Na fotografia, narrativa pode ser entendida como a construção de uma história para a imagem. Essa história não precisa estar completa, ela pode ser um fragmento que desperte no espectador a vontade de preencher as lacunas com sua própria imaginação. De alguma forma, as narrativas são histórias sem fim. Quando um filme termina, por exemplo, termina com ele aquele momento na história dos personagens, mas se continuam vivos para nós, podemos tecer para eles as nossas próprias histórias. O mesmo vale para a fotografia.
Antes de mais nada, é importante que se tenha algo para contar
Para que uma narrativa surja é necessário, antes de mais nada, que se queira contar alguma coisa. Que haja um conteúdo, uma história, um mistério que se deseje compartilhar. Pode ser tanto uma história real quanto uma história inventada. Também pode ser uma reflexão ou uma crítica. Mas é preciso que permita algum tipo de leitura.
EXPERIMENTE
- Trabalhar com séries
Produzir mais de uma imagem pode ajudar a construir uma narrativa, pois cada imagem deve potencializá-la. Uma série pode construir uma linha temporal, por exemplo, o que facilita na compreensão de início, meio e fim. Mas uma série também pode apresentar fotografias desordenadas que, no entanto, são fragmentos de um todo. Penso nisso como um quebra-cabeças, que pode estar montado ou pode ter suas partes espalhadas, mas cada peça tem sua função num plano maior.

A série Vazios está montada em uma cronologia que permite ler as imagens como frames de um filme, com uma sequência lógica em que as ações vão se desenrolando.

I’m a Person é uma pequena série de minha autoria, que pode também ser chamada de “tríptico”, por ser constituída por 3 fotografias. Dípticos (2), ´trípticos (3) e polípticos (mais de 3), são os nomes comumente utilizados para definir séries. Esses nomes são emprestados do mundo antigo e da Idade Média, quando era comum que retábulos de igreja fossem construídos dessa maneira, já como recurso narrativo.

Details, de Lorna Simpson, é uma série que foca justamente nos detalhes, um políptico de fotografias em que as mãos são protagonistas. As imagens não possuem uma sequência cronológica, mas juntas compõem um todo.

- Usar acessórios
Os acessórios podem ser úteis tanto para distrair as pessoas que estão sendo fotografadas e tornar seus movimentos mais naturais, fazendo com que pareçam absortas naquilo que estão fazendo, quanto para auxiliar a narrativa e acrescentar significado à imagem. É importante que esses acessórios façam parte da cena, que tenham uma razão para estarem ali tanto quanto qualquer outro elemento.
DA SÉRIE MORTAL REMAINS, MONIQUE BURIGO, 2019
Em Mortal Remains utilizo a vela como elemento de destaque na narrativa. Ela representa um relacionamento: que arde, queima e derrete até se extinguir, sobrando apenas seus vestígios que, no entanto, machucam e grudam na pele.

Adi Korndorfer utiliza prendedores de roupa e curativos adesivos em seu corpo como forma de expressar a dor provocada pelos padrões de beleza e pelos comentários de outras pessoas sobre um corpo que não as pertence.
- Criar personagens
Você pode criar um personagem para a sua fotografia mesmo que ela não tenha uma figura humana. Talvez fique mais fácil compreender isso se pensarmos no personagem como o assunto principal da obra. Um objeto pode ser o assunto, assim como um animal ou uma paisagem. No entanto, para se tornar um verdadeiro personagem, é necessário que traga consigo uma personalidade, um significado… É preciso que seja verossímil.
Pode haver mais de um personagem e, além disso, os personagens podem ser reais ou fictícios. Podem ser completamente criados pela sua imaginação ou podem ser baseados, por exemplo, no seu cliente. Ao fotografar uma família, por exemplo, os personagens são os integrantes dela e você pode elaborar a narrativa de acordo com suas personalidades, tornando-os personagens de uma história (nesse caso, a história deles). Também é bastante comum que artistas se apropriem de personagens de conto de fadas, da mitologia, etc.

As fotografias da série I WAS AN OCEAN narram a história de uma personagem criada por mim como uma representação da humanidade. Ela encontra o que sobrou do oceano: apenas o que cabe em um pequeno aquário, natureza morta. Uma metáfora sobre o dano ambiental que provocamos, especialmente quando não refletimos sobre nossas escolhas e ações; elas voltam, como a água suja do aquário, que despejamos sobre nós mesmos. Somos parte da natureza e vivemos ou morremos com ela.
Este pequeno oceano, contido no aquário, também pode ser aqui compreendido como personagem.

A utilização da literatura, do cinema, da mitologia, da religião, entre outros, como base para a construção de personagens é bastante comum e aparece neste trabalho de Laura Makabresku, que tem a religião como tema recorrente em suas criações, carregadas de intensidade e cuja linguagem sempre apresenta um tom sombrio, como na série Santos, em que ela representa Santa Clara.
- Ocultar o rosto
Esse recurso é muito útil para que o espectador se relacione mais facilmente com o personagem. Ao ocultar o rosto se permite imaginar o rosto que desejar, que pode até mesmo ser o seu próprio. Uma figura humana sem rosto é mais universal, pois não traz consigo sua principal marca de reconhecimento identitário. Ao fazer isso, estimula-se um mergulho na obra, com participação ativa através da interpretação e criação de uma narrativa que não está mais somente no domínio do artista.
Também é uma estratégia inteligente para quem deseja comercializar suas fotografias, pois a tendência de que seja vista como obra de arte, e não como um ensaio fotográfico de modelo é, neste caso, muito maior.

Nesta série, removo o rosto do enquadramento ou me viro de costas. A partir de autorretratos de meu próprio corpo, falo sobre mim, mas também sobre outras mulheres, sobre a experiência de ser mulher e de ser mulher artista em uma sociedade patriarcal. Sei que não represento todas as mulheres, mas também sei que não represento somente a mim mesma.

Francesca Woodman parece fundir-se à casa, tornando-se parte dela e, com isso, ela escancara a posição da mulher da época: como alguém que deveria pertencer ao lar. A artista oculta o próprio rosto através de uma espécie de camuflagem, escondendo-o.
Estas são apenas algumas dicas de como pensar as narrativas no contexto da fotografia, mas as possibilidades são muitas! Se quiser aprender mais acesse o mais curso NARRATIVAS NA FOTOGRAFIA. Também me siga no Instagram ou no meu site.
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