W. Eugene Smith: 90% da criação fotográfica ocorre após o clique

Existe uma máxima na fotografia digital: nenhuma imagem sai “pronta” da câmera. Ajustes sempre serão necessários. Porém, diante da capacidade dos programas de edição (leia-se Photoshop) em alterar dramaticamente o resultado de um clique, criou-se um permanente debate acerca dos limites do pós-processamento.

Especialmente quando se trata de fotografia jornalística ou documental, há uma tendência em desqualificar trabalhos manipulados digitalmente. Concursos que são referência no segmento, como o World Press Photo, tiveram resultados anteriores postos em suspeição e, por isso, têm procurado alterar as regras, de modo a manter as submissões o mais próximas do “clique real”.

Mas o que seria um “clique real”? O caso é que, mesmo antes da fotografia digital, muito do que se vê no portfolio dos grandes mestres é resultado de um hábil trabalho de laboratório. Uma olhada nos Contatos da Magnum mostra como os fotógrafos da mítica agência francesa (ou os laboratoristas de sua confiança) trabalhavam no negativo para produzir as imagens icônicas de nossa época.

Imagens do documentário de W. Eugene Smith em Pittsburgh
Imagem do documentário de W. Eugene Smith em Pittsburgh

Se isso já não fosse definitivo, podemos recorrer ao testemunho de James Karales, assistente do norte-americano W. Eugene Smith (1918-1978), grande nome do documentário de viés social e também uma das estrelas da Magnum. Seu depoimento está no artigo In the Darkroom with W. Eugene Smith, escrito em 2013 por Sam Stephenson, biógrafo de Eugene Smith.

James tornou-se assistente de laboratório de Eugene em 1955, período em que o fotógrafo havia recém-ingressado na Magnum e estava desenvolvendo um trabalho de documentação da cidade de Pittsburgh, na Pensilvânia. Smith havia sido contratado para realizar uma centena de imagens, mas fez por volta de 21 mil cliques. James, recém-graduado em fotografia, teve como primeira missão auxiliá-lo na impressão desse volume colossal de negativos.

“Antes disso, eu não sabia que se podia fazer numa câmara escura. Pelo menos 50% da imagem são feitos no quarto escuro – acho que Gene [Eugene] diria 90%”, contou Karales.

“O negativo tem a imagem, mas não pode produzi-la completamente como o fotógrafo viu – não como Gene viu. Você tem que trabalhar mais e mais com o ampliador, você tem que escurecê-la, você tem que buscar algumas áreas – um detalhe aqui ou ali”, explicou o assistente.

Conforme destacou Michael Zhang no site PetaPixel, W. Eugene Smith era tão meticuloso em seu trabalho de ampliação que o projeto, que deveria terminar em três semanas, levou três anos para ser concluído.

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