Calé: a busca pela espontaneidade perdida

Nos últimos anos, o fotógrafo Calé promoveu uma mudança profunda no seu estilo de vida. Trocou o Rio de Janeiro por Ibiraquera, uma praia sossegada no sul de Santa Catarina, onde tem se dedicado a meditar e conduzir seu trabalho autoral, deixando um pouco de lado a publicidade e os editoriais. Seu recente ensaio Elo, contemplado com o Prêmio Marc Ferrez de Fotografia e transformado em livro (lançado em setembro), é mais um capítulo em sua busca pelo equilíbrio.

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Elo, mais recente projeto de Calé: sentimentos reprimidos

“Tenho feito alguns trabalhos comerciais também pra ajudar nas contas. Adoro fotografar, e acho uma profissão deliciosa, mas é claro que gosto mais do meu trabalho autoral”, ressalva Calé, que é paulistano da Vila Madalena e tem 42 anos de idade. De fotografia já vai muito tempo: desde adolescente ele se serve dessa forma de expressão, facilitado pela prática amadora do pai.

“Mais tarde, em 97, fiz o Curso Abril, que me jogou no mercado editorial”, explica o fotógrafo, que assinou editoriais para revistas do calibre de Vogue, National Geographic e Newsweek, fotografou catálogos para marcas famosas e publicidades para grandes empresas. Este ano, porém, tem se conduzido no sentido de “desaprender” a técnica envolvida na moda e publicidade. “Hoje estou tentando recuperar uma espontaneidade que acho que se perdeu quando entrei no mercado profissional”, afirma.

Aliás, Calé vê o mercado fotográfico em crise. Não necessariamente por intervenção do digital, como muita gente costuma considerar, mas em função de uma grande mudança nas ações de marketing. “Por exemplo, hoje vale mais a pena pra uma lojista chamar uma blogueira pra escrever uma nota de nova coleção do que imprimir um catálogo, ela alcança às vezes um milhão de compradores imediatamente. E diversas pequenas mudanças como essa minaram o mercado. Jogar a culpa em profissionais jovens e cheios de talento com uma digital na mão é besteira”, argumenta.

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Código Ausente, de 2002, menção no Porto Seguro
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Calé: processo de ‘deseducação’ técnica (foto: Marian Starosta)

A preponderância do viés autoral na obra do fotógrafo teve início em 2010. Porém, alguns ensaios de Calé são mais antigos. Exemplo é Código Ausente, de 2002, menção honrosa no importante Prêmio Porto Seguro de Fotografia (hoje Prêmio Brasil de Fotografia). Depois vieram Tá de Caô?, Buscadores, primeiro prêmio no Concurso Iberoamericanos de Fotografia, e agora Elo.

“São todos trabalhos que refletem meus questionamentos interiores, meus conflitos, meu crescimento emocional e espiritual. Os temas acontecem ao acaso, geralmente é algo que me é urgente, algo de que tenho que falar. É como um compartilhar entre amigos. Mesmo no caso de Tá de Caô?, que é mais documental, só consegui editar o material depois que entendi que toda a minha raiva e sexualidade reprimidas me levaram de encontro ao mundo do funk e dos traficantes porque havia uma cura em viver aquilo”, analisa.

Elo traz textos do curador Diógenes Moura, do dramaturgo Pedro Kosovski e haicais de Madhav Bechara. Calé elaborou a estratégia de distribuir mil exemplares do livro pelo correio, em festivais e encontros de fotografia. “Criei uma lista de endereços com pessoas que eu achava interessante mandar o livro, clientes, e abri uma lista através das redes sociais para que pessoas de outros estados e menos acesso direto ao meu trabalho também pudessem receber o livro. E a reação das pessoas foi linda: recebi muitos e-mails de pessoas que ficaram tocadas profundamente com o trabalho, e a surpresa que foi receber o pacotinho em casa”, diz o fotógrafo.

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Buscadores: reflexões sobre identidade

Surpresa é uma das reações captadas nesse ensaio. Calé convidou alguns amigos para se abraçarem em público e registrou as expressões das pessoas que viam a cena. “É uma maneira de falar sobre nossos limites no amor, o quanto nos permitimos amar e ser amados. Escolhi trabalhar somente com homens porque nós somos os mais reprimidos, crescemos ouvindo que expressar amor ‘é coisa de viado’. Isso cria um buraco dentro de nós”, pondera, ciente de que a necessidade de manifestar afeto é uma condição humana – tanto que a experiência deixou forte impressão em seus amigos: “Alguns deles me agradeceram depois e disseram que, mesmo com 20 anos de amizade e parceria, nunca tinham permitido se derreter num abraço mais profundo. E é bonito ver que uma em cada cinco ou seis fotos traz uma expressão positiva, em que pessoas que estavam passando entram nessa performance e criam um ‘abraçasso’”.

Calé já está empenhado em um novo projeto. E outros mais estão em mente. Mas, mais preocupado em aguçar a espiritualidade, no ritmo lento de Ibiraquera, Calé não fixa data para nada. “Compromissos, só comigo mesmo…”

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