Altair Hoppe: ainda é tempo de plantar
Uma sala minúscula escondida atrás do último estande na PhotoImage Brasil de 2001, falando basicamente para ninguém. Foi desse modo que Altair Hoppe, 40 anos completados hoje, começou a sua trajetória como palestrante e divulgador das maravilhas da edição de imagens. Atualmente, quase todo espaço da feira latino-americana de tecnologia da imagem, cuja 22ª edição ocorre de 26 a 28 deste mês, em São Paulo, tem alguém demonstrando produtos ou conversando com os visitantes, mas foi só nos últimos anos que a feira compreendeu o alcance daquilo que começou “clandestinamente” naquela sala, treze anos atrás.
“Comecei a falar e não tinha ninguém para ouvir, sem uma viva alma. Mas tinha que começar de alguma forma. Dei uma de louco”, lembra Altair, atualmente um nome reconhecido no meio fotográfico: editor, autor de livros sobre Photoshop e principalmente um disseminador de conhecimento para o mercado que atua. A estratégia, naquela ocasião, deu resultado: aos poucos, foi juntando gente para ouvir o sujeito magricela e cabeludo que falava sobre algo que poucos tinham ouvido na época. Passou os quatro dias da feira falando. Desde então, não parou mais.
Causa estranheza ao próprio Altair, “low profile” assumido, que seu nome tenha ficado tão conhecido – a ponto de servir como consultor de Photoshop da programação da TV Globo. A timidez, no entanto, foi suplantada pela necessidade. Numa época de pouca informação disponível, internet quase inexistente e nenhuma interação com outros profissionais, o catarinense de Presidente Getúlio precisou suar para aprender os rudimentos do que hoje é a sua especialidade. Ao tomar controle dessa informação, teve uma atitude que mudaria a vida de milhares de fotógrafos e profissionais de imagem: decidiu que precisava compartilhá-la.
Essa postura tem sido a marca de Altair Hoppe. Da descoberta feita na PIB de 2001 – de que havia um mundo de gente querendo entender o que ocorria com a fotografia, sacudida por mudanças profundas proporcionadas pela troca de tecnologia – seguiu-se a publicação do seu primeiro livro, Adobe Photoshop para Fotógrafos. O livro completou uma década este ano e é um clássico. Também um pioneiro: a oferta de material técnico sobre fotografia em 2004 era muito pequena. Altair varou noites e em seis meses entregou o livro à editora para a qual trabalhava. O livro estourou. Rendeu sete edições e vendeu mais de 20 mil exemplares. Para o autor, saiu no momento certo: a transição tecnológica se acirrava e nas lojas de fotografia havia demanda por conhecimento sobre manipulação de imagens. De 2004 a 2010, Altair se ocupou de escrever as sequências do Adobe Photoshop, gravar DVDs com técnicas retiradas desses títulos e outro livro, de introdução à fotografia digital. No total, publicou cinco livros e três DVDs. Mas nem isso deu conta da necessidade premente por informação, como a caixa de mensagens atulhada de dúvidas comprovava.
O jeito foi cair na estrada. Altair passou a percorrer o Brasil realizando workshops, o que era outra inovação: “Nesse período não existia essa coisa de workshop”. As salas lotavam para ouvir a novidade que o catarinense trazia. Mas havia outras coisas que o pessoal queria saber, principalmente lojistas que viam seu negócio de revelação ruir e encontravam no estúdio – até então o “patinho feio” das empresas – a salvação. Altair começou a viajar pelo país e convidou o fotógrafo italiano Danilo Russo, especialista em moda e estúdio. A audiência continuava aumentando, “era um auê danado”.
Nessa época, Altair e Danilo visitaram lugares onde ninguém pensaria em ministrar um curso. Estiveram em Palmas, no Tocantins, Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, Teresina, no Piauí. “Ainda hoje, quase dez anos depois dessas viagens, esses mercados ainda não são trabalhados com o tamanho do seu potencial. Pensam que as pessoas não têm interesse em conhecimento por lá. Mas têm, e muito, é viável e isso ajuda a fortalecer a fotografia em todo o país”, defende.
Com a experiência adquirida nessas peregrinações e sabendo o que estava ocorrendo no mercado, Altair propôs realizarem um congresso de fotografia de estúdio em São Paulo. “A primeira coisa que ouvi ao falar do congresso foi: ‘Não vai dar certo’”. Na época, havia congressos, mas o formato que Altair pensou foi algo que revolucionou a forma de aprender fotografia no Brasil. Ele bancou a ideia e, em novembro de 2008, foi realizado o Congresso Brasileiro de Fotografia de Estúdio (Estúdio Brasil), reunindo em São Paulo nomes consagrados da fotografia e com mais de 750 pessoas na audiência – lotação máxima. De certa forma, foi uma continuidade da experiência realizada na PIB em 2001 e nos anos subsequentes, quando se chegou a montar um pequeno estúdio no estande da editora na feira.
Depois do Estúdio Brasil, Altair criou o Wedding Brasil. Mesmo modelo, mas direcionado a um segmento que buscava se afirmar. Então, a fotografia de casamento carecia de referências, os principais nomes ainda estavam usando filme e havia certo preconceito com quem exercia a profissão. Realizado em abril de 2009, também em São Paulo, o Congresso Brasileiro de Fotografia de Casamento foi um passo importante para a valorização do mercado social. “Era vergonhoso ser fotógrafo de casamento, mas graças a muito trabalho e ações para compartilhar conhecimento e técnicas, hoje é um dos segmentos da fotografia mais valorizados”, avalia Altair.
O Wedding Brasil também fechou um ciclo pessoal: fim da sociedade que manteve durante três anos, saída da editora Photos que ajudou a construir e um recomeço, praticamente do zero. Uma sala, uma mesa e um computador. Assim, Altair iniciou em 2009 uma nova etapa, dessa vez como proprietário da iPhoto Editora.
O que se seguiu até aqui pode ser resumido em números: mais seis congressos inéditos de fotografia, mais quinze livros de outros autores publicados e vinte DVDs. Congressos como o PhotoShow, que inaugurou o modelo de itinerância pelas regiões do Brasil – “não tinha congresso fora de São Paulo”. O primeiro PhotoShow ocorreu em Florianópolis (SC), depois houve uma etapa em Salvador (BA), outra em Goiânia (GO), ainda falta chegar à região Norte. “A gente abriu o mercado”, afirma Altair, que, no entanto, ressalva: não se trata de uma questão de mercado. É uma questão de filosofia.
“A raiz desse trabalho é estimular a informação. Um mercado que não produz conhecimento não tem futuro. Temos que apostar na formação de referências”, justifica Altair, para quem o País não valoriza seus talentos como deveria: “Um país que não tem autores, não tem obras, não tem pilares, não vai ser respeitado”, argumenta.
Mais do que estabelecer um modelo de negócio e expandir suas bases, de modo que o mercado em si se beneficie com melhores procedimentos, políticas mais adequadas e uma relação mais equânime entre seus pares, Altair Hoppe vê na sua trajetória uma missão. Ele é um semeador, e o que planta é a informação.
Talvez seja tempo de colher. Altair diz que não. O plantio está no começo, ainda é preciso cuidar da terra, vigiar os ventos. “Esse esforço nos últimos dez anos permitiu ao mercado formatar uma base dentro do Brasil. Só isso foi um grande passo. Mas é um trabalho inicial de formação de um mercado que pode ser muito melhor. A fotografia antes servia apenas como registro individual e familiar, mas hoje as pessoas têm a fotografia como um meio de expressão social. A fotografia está presente no ciclo de vida das pessoas, desde que nascem até a sua velhice, está presente na vida de 200 milhões de pessoas aqui no Brasil. Esse é o futuro que nós temos”.