Justiça reverte decisão sobre caso de Alex Silveira e sindicato protesta
Em protesto contra a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que culpou o fotógrafo Alex Silveira por ter ficado cego de um olho ao ser atingido por uma bala de borracha, disparada por um policial militar da Tropa de Choque, enquanto cobria uma manifestação em 2000, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) e a Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos (Arfoc) lançaram a campanha “Somos Todos Piratas”.
Os jornalistas de São Paulo decidiram ir ao trabalho, durante um dia, usando tapa-olho. As entidades visam reverter a decisão dos desembargadores Vicente de Abreu Amadei e Sérgio Godoy Rodrigues de Aguiar e do juiz Maurício Fiorito.
Entenda o caso
No dia 18 de maio de 2000, Alex Silveira acompanhava uma manifestação do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apoesp), na Avenida Paulista, quando a Tropa de Choque da PM usou bombas de gás e balas de borracha contra os manifestantes. O fotógrafo foi atingido por uma bala de borracha, que o fez perder a visão no olho esquerdo.
No dia 5 de setembro, a 2ª Câmara Extraordinária de Direito Público do Tribunal de Justiça alterou sentença anterior, que condenava o Estado de São Paulo a pagar indenização ao repórter fotográfico, por entender que a culpa foi da vítima. Silveira foi condenado a pagar as custas do processo, no valer de R$ 1.200.
Ao negar pedido de indenização do fotógrafo, a ser pago pelo governo do estado, o relator, desembargador Vicente de Abreu Amadei, concluiu: “Permanecendo no local do tumulto, dele não se retirando ao tempo em que o conflito tomou proporções agressivas e de risco à integridade física, mantendo-se, então, no meio dele, nada obstante seu único escopo de reportagem fotográfica, o autor colocou-se em quadro no qual se pode afirmar ser dele a culpa exclusiva do lamentável episódio do qual foi vítima”.
Em carta enviada ao sindicado, Alex afirmou ter ficado “sem chão e me sentindo um lixo” após ter sido informado da decisão judicial. “Passado o susto da notícia, me veio o pior dos sentimentos, que foi o de me sentir literalmente um ‘boi de piranha’ por tudo o que vem acontecendo já há um tempo e com vários de nós”, escreveu o fotógrafo. Leia abaixo a carta de Alex Oliveira na íntegra:
“Carta aos companheiros!
Não é necessário dizer a vocês o quanto a posição tomada por esse júri me afetou. Na prática, fiquei sem chão e me sentindo um lixo quando soube dessa notícia. Obviamente no primeiro momento foi um misto de indignação e autopiedade, coisa que quem me conhece direito sabe que passa logo, pois sou muito mais teimoso em tudo que faço.
Mas passado o susto da notícia, me veio o pior dos sentimentos, que foi o de me sentir literalmente “um boi de piranha” por tudo que vem acontecendo já há um tempo e com vários de nós (obviamente que estou citando a era pós-ditadura), na qual saímos pra trabalhar com convicção que somos abonados pela Constituição e pelo direito de exercer nossa profissão livremente. E é isso que mais me preocupa e amedronta no momento.
Pois permanecendo este parecer ridículo, todos nós estaremos em um grande perigo de uma nova ditadura, mas agora velada de interesses mesquinhos e danosos, e dando para os agentes do estado um Salvo Conduto no qual o despreparo desses mesmos, certamente, causaram muitos danos, físicos, morais e constitucionais, mas isso tudo é muito óbvio.
Sobre essa decisão realmente não consegui encontrar outra forma de explicar tal absurdo: Sim eu estava lá no cumprimento de minha profissão, entendeu o Juiz. Sim, foi a polícia a responsável pelo tiro que me atingiu no rosto (bala de borracha) Mas julgou com isso que eu tenho culpa por ter me colocado na frente da bala rs (podem rir, isso realmente foi cômico). E deixou claro que eu deveria ter deixado o local assim que o confronto começou.
E o mais bizarro e perigoso “pra todos nós”: Ele entendeu que ao permanecer no local eu “assumi o risco” de ter tomado o tiro. Bem, não acho que seja necessário falar sobre isso aqui entre nós, mas, alguém aí cobre, seja lá o que for, sentado na redação?? Obviamente não! Enfim, no fim das contas entendi com tudo isso que essa decisão tem uma clara intenção de “colocarmos em nosso lugar “. Acredito que essa causa é maior que todos nós. Perdemos a nossa individualidade e nos tornamos um só Repórter, essa luta agora é de todos nós.”
Fonte: Terra.
Estamos todos perplexos com a lamentável decisão judicial, que esperamos seja revista. Os repórteres fotográficos vão continuar registrando todas situações sociais, mostrando a vida como ela é, sem nenhum filtro, apesar de decisões estapafúrdias. Estamos solidários com Alex Silveira, e todos os outros profissionais, que continuam e continuarão, na tentativa de construir um mundo melhor e mais justo.
Alcyr Cavalcanti secretário-geral ARFOC-Rio