Autoral: ‘Die Fesche Lola’
Referências que se cruzam: uma formação calcada nos livros e no cinema, a influência da música erudita, tudo traduzido numa fotografia etérea, marcada por temas épicos. Na cabeça de Susana Guedes, tudo pode ser entendido simplesmente por fotografia artística. É desse modo que a fotógrafa nascida no Porto, região norte de Portugal, 29 anos de idade, encara a sua produção.
Susana – aliás, Lola, que é sua persona artística – está no momento empenhada na série The book of tales (O livro dos contos), que ela diz ser uma representação fotográfica de personagens dramáticos. Até o momento, seu projeto assumiu três caminhos: de um lado a mitologia, de outro a reinterpretação de personagens de contos tradicionais e, por último, a visita a alguns personagens históricos.
“Inicialmente, a ideia iria se manter em criar uma foto por personagem, mas acabei por criar uma série para cada uma delas, selecionando uma fotografia específica que represente a série no The book of tales”, diz.
Boa parte do seu interesse por personagens épicos vem do canto lírico, que Lola praticou durante um tempo. “A minha paixão pelo mundo da ópera ainda se mantém, e estou certa de que muito do componente da história dramática, da beleza do detalhe, do lado etéreo, mas fortemente humano das personagens, vem desse meu percurso”, avalia.
Já a fotografia é herança paterna. Seu pai gostava de fotografar e incentivava a filha, munindo-a de uma câmera descartável sempre que ela tinha algum passeio da escola. Já nessas ocasiões, seu olhar desviava para coisas menos evidentes. “Mais tarde, deixou-me usar a Pentax analógica, de forma a conseguir perceber não só os elementos principais da composição fotográfica como também a mecânica da própria máquina. Desde então, com maior ou menor presença, a fotografia tem sempre acompanhado o meu percurso”, completa.
Apesar das influências bem marcadas – e coloque aí o cinema, especificamente cinema mudo e nouvelle vague –, o processo criativo de Lola é bastante intuitivo. Orgânico, como ela define: “Há, na base dos meus trabalhos, um forte componente literário e, muitas vezes, musical. Algumas das séries tiveram como mote músicas de Marissa Nadler, de The Doors ou de Agnes Obel. Vejo as músicas como outra forma de contar histórias. Por que não criar uma imagem que as acompanhe? Passo ainda muito do meu tempo a estudar fotografia dos primórdios do século 20. Há um misticismo próprio nas imagens dessa época que me deixa a pensar sobre a história que a foto deixa antever de forma muito sutil. Também gosto de caminhar, observar o movimento da luz, a conjugação das cores, a forma como o vento projeta elementos no ar. Tudo isso não só me inspira como me ensina a fotografar sob pontos de vista novos e diferentes”.
É a própria fotógrafa quem desenvolve os figurinos e a maquiagem das modelos das fotos. Para ela, assim fica mais fácil se manter fiel ao contexto inicial do trabalho. Boa parte da “produção” é encontrada após horas de pesquisa por peças vintage, especialmente das décadas de 1960 e 70. Outras veem de seu guarda-roupa ou são costuradas por ela mesma.
“Apesar de todo o trabalho que envolve, acaba por ser um processo interessante e até divertido (sobretudo porque o resultado final é sempre uma aventura), que me ajuda a ter um maior controle sobre a história que quero contar, e da forma exata como a quero transmitir”, afirma Lola, que extraiu seu apelido da personagem de Marlene Dietrich em O Anjo Azul (1933). “Durante algum tempo andei a trautear constantemente a música ‘Die Fesche Lola’, parte desse mesmo filme, o que me levou por adotar o ‘Lola’ como nome artístico. Surtiu tanto efeito que, mesmo no meio pessoal, comecei a ser tratada por ‘Lola’. Quando comecei a publicar algum trabalho on-line, decidi aproveitar esse nome e a ligação com a atividade em si. De forma muito simples e clean surge ‘Lola e a Fotografia’ como a forma como a Lola vê o mundo através da lente”, explica Lola. Aliás, Susana Guedes.