Brasília no coração de Usha Velasco

Quando chegou a Brasília, na década de 1970, Usha Velasco encontrou-a com cara de cidade do interior: biroscas embaixo de árvores, bosques em quase todas as quadras, belas calçadas… Um lugar tranquilo, ideal para uma menininha que chegava do interior de Goiás e acostumada a viver em sítio. A impressão inicial permaneceu, e a Brasília das suas fotos transpira essa quietude de cidade pequena. Autora de um blogue no qual apresentou durante bom tempo seu olhar “caipira” sobre a capital federal, a mineira de nascimento fechou 2012 com a publicação do livro Uma outra Brasília. No caso, a sua.

Aos 45 anos, Usha é jornalista e faz objetos e móveis com sucata. Sua relação com a fotografia vem também da infância, das reuniões familiares em torno da “caixa de retratos” e dos “causos” que advinham dessa rotina. Aos quinze anos, ela começou a registrar suas viagens pelo interior do país e na faculdade de comunicação da UnB o aprendizado se intensificou, por meio de professores como o fotógrafo Luis Humberto. “E, nessa época (1988), formamos os Ladrões de Alma, o primeiro coletivo fotográfico brasileiro após a era dos fotoclubes. Éramos bem jovens, empolgados, criativos e durante mais de dez anos aprendemos muito juntos, especialmente com a nossa prática de editar coletivamente nossos ensaios, o que suscitava muitas e boas discussões sobre linguagem fotográfica. Essa experiência coletiva foi fundamental para a minha formação”, destaca a mineira.

O livro encerra um período da vida de Usha em que ela se habituou a fotografar Brasília, naquele seu modo intimista que de certa forma descaracteriza a cidade tal como estamos acostumados a vê-la. E tudo aconteceu de modo bastante natural: “Depois de morar durante oito anos num condomínio no Colorado, eu me mudei novamente para o Plano Piloto e meio que redescobri o quanto a cidade era bonita”, explica. “Comecei a carregar uma câmera compacta na bolsa e fui fotografando no dia a dia. Quando vi que a coisa estava rendendo, comecei a postar as imagens no blogue, com pequenos textos-legenda, às vezes um poema ou trechos de outros autores. Foi um processo bem diferente do que estava habituada a fazer, artisticamente falando (ter uma ideia, desenvolver um conceito, sair especialmente para fotografar dentro de um trabalho já planejado). Foi bem despretensioso mesmo, eu não tinha ideia de que esse processo ia se desenrolar durante mais de três anos (entre 2007 e 2010) e muito menos resultar num livro”, conta.

A edição contou com patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) e reúne 109 imagens selecionadas entre as que saíram no blogue. O livro também conta com textos de Luis Humberto, do jornalista TT Catalão, de Joaquim Paiva, maior colecionador brasileiro de fotografias, e dos fotógrafos e professores Marcelo Feijó, Susana Dobal e Rinaldo Morelli – estes três companheiros de Usha no Ladrões de Almas.

Usha não vê esse trabalho como um documentário do cotidiano da cidade ou algo do tipo. Ela prefere considerar as imagens a sua “coleção de figurinhas”. “Não acho que tenha feito uma documentação, mas um apanhado de visões muito particulares das pequenas belezas de Brasília, as pequenas coisas simples da vida, que me agradam por motivos bem particulares, ligados à minha bagagem e referências de infância”, explica melhor.

Ou então, podemos levar em conta o que escreveu no livro Marcelo Feijó: “Não é a Brasília do Jornal Nacional, com os políticos e seus poderes. Não é também a Brasília do cartão postal registrando a perfeição do encontro entre o urbanismo de Lúcio Costa e a arquitetura de Niemeyer. É outra”, afirma. “Encontramos reflexos, sombras, os pés da fotógrafa sugerindo que as imagens são mergulhos nas suas próprias inquietações, há um coração cravado a canivete no tronco da árvore. Há pichações em várias paredes. Grafites. A cidade está ocupada. É um lugar praticado”.

“Foi muito bom publicar meu próprio livro, porque a vida inteira trabalhei com publicações, fazendo jornais, revistas e livros para clientes… Também foi muito gratificante ver essa minha ‘coleção de figurinhas’, que eu considero muito singela e despretensiosa, registrada em papel e disponibilizada para o público. Metade da tiragem está sendo neste momento doada a bibliotecas públicas no DF”, revela a fotógrafa, que atualmente vive em uma chácara no Lago Oeste, vivendo uma rotina totalmente rural. “Pretendo começar a fotografar este cotidiano em breve, isso aqui é muito interessante…”, planeja.

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