Brassaï: suave é a noite

Praticamente no mesmo período em que o escritor George Orwell perambulou por Paris com um punhado de francos no bolso, passando um aperto dos diabos (o relato está no excelente Na pior em Paris e Londres, 2006), Brassaï percorreu as madrugadas parisienses, fotografando a vida noturna da cidade, num ensaio revelador de uma faceta pouco glamorosa – mas nem por isso menos verdadeira – da “Cidade Luz”.

Nada mais natural que o fotógrafo, nascido na misteriosa Transilvânia e apelidado pelo escritor Henry Miller de “O olho de Paris”, tenha encontrado a matéria para sua grande obra na noite parisiense. Brassaï tinha gosto pela boemia. Na companhia irrepreensível de artistas como Salvador Dalí, do próprio Henry Miller, de Picasso e Jean Cocteau, vivia nos bares da cidade, de onde só saía quando fechavam, após o que se dedicava a fotografar os insones e os madrugadores de Paris: trabalhadores, guardas noturnos, sem-teto, prostitutas e malandros. Também registrou a quietude das ruas, aproveitando com maestria os jogos de claro-escuro que as últimas horas da noite ofereciam – muitas vezes, utilizando os faróis de seu carro para iluminar as cenas.

Brassaï começou seu ensaio Paris la nuit (Paris à noite) em 1929. Curioso é que ele não tinha até aí muito apreço pela fotografia. Após estudar arte em Budapeste e Berlim, Gyula Halász – seu nome de batismo – se mudou para a França em 1924, onde ganhava a vida como jornalista. A princípio, encomendava fotos aos amigos Eugène Atget e André Kertész. Por influência deste, adquiriu uma câmera Voigtlander e passou ele mesmo a produzir as fotos. Apaixonou-se pelo ofício, improvisou um quarto escuro em seu quarto de hotel e se tornou fotógrafo independente, a serviço das revistas Verve, Minotauro e Harper’s Bazaar. Com trânsito livre nos círculos culturais da capital, produziu uma série de retratos de Henri Matisse, fotografou Picasso e suas obras e grafites nos muros de Paris, trabalho este que o levou a expor no Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1948.

Mas foi Paris à noite que garantiu a fama de Brassaï. O trabalho foi publicado em livro em 1932 e é considerado um clássico, não apenas no que diz respeito à delicada técnica de se fotografar na penumbra da noite, mas como exemplo de ensaio primorosamente executado. Entre fevereiro e março deste ano, a Aliança Francesa levou a algumas capitais do Brasil uma exposição com imagens dessa célebre série. Segundo Yann Lorvo, diretor geral da instituição no país, “Brassaï soube com gênio e poesia captar e desvendar o segredo da luz e da noite. Essa visita em preto e branco nos bastidores da Cidade Luz se dá numa hora em que ‘todos os gatos são pardos’ e o tempo está suspenso para que os segredos e as paixões proibidas possam se expressar, numa versão parisiense inédita da Comédia Humana”.

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