Direito: uma decisão a se comemorar

“Memphis”, uma das fotos contestadas na ação. Comprada por Jonathan Sobel por 250 mil dólares, foi posteriormente vendida pelo autor, em tamanho maior, por mais que o dobro

Uma decisão recente de um tribunal nova-iorquino foi motivo de comemoração para os fotógrafos dos Estados Unidos – com possíveis benefícios para seus colegas de outros países, já que lançou luz sobre a delicada relação entre a autoria de uma obra de arte e os direitos patrimoniais que um terceiro detenha sobre ela.

O caso teve início em abril do ano passado. Jonathan Sobel, um colecionador de fotografias, entrou na justiça contra o fotógrafo William Eggleston, de quem o reclamante possui 190 obras, depois que este imprimiu novas versões das imagens e as vendeu por um preço superior ao que as fotos em seu poder valem. Sobel o acusou de fraude, alegando que foi levado a crer que estava comprando impressões de edições limitadas, e que, portanto, Eggleston violou “a letra e o espírito” da lei nova-iorquina que regulamenta esse tipo de obra. “O valor comercial da arte é a raridade, e se você fizer mais dela, ela se torna menos valiosa”, justificou Sobel, em entrevista ao site Artinfo.

Uma das obras em questão é Memphis, pela qual o colecionador havia desembolsado 250 mil dólares. A reimpressão da imagem foi a leilão na casa Christie’s em março do ano passado e arrematou mais que o dobro (US$ 578,5 mil).

No entanto, em março deste ano, a juíza encarregada do caso, Deborah Batts, rejeitou a denúncia. “Apesar de ambos os trabalhos serem de edição limitada e as obras subsequentes da primeira edição forem produzidas a partir das mesmas imagens, elas são muito diferentes”, argumentou a juíza em sua decisão.

Ela entendeu que o autor das imagens só poderia ser responsabilizado se tivesse criado novas edições das obras usando o mesmo processo que usou nas originais. No entanto, Eggleston fez as cópias a partir de um processo digital, o que foi considerado um novo tipo de trabalho.

Tribunal decidiu em favor do fotógrafo, alegando que o fato de ter impresso as imagens em suporte diferente do usado no original tornou a cópia uma nova obra

“A decisão é importante porque confirma que os artistas que trabalham com tiragens continuarão a ter o direito de usar as imagens que eles criam”, comemorou o advogado que representou Eggleston. E ele tem razão. O caso, a meu ver, é um divisor de águas no direito norte-americano, e que serve de balizador a futuras questões que possam ocorrer no nosso ordenamento jurídico. Apesar de o sistema de legislação dos EUA ser totalmente diferente da legislação brasileira, mesmo assim pode nortear os julgados em nosso país.

O direito autoral no Brasil visa proteger o criador, a pessoa. Por esse motivo, respeita o direito moral além do patrimonial e busca a harmonia com o direito de informação e acesso à cultura, pertencendo ao ordenamento jurídico de direito civil em vigor na Europa (droit d’autor, ou direito de autor, como é conhecido na França).

Já o copyright se preocupa mais com a titularidade do que com a autoria e protege o direito de cópia, sendo característico da Commom Law vigente nos EUA e na Inglaterra.

Tentei buscar na jurisprudência um caso semelhante no Brasil, porém não obtive êxito – mesmo porque, creio não existir algum precedente do gênero. No entanto, caso fôssemos fazer um paralelo com a nossa realidade, diria que a questão seria mais contratual do que legal, uma vez que o artista, quando vende o exemplar de uma obra, o faz na grande maioria das vezes em tiragens. E ainda se compromete a dar exclusividade daquela obra em formato específico. Por exemplo: cinco exemplares de tal fotografia nos tamanhos de 100×100 centímetros.

Nesse caso, o acordo entre artista e colecionador/consumidor de referida foto gera a obrigação de não mais poder o fotógrafo reproduzir aquela foto naquele formato específico, pois já se comprometeu contratualmente com seus cientes.

Fica então o artista livre para reproduzir a obra em outros formatos. O que vem privilegiar os direitos morais e patrimoniais do fotógrafo. Vejamos o que preconiza a Lei de Direitos Autorais (9610/98):

Art. 30. No exercício do direito de reprodução, o titular dos direitos autorais poderá colocar à disposição do público a obra, na forma, local e pelo tempo que desejar, a título oneroso ou gratuito.

§ 2º. Em qualquer modalidade de reprodução, a quantidade de exemplares será informada e controlada, cabendo a quem reproduzir a obra a responsabilidade de manter os registros que permitam, ao autor, a fiscalização do aproveitamento econômico da exploração.

Art. 37. A aquisição do original de uma obra, ou de exemplar, não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção em contrário entre as partes e os casos previstos nesta Lei.

Nesse sentido, acabamos por concordar com a decisão da juíza norte-americana, ou seja, nosso pensamento é que o artista está livre para trabalhar outros formatos em outros meios, não conflitantes com aquele previamente acordado.

 

Artigos relacionados

Um Comentário

  1. Olá Marcelo, queria lhe parabenizar, antes de tudo, pelo seu site. Gostaria de saber se é perfeitamente legal tirar fotos de pessoas (adultos) na rua. Se por elas estarem ali – um espaço público – elas teriam direito a privacidade ou não, como é o caso do Estados Unidos. Desde que não seja para fins comerciais ou jornalísticos, sem a permissão.