A faixa tonal distribuída de acordo com o Sistema de Zonas

A Zona 5 correspondia à zona do cinza médio, o mesmo usado nos cartões cinza de refletância 18%, popularmente usados para decidir os valores dos parâmetros fotométricos necessários para obtenção de imagens bem expostas. Assim, a Zona 5 correspondia aos tons médios da cena, de forma que uma região um ponto de luz (um stop de luz) mais escura cairia na Zona 4, enquanto uma região um ponto de luz mais clara cairia na Zona 6, e assim por diante. Uma região na Zona 1 seria provavelmente escura demais para mostrar detalhe, assim como uma parte da cena que caísse na Zona 9 seria clara demais para que sua textura pudesse ser percebida. Dessa forma, as zonas de maior interesse seriam aquelas desde a Zona 2 até a Zona 8, sendo essa faixa chamada de intervalo textural por Ansel Adams (a faixa compreendendo as Zonas 1 até 9 era chamada de intervalo dinâmico).

Antes de descrever um procedimento típico para a utilização do Sistema de Zonas, é importante observar que os filmes preto e branco usados por Ansel Adams e seus contemporâneos tinham tendência a apresentar subexposição severa, ou seja, registravam zonas de sombra com pouco ou nenhum detalhe textural com facilidade. Por isso, era necessário expor para as sombras, isto é, determinar os parâmetros da fotometria para expor adequadamente as zonas de sombra de interesse.

Por exemplo, uma decisão usual era colocar as regiões de sombra densas na Zona 2 (na zona de sombras densas, mas com detalhes). Assim, um procedimento possível era, usando um fotômetro pontual, realizar a fotometria para a região de sombra de interesse, o que a colocaria na Zona 5 (pois o fotômetro, por força de sua calibração, procura sempre registrar qualquer cena como cinza médio).

A seguir, para as sombras ficarem registradas com a tonalidade correta (na Zona 5, essa região de sombras seria registrada como cinza médio), o fotógrafo deveria alterar a exposição, diminuindo três pontos de luz, de modo a forçar que essa parte da cena caísse na Zona 2, de sombras densas, mas com textura (ver exemplo na Figura 2).

Naturalmente, ao forçar uma região de sombras a cair na Zona 2, regiões da cena com outros valores de luminância cairiam nas demais zonas do sistema. Não havia uma preocupação crítica com as regiões de luzes mais altas, uma vez que, nas palavras do próprio Ansel Adams, a maioria dos filmes poderia manter separação e detalhe através das zonas 9 e 10, ou mesmo além dessas, e esse detalhe poderia ser impresso se modificássemos a revelação do negativo através de manipulação durante sua impressão. Daí o mantra popular para filmes preto e branco: expor para as sombras e revelar para as luzes altas.

Foto: Ansel Adams
Figura 2: Ansel Adams, “Clearing Winter Storm”, Yosmite National Park, 1940. Nesta fotografia, Adams identificou o ponto de mais alta luminância da cena, mas que ainda apresentasse textura (provavelmente as partes mais claras das nuvens), e o localizou na Zona 7, observando, a seguir, que os valores mais escuros das árvores cairiam na Zona 1. O valor médio para a floresta caiu entre as Zonas 2 e 3 (Ansel Adams, “Examples – The Making of 40 Photographs”, 1983, Little, Brown and Company)

O Sistema de Zonas foi muito difundido por Ansel Adams e muitos outros fotógrafos importantes, como Minor White, que o ensinou por décadas a gerações de fotógrafos de paisagem nos Estados Unidos. Sua importância tanto como técnica quanto filosofia fotográfica pode facilmente ser percebida pela grande quantidade de artigos e livros dedicados à sua discussão. Na parte 2 deste artigo mostrarei como podemos estendê-lo facilmente para o caso da fotografia digital, usando, para isso, todo o potencial de uma de suas maiores ferramentas: o histograma de luminosidade. Até breve!

Para saber mais:

  • Ansel Adams, The Negative, 1981, Little, Brown and Company (há uma edição em Português desse livro, publicada pela editora do Senac).
  • Ansel Adams, An Autobiography, 1985, Little, Brown and Company.
  • Ansel Adams, Examples – The Making of 40 Photographs, 1983, Little, Brown and Company.
  • Michael Frye, Digital Landscape Photography: In the Footsteps of Ansel Adams the Great Masters, 2010, Focal Press.
  • John P. Schaefer, The Ansel Adams Guide: Basic Thechniques of Photography (Book 1), 1999, Little, Brown and Company.
  • Barbara London, John Upton e Jim Stone, Photography, 10a edição, Pearson.

Foto: DivulgaçãoPRÍAMO MELO é professor de engenharia química na UFRJ, e de fotografia de paisagem no Ateliê da Imagem, no Rio de Janeiro. Suas fotografias podem ser vistas em http://www.priamomelo.com.br.

 

 

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